Quinta-feira, 19 de Setembro de 2024

Debate D’P: Colégios cívico-militares podem salvar a educação?

2024-08-24 às 11:00
Foto: Divulgação

Rankings internacionais mostram que o Brasil fica em baixas posições em matemática, ciências e leitura. Diante disso, muitos defendem que a “salvação” da educação estaria nos colégios cívico-militares, que em tese formariam alunos com melhor desempenho escolar. Será que isso é verdade? Confira quatro visões sobre o assunto

por Edilson Kernicki

O Programa Nacional de Escolas Cívico-Militares (PECIM), instituído pelo Decreto 10.004/2019, foi desenvolvido pelo Ministério da Educação (MEC), com apoio do Ministério da Defesa, e objetivava atender escolas de ensino regular com baixo resultado no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). A ideia era também combater a repetência e a evasão. Até 2023, quando o PECIM foi descontinuado, havia 216 escolas cívico-militares no Brasil. Das 49 que seriam mantidas pelos estados ou municípios responsáveis por elas, 12 ficam no Paraná.

No estado, o Programa Colégios Cívico-Militares (lei 21.327/2022) busca oferecer educação básica de qualidade, um ambiente escolar adequado com vistas à melhoria do processo de ensino-aprendizagem, uma gestão de excelência dos processos educacionais, pedagógicos e administrativos, e um fortalecimento de valores humanos e cívicos. Mediante consulta à comunidade escolar, 23 colégios do Paraná adotaram o modelo a partir de dezembro e outros 83 já tinham aprovado a opção em novembro. Somados a 194 colégios que já funcionavam nessa modalidade, mais os 12 do programa nacional, que foram incorporados pelo estado, o número chega a 312 e abrangem cerca de 121 mil alunos.

Há dez instituições cívico-militares em Ponta Grossa: Colégio Professor Colares (Oficinas); José Elias da Rocha (Olarias); General Osório (Uvaranas); General Antônio Sampaio (Uvaranas); Frei Doroteu (Periquitos); Professor Edison Pietrobelli (Verona/Santa Paula); Padre Carlos (Sabará); Epaminondas (Palmeirinha); Becker e Silva (Ronda) e Nossa Senhora da Glória (Rio Verde). A proposta foi rejeitada em quatro colégios: Kennedy (Nova Rússia); Linda Bacila (Jd. Monte Carlo); Santa Maria (Colônia Dona Luiza) e Ana Divanir Borato (Chapada).

Enquanto alguns setores defendem que colégios cívico-militares ajudariam a melhorar o desempenho dos alunos em disciplinas como matemática, ciências e leitura, há quem afirme que o maior rigor disciplinar dessa modalidade não surte efeito nenhum nesse sentido. Afinal, colégios cívico-militares realmente seriam a salvação da educação brasileira?

CIDADÃOS RESPONSÁVEIS

“O modelo cívico-militar ajudou a melhorar a qualidade do ensino de forma geral, como as notas do Enem e a aprovação em universidades. Hoje, as melhores escolas públicas do país são administradas por esse tipo de gestão, sem contar as escolas militares administradas exclusivamente pela Polícia Militar. Na prática, a escola militarizada exige normas mais rígidas de comportamento.

Não sei responder, neste momento, se pode ser a salvação da educação, porque acredito que isso tem muito a ver com cada pessoa. Uns gostam mais e outros menos de certa matéria. Mas certamente esse modelo forma cidadãos responsáveis. Uma das maiores contribuições das escolas cívico-militares é justamente essa: a formação de pessoas responsáveis e éticas. A ênfase na disciplina, no respeito à autoridade e nos valores cívicos ajuda os estudantes a terem um forte senso de dever e de comprometimento com a sociedade.

Quanto às saídas para melhorar a educação no Brasil, penso que seriam: acesso à escola e ao processo de aprendizagem, maior investimento e inovação, e a participação das famílias na vida escolar”

Alfredo Camargo Neto, funcionário público, pai de aluno de colégio cívico-militar

O CAMINHO É OUTRO

“O Brasil, de fato, tem buscado aferir a qualidade da educação básica. Dois movimentos foram criados: a inserção do país no Programa Internacional de Avaliação de Alunos e a criação do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica. Esses indicadores revelam que o país ainda não atingiu índices elevados, mas tem indicado melhoras constantes na educação. Além disso, há que se considerar as enormes diferenças entre os países que participam das avaliações para se estabelecer comparações. É preciso avaliar o ponto de partida e o esforço para melhorar. E essa trajetória não passa pela adoção do modelo das escolas cívico-militares, mas por políticas modernas de gestão educacional e valorização dos profissionais da educação.

O debate sobre o modelo escolar cívico-militar foi alimentado por um discurso ideológico e conservador, vendido como salvação para a educação. Não há medidas salvacionistas que resultam em uma melhor educação. O que é preciso pôr em prática está na atual Lei de Bases da Educação: gestão democrática, ampliação dos investimentos, valorização dos docentes e funcionários, e participação da comunidade.

Uma escola acolhedora, humanizada, com diversidade, com recursos financeiros e humanos, com autonomia baseada em projeto, certamente é capaz de fazer a diferença para os seus estudantes. Inclusive, não impõe a disciplina com autoritarismo, mas educa com autoridade a autodisciplina, a autonomia e o respeito às normas”

Paulo Eduardo Dias de Mello, professor adjunto do departamento de História da UEPG e mestre e doutor em Educação pela USP

ATUAÇÃO MAIS ABRANGENTE

“Embora os colégios cívico-militares apresentem benefícios específicos na rotina pedagógica, os problemas educacionais do país exigem cuidados mais abrangentes, considerando aspectos que integram desde o perfil regional das escolas, passando por investimentos em todas as frentes, até a qualificação profissional dos profissionais de educação. Nesse sentido, o governo do estado do Paraná vem investindo em infraestrutura, formação e valorização dos professores, inclusão e equidade, participação da comunidade, tecnologia educacional e avaliação e monitoramento.

É importante implementar sistemas eficazes de avaliação e monitoramento da qualidade da educação, a fim de identificar áreas de melhoria e garantir que as políticas e programas educacionais sejam eficazes. A Secretaria de Estado da Educação tem realizado esse acompanhamento através da Prova Paraná, que acontece trimestralmente, em todas as instituições de ensino, e também das avaliações nacionais, como o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica.

Portanto, embora os colégios cívico-militares possam contribuir para a melhoria da disciplina e do desempenho acadêmico em algumas áreas específicas, é essencial adotar uma atuação mais abrangente para promover uma educação de qualidade para todos os estudantes”

Cristiane Jakymiu, chefe do Departamento de Programas para a Educação Básica da Secretaria de Estado da Educação

ENSINO ALIENANTE

“A alegação dos defensores do ensino cívico-militar com relação à melhora dos resultados de aprendizagem não passa de uma falácia, pois no último resultado do Ideb [Índice de Desenvolvimento da Educação Básica] as melhores colocações no Paraná não incluem colégios cívico-militares.

A escola deve ser um ambiente lúdico, acolhedor, que deve estar preparada para receber diferentes culturas, promover a sociabilização, aprendendo a lidar com o contraditório, sem uniformizar o aluno em uma única linha de pensamento através da imposição das regras e da cultura do medo. Isso, para mim, é alienação.

É necessário discutir e repensar para quem atende essa modalidade de ensino, pois em momento nenhum ela se mostra eficiente para o aluno, emancipando-o. Pelo contrário, ela o doutrina, formatando-o nos moldes da subserviência, que de forma nenhuma se traduz em consciência crítica, transformadora, defendida pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.

Para melhorar a educação, o governo tem de investir na valorização do magistério, dando condições aos professores de se qualificarem na sua área de atuação. Para isso, o professor tem de ter uma jornada de trabalho menos exaustiva, que lhe permita ser também pesquisador, além de um salário digno, pois ninguém tem resistência física, emocional ou mental para trabalhar 40 horas, com salas lotadas de alunos, e ainda andar de um lado ao outro da cidade, angariando aulas para a sua subsistência”

Ignês Amorim Figueiredo, pedagoga, historiadora, mestre em Educação pela UEPG e docente no Colégio Cívico-Militar José Elias da Rocha

Conteúdo publicado originalmente na Revista D’Ponta #301