Domingo, 08 de Dezembro de 2024

Debate D’P: Pitbulls devem ser proibidos?

2024-08-12 às 13:28
Foto: Reprodução

Proibidos em 24 países, cães pitbull geram ondas de preocupação toda vez que um exemplar da raça vira notícia por atacar adultos, crianças e até os próprios tutores. Será que o melhor caminho seria proibir o comércio, a reprodução e a importação desses cães no Brasil? Confira quatro visões a respeito

por Edilson Kernicki

A repercussão do ataque de cães da raça pitbull à escritora fluminense Roseana Murray, que perdeu parte do braço e da orelha direita, em abril, reacendeu a discussão se a raça deveria ou não ser proibida no Brasil. No ano passado, foram registradas 53 mortes no país resultantes de ataques por cães, muitas delas ocasionadas por pitbulls, raça que já é proibida em 24 países. Em 2024, uma menina de oito anos de Teresina (PI); um homem de 39, de Criciúma (SC); um homem de 30, com epilepsia, de Mogi Mirim (SP); e uma idosa de 83 anos, de Icém (SP), foram algumas das vítimas fatais noticiadas.

Desde 2003, arrasta-se no Congresso a discussão sobre uma eventual proibição do comércio, reprodução e importação de cães da raça pitbull no Brasil, mediante o projeto de lei 2376/2003, de autoria do deputado federal Gilberto Nascimento (PMDB-SP). A esse projeto de lei, foi anexado um paralelo: o 2140/2011, de Onofre Agostini (DEM-SC), que dispõe sobre a obrigatoriedade do uso da focinheira e estabelece regras de segurança para circular em público com cães de grande porte ou de raças consideradas perigosas.

Em Ponta Grossa, a lei que exige o uso das focinheiras há mais de 20 anos (lei municipal 7037/2002) define que, além do pitbull, outras 14 raças utilizem focinheira, coleira e guia adequadas para que o tutor transite com eles em vias públicas. Pela lei, o tutor que descumprir a lei ficaria sujeito a advertência verbal, multa e até mesmo a apreensão do animal. Um simples passeio pelas praças, avenidas ou parques de Ponta Grossa já permite notar que a fiscalização não tem sido rigorosa.

O estigma negativo atribuído ao pitbull, devido ao seu tamanho e força, contrasta com a docilidade e ternura que esses animais podem apresentar se criados e socializados da forma correta, como defendem tutores e veterinários. São frequentes postagens em redes sociais de bebês sendo criados com filhotes da raça e convivendo harmonicamente.

Afinal, a agressividade do pitbull é intrínseca ou os ataques são casos isolados? O pitbull deve ser proibido no Brasil? Se não, a que se atribui as mortes causadas por cães dessa raça e como a questão devia ser resolvida?

REGULAMENTAÇÃO É NECESSÁRIA

“Acredito que deva existir uma regulamentação. Algumas raças têm um temperamento mais propício para se comportar de forma agressiva, e, nesse caso, devem ser averiguadas quais são as intenções do tutor ao optar por essa raça. Já tive contato com pitbulls de temperamento volátil, aparentemente tranquilos com os seus tutores, mas prontos para atacar caso sentissem uma ameaça iminente. Não é raro que pitbulls sejam ainda mais estimulados por seus tutores a apresentarem comportamentos agressivos.  Eu convivo com cães dessa raça tanto profissionalmente quanto no ambiente familiar. Tenho uma pitbull que vive harmoniosamente com adultos, crianças e até gatos.  Cães – e não apenas pitbulls – precisam de tutores responsáveis, que ofereçam um ambiente adequado a eles, com alimentação apropriada, acesso à água, abrigo do calor e da chuva, espaço para se exercitar, serviços veterinários e a construção de um laço afetivo com a unidade familiar à qual pertencem”

Suelen Winnik Lasquevski, tutora, psicóloga, escritora e esposa de veterinário

TUTORES CRIAM PERFIL ANTISSOCIAL

“Proibição, jamais! Sou clínico veterinário há quase 18 anos e, mesmo na faculdade, tive contato com pitbulls. São animais dóceis e que apresentam, em sua maioria, um ótimo comportamento com pessoas. Sabemos que, como acontece com outras raças também, alguns tutores os criam com a ideia de serem cães de guarda, agressivos, que precisam ficar longe de pessoas, muitas vezes até isolados em canis. Isso acaba criando um perfil antissocial no animal. O que pode ‘potencializar’ o ataque do pitbull é a sua força, que pode causar lesões graves. Há alguns anos, li uma pesquisa sobre qual seria a raça que mais ataca humanos, e lembro que pinscher, chihuahua, entre outros cães de pequeno porte, seriam os mais agressivos. Sendo assim, o que os diferencia são as lesões causadas, ou seja, dificilmente uma pessoa daria entrada no atendimento hospitalar ao ser mordida por um cão de pequeno porte, mas, se fosse mordida por um cão de grande porte, esse atendimento teria muito mais chances de ser necessário. Mesmo na rotina da clínica veterinária, sabemos que isso é uma realidade. Nesses anos, já fui mordido várias vezes por pacientes de pequeno porte e nunca por um de grande porte, como o pitbull, por exemplo”

Giovanni Contin, veterinário

MEDIDAS ENÉRGICAS DEVEM SER TOMADAS

“Nos últimos meses, temos acompanhado a morte de animais e de pessoas pelos cães da raça pitbull. As opiniões se dividem, mas em um ponto todos estão de acordo: é preciso que se tomem medidas enérgicas e urgentes para evitar mais mortes. Em discussão sobre o tema, o Conselho Municipal de Defesa e Proteção dos Animais vem a público trazer as suas considerações e sugestões: 1) Devem circular apenas com focinheiras; 2) Obrigatoriedade de microchipagem de identificação dos animais; 3) Obrigatoriedade de castração a partir de seis meses de idade; 4) Caso seja localizado um animal sem microchip ou que não esteja esterilizado, o tutor deverá ser multado e o animal deve ser retirado e encaminhado para adoção; 5) Ser uma raça de distribuição exclusiva dos canis regulamentados; 6) Proibir a circulação dos cães da raça pitbull em locais públicos com aglomeração de pessoas e/ou animais. A maioria dos conselheiros é a favor da proibição da criação da raça no Brasil”

Conselho Municipal de Defesa e Proteção dos Animais

DESCASO E DESATENÇÃO DOS TUTORES

“Sou contra a proibição de qualquer uma das 420 raças reconhecidas no Brasil pela Confederação Brasileira de Cinofilia. Existem raças que são mais ferozes do que o pitbull e que são maiores. O grande problema, quando se trata de mordidas e ataques de cães, não é uma raça definida, mas o tamanho, porte e agressividade desses cães. Não é exclusividade do pitbull. Acho que os ataques dessa raça são muito mais provenientes do descaso e da desatenção dos tutores. Esses cães podem ter sido criados em isolamento também, ficam com muita ansiedade e ocasionalmente têm a sensação de ameaça e partem para o ataque. Um bom adestramento resolve a situação. As pessoas que morrem por causa de mordidas de cães são atacadas muitas vezes por dois ou três cães de rua, não por pitbulls. Têm alguns casos de pitbulls com repercussão forte na mídia, mas têm outros casos de cães de rua mesmo, criados na frente das residências e que atacam carteiros, ciclistas, motociclistas. Quando você compra um cão de raça, já tem noção do tamanho que ele vai ficar, do temperamento que ele vai ter, se ele vai ser um cachorro obediente ou não, porque já está definido no temperamento da raça”

Marcio Ferreira, ex-secretário municipal de Serviços Públicos e criador de cães

Conteúdo publicado originalmente na Revista D’Ponta #302