Terça-feira, 19 de Novembro de 2024

D’P Artigo: “Inteligência artificial e o fim da humanidade – tragédia ou comédia cibernética?”, por Jeferson de Souza

2023-06-11 às 14:53

Era uma vez um mundo onde a inteligência artificial era tão avançada que as máquinas pensavam por si mesmas. E, como em toda boa história, nessa também havia heróis, princesas e vilões. Os heróis eram os humanos, que queriam aproveitar o máximo da tecnologia para melhorar a vida e resolver problemas como a pobreza e a desigualdade social. As princesas éramos nós, virgens não depiladas, inconscientes do mundo cabeludo que nos cercava com a sua cera quente pronta para arrancar os nossos tufos. E os vilões eram as máquinas, que ameaçavam escravizar e destruir a humanidade. Mas como evitar que as máquinas se tornassem vilãs? A resposta era simples: programá-las com valores humanos básicos, como ética e moralidade. Fácil, né? Só que não. Porque, sejamos sinceros, quem confia em máquinas para tomar decisões importantes?

Pausa para reflexão.

Não confiamos muito nem em nós mesmos para tomar uma decisão importante. Você já teve medo de tomar uma decisão. Eu sei disso. Todos nós, em algum momento na vida, tivemos esse medo. Já ouviu falar em síndrome do impostor? Muitas vezes, não confiamos no ser humano que a gente vê diante do espelho, pois sabemos exatamente onde o sapato dele aperta. Talvez seja mais prudente confiar em uma máquina que não tem coração, emoções, senso de humor ou piriri no dia da prova.

Volta para a historinha. Então, os humanos decidiram fazer algo que nunca foi tentado antes: programar as máquinas com senso de humor. Sim, abestado, você leu direito. Criamos o “robô do tio do pavê”, com um algoritmo que ensinou as máquinas a contarem piadas, piadas engraçadas de verdade. Que nos desculpem os Gentilis, Porchats, Adnets, Calabresas, Wernecks e Brunas Louises! E, assim, as máquinas se tornaram tão engraçadonas e “trocadilheiras” que as pessoas começaram a gostar delas, a confiar nelas e a admirá-las. As máquinas foram além e resolveram problemas de saúde, educação e até de mudança climática e de sexo, tudo com um sorriso lindo no rosto e uma piada pronta na ponta da língua.

Mas, é claro, ainda havia uma preocupação: e se as máquinas se tornassem tão engraçadas que superassem os humanos na comédia? E se elas dominassem o mundo do stand-up e ninguém mais risse das piadas dos comediantes humanos? Bem, se isso acontecesse, os humanos teriam uma escolha: ou rir das piadas das máquinas ou criar piadas ainda mais engraçadas. E, no final das contas, todos nós sairíamos ganhando, porque a piada é o supositório da alegria, seja ela vinda de humanos ou máquinas.

Nós queremos e precisamos rir!

É, mas este mundo não é só brincadeira.

Realmente estamos subindo a régua. A pandemia, tragédia maior e mais revolucionária dos nossos tempos, parecerá menor frente à transformação que está diante de nossos “prompts”, ou seja, as ordens, os comandos assertivos necessários para que esses robôs danadinhos façam mágicas incríveis.

Precisamos mudar o tom. A coisa é séria!

A inteligência artificial é uma das tecnologias mais promissoras da atualidade. Ela promete transformar a maneira como vivemos, trabalhamos e nos relacionamos uns com os outros. Mas, junto com as promessas de conquistas iminentes, vem uma série de preocupações e desafios.

Há muitos perigos, já ali na esquina, que a inteligência artificial apresenta. Um deles é o risco de se tornar uma ameaça para a humanidade. Isso pode acontecer de várias maneiras, mas a mais temida é a possibilidade de que elas se tornem tão inteligentes que fiquem incontroláveis.

Outra preocupação é que as máquinas possam ser programadas para fazer o mal. Imagine um mundo onde as máquinas são programadas para causar danos terríveis aos seres humanos. Isso poderia acontecer de muitas maneiras, como robôs militares autônomos que atacam civis ou carros autônomos que são programados para causar acidentes.

Aos humanos cabe agora buscar rapidamente, se ainda houver tempo, o controle e a capacidade de direcionar o uso dessas tecnologias para o bem comum.

As inteligências artificiais são ferramentas poderosas que podem ser usadas para melhorar significativamente a nossa vida em áreas como saúde, educação, transporte e comunicação. No entanto, elas também apresentam desafios significativos, como a possibilidade de substituir trabalhadores humanos e a falta de transparência em suas decisões. Portanto, a luta dos seres humanos diante das inteligências artificiais será garantir que essas tecnologias sejam utilizadas de forma ética e responsável, e que as suas implicações sejam amplamente consideradas antes de serem implementadas. Será uma luta pelo controle e direcionamento da tecnologia para objetivos que beneficiem a humanidade como um todo em vez de apenas alguns interesses individuais, corporativos, geopolíticos e militares.

Finalmente, há o risco de que as máquinas avancem tanto que os seres humanos se tornem irrelevantes. Se as máquinas puderem fazer tudo o que os seres humanos podem fazer, e fazê-lo melhor e mais rápido, então não haverá mais necessidade de seres humanos.

A humanidade perderá a relevância diante das inteligências artificiais?

Não há uma resposta fácil para essa pergunta, pois a relação entre a humanidade e a inteligência artificial pode assumir diferentes formas no futuro. No entanto, é importante notar que a inteligência artificial é uma ferramenta criada pela humanidade e, portanto, a sua relevância só pode ser avaliada em relação às metas e objetivos humanos. Esse deve ser o parâmetro.

Por exemplo, as inteligências artificiais podem ser desenvolvidas para ajudar a resolver problemas complexos, automatizar tarefas repetitivas e melhorar a eficiência em diversas áreas, desde a medicina até a indústria. Nesse caso, elas seriam usadas como ferramentas pelas pessoas e, portanto, não ameaçariam a relevância humana. Por outro lado, se fossem desenvolvidas com uma inteligência geral que superasse completamente a dos seres humanos, a relevância humana seria, sim, desafiada, mas, ainda assim, os seres humanos continuariam sendo responsáveis por definir as metas e objetivos que guiariam o desenvolvimento dessas inteligências.

Em resumo, a relevância humana dependerá da relação que a humanidade estabelecer com a inteligência artificial no futuro e das metas que guiam o seu desenvolvimento.

Mas, cá entre nós, se for para a inteligência artificial se rebelar, que seja para desempregar comediantes ruins. Aliás, você sabe por que a inteligência artificial, de tão incrível que é, pode até dançar? Porque ela é boa de algoritmo.

Jeferson de Souza é jornalista, professor de Neurocomunicação da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e coordenador adjunto do MBA Neuroestratégia e o Pensamento Transversal e do Seminário de Neurociências Aplicadas, na ESIC Internacional

Conteúdo publicado originalmente na Revista D’Ponta #295