As constelações familiares estudam as relações humanas e mostram como comportamentos negativos podem se repetir ao longo de gerações
Em um pequeno grupo de pessoas, cada um recebe a missão de desempenhar um papel. Pais, cônjuges, filhos, irmãos, avós e todo o ambiente familiar é representado, incluindo as suas relações e conflitos. O exercício lembra o teatro, mas tem significados muito mais profundos. Estamos falando da constelação familiar, prática psicoterapêutica baseada nos ensinamentos do alemão Bert Hellinguer. Nos anos 80, Hellinguer começou a estudar a influência dos relacionamentos familiares e como determinados comportamentos podem ser repetidos de geração em geração dando origem a novas dificuldades e problemas. A constelação familiar pode ser aplicada individualmente, em casal ou em grupos de pessoas, com o auxílio de bonecos ou de animais, que representam os vínculos familiares e os antepassados.
O psicólogo ponta-grossense Rodrigo Koroviski trabalha há cinco anos com constelações familiares e explica que não existe uma técnica pré-definida. Cada profissional adapta de acordo com a sua necessidade e a do grupo. Ele costuma fazer sessões com grupos de até 20 pessoas, nos quais existem os que vão apenas para assistir, os chamados representantes; a pessoa que vai constelar, ou seja, expor a situação-problema; e o constelador, que atua como um diretor.
A pessoa que vai constelar deve apresentar um tema ou questão, que podem estar relacionadas a problemas amorosos, profissionais, de finanças ou de saúde. Algumas das pessoas que estão assistindo são chamadas ao centro do grupo para representar elementos importantes da temática e são instruídas a seguir os impulsos do próprio corpo. Eles podem sentir vontade de se afastar ou se aproximar de outros representantes, sentar no chão ou deitar. Livre de julgamentos e preconceitos, o terapeuta auxilia o paciente a identificar padrões de comportamento que se repetem nas famílias e problemas relacionados às vivências de seus pais e antepassados.
De acordo com Rodrigo, todas as pessoas podem participar da constelação familiar, independente de crença, sexo ou idade. “Eu indico essa técnica para todas as pessoas que têm interesse em descobrir os seus vínculos familiares e comportamentos dos antepassados que estão sendo repetidos”, explica. Hellinguer chama essas repetições de “emaranhamentos”, ou seja, é quando alguém retoma ou revive inconscientemente o destino difícil de um familiar que viveu antes dele. “Identificar esses padrões de repetição e perceber a sua influência nos relacionamentos familiares é uma maneira de ter uma vida mais saudável. A sensação que me relatam após um grupo é de alívio ou até mesmo de tirar um peso”, relata.
Rodrigo garante que as constelações familiares são eficazes, mas é preciso estar disposto a olhar para os próprios problemas. “Como todo e qualquer processo psicoterapêutico, é preciso estar disponível frente a um processo de cura. Se a pessoa procura uma constelação familiar consciente de que isso pode trazer uma resolução de conflitos e melhor entendimento de situações, aí, sim, temos um bom resultado”, afirma. Ele acrescenta que os efeitos variam de pessoa para pessoa. “Existem casos em que vemos resultados imediatos. Já em outros precisam de alguns meses ou até mesmo anos. Porém, não é apenas a pessoa que constela que sente os resultados, mas também a sua família e até mesmo quem está participando como representante”, destaca.
Mente sã, corpo são
Para a fisioterapeuta ponta-grossense Maria Helena Bessa Barros Durau, corpo e mente estão interligados. “O olhar terapêutico se volta para relacionamentos e os conflitos na convivência humana, mas essas desordens também são transferidas para o corpo e têm um papel importante em relação à saúde física. Muitas doenças são causadas por sofrimentos existenciais, dificuldades familiares e histórias de vida que ainda não foram superadas”, aponta. Ela começou a estudar constelações familiares há oito anos para entender o que havia por trás das doenças de fundo emocional e auxiliar os pacientes no processo de cura.
Maria Helena costuma repetir que é preciso ter muita coragem para enfrentar as suas feridas mais profundas. “A constelação faz isso de uma forma muito singular e assertiva. Ela permite que a pessoa se coloque neste caminho de cura e faça ela mesma este trabalho”, explica. Ela comenta ainda que, se não houver uma disposição profunda em olhar para os próprios relacionamentos e buscar soluções para os conflitos, os resultados podem não ser eficazes. “Aquelas pessoas que ainda se mantêm na postura de vítimas, repletas de acusações e reivindicações sobre o seu sofrimento, têm muita dificuldade nessa abordagem, pois esperam que o outro realize ou traga a cura para ela. E a constelação faz o movimento inverso disso”, elucida.
De acordo com a fisioterapeuta, os efeitos da constelação passam a ser percebidos no decorrer do dia a dia da pessoa, enquanto as suas percepções sobre a questão trabalhada se modificam. “A dor ou dificuldade não some após uma sessão, mas é colocada uma nova percepção sobre ela, e, para constatar isso, é preciso deixar o tempo agir. Isso quer dizer que, mesmo sem perceber, a constelação continua atuando inconscientemente”, destaca. Ela ressalta também que a técnica não exclui a terapia convencional, sendo comum uma pessoa constelar um tema e retornar para o acompanhamento psicológico.
Pseudociência
A psicóloga Heloísa Gonçalves conta que conheceu a técnica por meio de pacientes do próprio consultório e que os relatos ouvidos nem sempre eram positivos. “A maioria sentia como se uma ferida tivesse sido aberta, sem existir a preocupação de fechá-la, o que trouxe ainda mais sofrimento”, observa. Esses feedbacks negativos à psicóloga conhecer um lado complicado da ferramenta. “A minha principal crítica é que a técnica aponta os erros da família do sujeito e os padrões que estão sendo repetidos ao longo das gerações, mas sem fazer nada sobre isso. Abordar algo delicado, sem trabalhar esse assunto com o paciente, pode dificultar o processo terapêutico”, alerta. Ela cita que, em alguns lugares da Alemanha, a técnica não é mais utilizada devido a muitos casos de suicídio, depressão e comportamentos obsessivos de pessoas que passaram pelo exercício de constelação familiar.
Outro ponto enfatizado por Heloísa é que, embora a constelação familiar tenha nascido na Alemanha nos anos 80, ainda não existem estudos suficientes e investigações rigorosas que reconheçam a técnica como ciência. “Existem poucos estudos na área e pouca fundamentação científica, então não se pode dizer com certeza se ela funciona ou não, podendo exercer somente um efeito placebo. Se forem realizadas mais pesquisas sobre a técnica, pode ser que, futuramente, ela saia do campo das pseudociências”, comenta.
“A grande questão é que a constelação familiar tira o protagonismo do sujeito e também a sua responsabilidade em mudar, já que o problema estaria vindo de sua família, e não necessariamente dele”, reforça Heloísa. Ela orienta que, devido às diversas críticas a essa técnica, o ideal é que os pacientes optem pela terapia tradicional, com psicólogos éticos e profissionais, que terão ferramentas reconhecidas cientificamente para auxiliar nas mais variadas questões emocionais.
CONFIRA A OPINIÃO DE QUEM JÁ “CONSTELOU”
Novo sentido de vida
“Tenho diagnóstico de depressão grave e, na época, havia risco de morte. Quando participei da constelação familiar pela primeira vez, em 2017, eu não conseguia levantar da cama e passava os meus dias chorando. Achei que nada mudaria, mas os meus familiares começaram a notar que ainda existia uma faísca de vida dentro de mim. Resolvi participar de novo e coisas foram fazendo sentido e me dando forças para continuar. Quem sofre de depressão sabe o quão importante é conseguir viver sem supervisão, acordar e conseguir sair da cama, tomar banho por conta própria e realizar as tarefas do dia a dia”
Camila Gadens
Revistar o passado é mágico
“Participei de quatro constelações desde julho de 2019 e posso dizer que a minha vida mudou para melhor. Digo mais, mudou até para quem convive comigo, amigos, familiares e, principalmente, o meu relacionamento afetivo. Quando escutamos, lemos ou estudamos sobre um determinado assunto é uma coisa, agora, a partir do momento que você vivencia, é completamente diferente, diria que é mágico! O momento mais marcante foi vivenciar o meu passado, reviver momentos que não estavam curados dentro de mim. A vida começa a ter outro sentido e tudo vai melhorando”
Amanda Calixto
Honrando a memória dos antepassados
“Em 2018, eu estava tendo dificuldades para me recuperar de uma cirurgia e estava passando por problemas financeiros, de relacionamento, familiares. As constelações despertaram sentimentos e ressignificaram emocionalmente os papeis e responsabilidade familiares. Elas fizeram com que eu voltasse um olhar de gratidão aos meus antepassados, honrando a memória deles e tudo o que eles fizeram para que eu pudesse estar onde estou hoje”
Edite Mosconi
Por Michelle de Geus | Fotos: Arquivo pessoal e Reprodução