Domingo, 08 de Junho de 2025

DEBATE: É justa a condenação dos envolvidos no 8 de janeiro?

Especialistas avaliam se houve exagero nas punições aplicadas aos envolvidos nos ataques às sedes dos Três Poderes em 2023; penas variam de prestação de serviços a até 17 anos de prisão
2025-06-08 às 14:34

REVISTA— Ao menos 523 pessoas já foram condenadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) pelos atos considerados extremistas do dia 8 de janeiro de 2023, quando aqueles que não aceitavam os resultados eleitorais de outubro de 2022 ocuparam e depredaram prédios dos Três Poderes da República.

Dentre os 1.611 réus acusados, 540 já firmaram Acordos de Não Persecução Penal (ANPP) com a Procuradoria-Geral da República (PGR). Com isso, eles assumem a culpa pelos crimes, mas se livram da condenação com penas alternativas, como a prestação de serviços comunitários, afastamento das redes sociais por um ano, uso de tornozeleira eletrônica, impedimento de viajar sem autorização judicial (mesmo dentro do Brasil) e devem participar de um curso sobre democracia. Pelo menos 33 condenados rejeitaram os acordos, como a cabeleireira Débora Rodrigues, que pichou a estátua “A Justiça” com batom.

O julgamento das ações começou em 13 de setembro de 2024, pela Corte do STF, e cada ação penal tem julgamento individual, conforme denúncia apresentada pela PGR. Até 15 de abril, a Corte havia iniciado 1.602 ações penais, que totalizam 1.624 réus – algumas ações possuem mais de um acusado. O STF já condenou 523 pessoas e absolveu oito: 84 estão presos e 61 são considerados foragidos. Há 1.087 réus aguardando julgamento e outros seis morreram no curso do processo.

A maioria – 269 (51,4%) – foi condenada por crimes mais leves: associação criminosa e incitação ao crime equiparada pela animosidade das Forças Armadas contra os Poderes Constitucionais, com penas de um ano a dois anos e cinco meses. Estão entre eles o núcleo identificado pela PGR como “incitadores”: os que acamparam em frente a quartéis do Exército e pediram intervenção militar. Os 48,6% restantes (254) foram condenados por crimes graves, com penas que variam de três anos a 17 anos e seis meses. A maior parte deles, condenada a 14 anos de prisão em regime fechado (105 ou 20,1%), recebeu penas aplicadas a crimes que envolvem violência ou grave ameaça, como os crimes de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado, dano qualificado, deterioração do patrimônio tombado e associação criminosa armada. A esses crimes, soma-se a aplicação de uma multa coletiva de R$ 30 milhões por danos morais, dividida entre todos os condenados.

Na página ao lado, quatro juristas de Ponta Grossa opinam sobre as condenações realizadas pelo STF. Na visão de políticos e lideranças de direita, o relator da 1a Turma do tribunal, o ministro Alexandre de Moraes, teria proferido tais condenações mais por uma motivação política do que jurídica. Será que isso é verdade?

CUMPRIMENTO DA LEGISLAÇÃO

“A aplicação de qualquer pena no Direito Penal brasileiro obedece a um critério legalmente previsto. A própria lei fixa a pena mínima e máxima para cada crime, ficando o magistrado subordinado à pena prevista na legislação. No caso dos atos de 8 de janeiro, para a condenação e fixação da pena dos acusados foi formada maioria entre os ministros do STF, o que significa dizer que não coube somente ao ministro Alexandre de Moares condenar e aplicar a pena, mas sim ao colegiado do Supremo.

Do ponto de vista técnico, não há como afirmar que houve exagero na aplicação das penas, notadamente porque os magistrados ficaram subordinados aos parâmetros estabelecidos na legislação para punir aqueles que praticaram condutas que são consideradas crimes também por meio da Lei, definida pelo Poder Legislativo e não Judiciário. Nos casos em que as punições foram mais severas, vale lembrar que a pena corresponde a um somatório, pois não tratou só de um crime, mas de múltiplos crimes, a depender do caso”.

Herculano Augusto de Abreu Filho, especialista em Direito Penal da Madureira & Advogados Associados

RUPTURA ALARMANTE

“As condenações proferidas pelo STF, sob relatoria do ministro Alexandre de Moraes, representam uma ruptura alarmante com os princípios mais elementares do Estado de Direito. Não apenas houve exagero nas penas, como se consolidou um sistema de exceção, onde o processo legal foi substituído por decisões políticas disfarçadas de julgamentos. A Constituição foi ignorada, o contraditório foi sufocado e as liberdades individuais foram violadas. A história não perdoa os que se colocam acima da lei — e é exatamente isso que temos presenciado: um Judiciário que, em vez de garantir a legalidade, passou a reger com autoritarismo. O verdadeiro atentado à democracia não ocorreu no 8 de janeiro, mas nas decisões arbitrárias que o antecederam e sucederam. É dever de cada jurista denunciar essa escalada autoritária antes que o Direito, como conhecemos, deixe de existir”.

Ricardo Scheiffer Fernandes, advogado de Filipe Martins, ex-assessor de Bolsonaro, que o STF tornou réu do chamado “núcleo 2”

FORA DA NORMALIDADE

“Os acontecimentos do 8/1 têm gerado debate acirrado, principalmente pelas ações do ministro Alexandre de Moraes, que centralizou as investigações, prendeu pessoas sem o devido processo legal, bloqueou contas bancárias etc., e tudo sem a participação do Ministério Público, responsável por investigar e denunciar criminalmente no país. Entendemos que o STF não poderia julgar pessoas comuns. Ele só tem competência para julgar pessoas com foro privilegiado, como ministros e parlamentares. Crimes cometidos por cidadãos comuns, como o evento de 8/1, deveriam ser julgados pela Justiça Comum.

As condenações dos manifestantes de 8/1 têm sido fora da normalidade, com penas exacerbadas, desproporcionais, injustas e que não condizem com os atos praticados. As atitudes do ministro Alexandre levantam suspeitas de que o processo esteja sendo politizado, como teria ocorrido com a anulação dos processos envolvendo a Operação Lava Jato, que deixou impunes políticos e empresários corruptos. Além disso, para muitos, os atos de 8/1 sequer se configuram um golpe militar, mas mero protesto de manifestantes, pois não contaram com apoio militar ou tentativa real de derrubar o governo.

E, para a tristeza de nosso país, não vemos manifestações firmes do Congresso Nacional, dos demais ministros do STF e do STJ, da imprensa, da OAB, da CNBB e outras entidades no sentido de combater esse abuso de poder judicial”.

José Eli Salamacha, mestre em Direito Econômico e Social, professor de Direito Empresarial, membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual e sócio do escritório Salamacha, Batista, Abagge & Calixto

DECISÃO NÃO-MONOCRÁTICA

“As decisões foram proferidas pela 1ª Turma do STF, em que são integrantes os ministros Cristiano Zanin [presidente], Alexandre de Moraes [relator], Carmen Lúcia, Luiz Fux e Flávio Dino. Ou seja, as decisões não foram proferidas monocraticamente pelo ministro Alexandre de Moraes, mas sim pela 1ª Turma do STF.

Em um segundo momento, é de se observar que a questão se refere à dosimetria da pena [quantidade de pena aplicada] e não se as condutas praticadas pelos agentes no dia 8 de janeiro podem ser consideradas típicas [crimes]. Logo, a análise solicitada restringe-se ao quantum da pena aplicada. Dito isso, é necessário verificar as penas que o legislador fixou para cada uma das condutas entendidas como ilícitas pela 1ª Turma do STF. Além disso, o legislador determinou ao magistrado que, quando for aplicar da pena, deve individualizá-la para cada pessoa, conforme determina a Constituição da República em seu art. 5º, XLVI e o art. 68 do Código Penal.

Por essa razão, embora duas pessoas pratiquem a mesma conduta ilícita, as penas podem ser diversas em espécie e quantidade. Dessa forma, seria necessário analisar individualmente cada sentença para compreender os motivos que levaram a 1ª Turma do STF a aplicar a pena.

Logo, em uma análise sem aprofundamento em cada uma das decisões proferidas, não é possível afirmar que houve ‘exagero’ no quantum da pena aplicado. Não obstante, caso a pessoa tenha sido condenada pela praticada de todas as condutas acima descritas, a pena seria privativa de liberdade, com um quantum mínimo de dez anos e seis meses”.

Rubens Teles Florenzano, advogado e professor de Direito Penal e Processual Penal

Por Edilson Kernicki
Texto publicado originalmente na edição 307 da Revista D’Ponta