Segunda-feira, 29 de Abril de 2024

D’P Artigo: “Jesus e seu impacto através dos séculos”, por Leonardo Tobias de Freitas

2023-12-25 às 14:51
Foto: Reprodução

O nascimento de Jesus de Nazaré, há mais de dois milênios, foi um evento que estabeleceu um novo eixo na história da humanidade. Antes de sua chegada, o mundo antigo estava imerso em práticas e sistemas que, muitas vezes, refletiam a estrutura de poder mais do que a essência da ética e da justiça. A sociedade era marcada pela estratificação, pelo legalismo e por uma religiosidade que, não raro, distanciava-se da vida cotidiana das pessoas.

Nos dias que precederam o nascimento de Jesus, a lei romana dominava grande parte do mundo conhecido. Com eficiência e rigidez, Roma conseguiu impor uma uniformidade que era, contudo, frequentemente sinônimo de opressão. Dentro desse regime, o povo judeu mantinha as suas tradições e a sua lei, buscando preservar a sua identidade em meio à dominação estrangeira, nem sempre da melhor maneira. Isso porque a lei mosaica, dada por Deus para orientar o povo em seus caminhos, havia se transformado em um conjunto de regras tão pesadas que poucos conseguiam seguir, o que acabava por criar um fosso entre a religião e a vida prática.

“O impacto do ministério de Jesus transcendeu as fronteiras religiosas e culturais, alcançando as fundações do direito, da política e da ética social”

 

Foi nesse cenário que Jesus iniciou o seu ministério. As suas mensagens desafiavam o status quo, propondo uma nova maneira de entender a vida, o mundo e a própria existência. Ele pregava o amor e a misericórdia em um mundo acostumado à retribuição (popularmente conhecida como “olho por olho”). Propunha o perdão onde a vingança era, muitas vezes, a norma. Ensinava sobre um reino que não era deste mundo, mas que deveria ser vivido no aqui e agora por meio de atitudes e escolhas alinhadas com valores eternos.

Os seus ensinos sublinhavam a importância da intenção e da motivação por trás das ações. Enquanto muitos líderes religiosos da época focavam na observância externa dos preceitos da lei, Jesus apontava para o coração como a verdadeira fonte da conduta. Em uma sociedade que valorizava os sacrifícios e a pureza cerimonial, ele enfatizava que o que Deus realmente desejava era “misericórdia, e não sacrifício” — uma vida que refletisse amor genuíno e compaixão pelo próximo.

A prática de Jesus de comer com cobradores de impostos e pecadores, de falar com mulheres e de tocar os “impuros”, não apenas desafiou as convenções sociais, mas demonstrou na prática os seus ensinamentos sobre inclusão e amor incondicional. Essas ações evidenciavam uma compreensão de santidade que não se baseava na separação, mas no engajamento misericordioso com o mundo. Ele realçava a ideia de que as leis de Deus eram destinadas a promover vida plena, e não a opressão.

O legado de Jesus não se limitou aos anos de seu ministério terreno. Após a sua morte e ressurreição, os seus discípulos levaram as suas mensagens por todo o Império Romano e além. As comunidades que se formaram em torno dos ensinamentos de Jesus eram notáveis por sua prática de compartilhar recursos, cuidar dos pobres e incluir pessoas de todas as origens e estratos sociais.

“A prática de Jesus de comer com cobradores de impostos e pecadores, de falar com mulheres e de tocar os ‘impuros’, demonstrou na prática os seus ensinamentos sobre inclusão e amor incondicional”

 

Os efeitos da vida e dos ensinamentos de Jesus foram sentidos não só na esfera individual, mas também na coletiva. O seu impacto transcendeu as fronteiras religiosas e culturais, alcançando as fundações do direito, da política e da ética social. A noção de direitos humanos universais, por exemplo, tem as suas raízes no princípio cristão da igualdade fundamental de todas as pessoas perante Deus.

A influência de Jesus foi sentida também nas artes, na literatura e na forma como a sociedade passou a entender a compaixão e a caridade. Instituições como hospitais, que em muitas sociedades antigas eram inexistentes, começaram a surgir, motivadas pela ética cristã de cuidado para com o enfermo. O tratamento dado aos mais vulneráveis — órfãos, viúvas, pobres, estrangeiros — começou a ser visto como um reflexo da própria saúde moral de uma comunidade.

A adoção da contagem do tempo baseada em seu nascimento — o calendário “Anno Domini” — é um testemunho da transformação que a sua vida provocou. Esse sistema de datação, estabelecido por Dionysius Exiguus no século VI, não foi apenas uma convenção temporal, mas um marcador do reconhecimento ocidental da importância de Jesus, não apenas como figura religiosa, mas como ponto central da própria história humana.

Na era moderna, os ideais de igualdade e justiça que encontram eco nos ensinamentos de Jesus continuam a ser a pedra angular de muitas lutas sociais e movimentos pelos direitos humanos. Líderes como Martin Luther King Jr. e Madre Teresa, embora separados por contexto, método e teologia, compartilhavam uma inspiração comum em seu trabalho: o exemplo de Jesus como um defensor dos oprimidos e como alguém que praticava a compaixão não apenas em palavras, mas em ações concretas.

“Os ensinos de Jesus sublinhavam a importância da intenção e da motivação por trás das ações, apontando para o coração como a verdadeira fonte da conduta humana”

 

Até mesmo em sociedades que se consideram seculares ou laicas, os resquícios dos ensinamentos de Jesus podem ser vistos na ênfase na dignidade inerente de cada pessoa e na crença de que é dever de todos cuidar dos menos afortunados. Os princípios de caridade e serviço ao próximo, tão centrais ao seu ministério, formaram a base para muitas das convenções modernas sobre os direitos e responsabilidades sociais.

No campo da ética, a influência de Jesus persiste na discussão contemporânea sobre o que significa viver uma vida boa e significativa. A questão “O que Jesus faria?” continua a ser relevante, servindo como um compasso moral para indivíduos que buscam orientação em um mundo cada vez mais complexo e interconectado.

Diante de tudo isso, a figura de Jesus permanece uma fonte de inspiração e desafio. O seu convite para amar o próximo como a si mesmo continua a ressoar como um chamado à ação. Enquanto a humanidade luta com questões de justiça social, desigualdade e violência, os ensinamentos de Jesus oferecem um caminho para a reconciliação e a paz, tão necessárias hoje quanto há dois milênios.

Ao refletir sobre o impacto do nascimento e ministério de Jesus, somos convidados a olhar para além das construções doutrinárias e ver a maneira como as suas mensagens tocam as bases mais profundas da existência humana. Seja no altruísmo, no serviço abnegado ou na busca por justiça, o legado de Jesus se estende através do tempo, convidando cada geração a redescobrir o poder transformador do amor verdadeiro.

Leonardo Tobias de Freitas é pastor presbiteriano, bacharel em teologia pelo Seminário Presbiteriano do Sul, bacharel em direito pela Universidade Norte do Paraná e mestre em teologia pelo Centro de Pós-Graduação Andrew Jumper. É casado com Clarice e pai do Timóteo e do Judá.

Conteúdo publicado originalmente na Revista D’Ponta #299