Quarta-feira, 02 de Outubro de 2024

D’P Cultura: Bovoá – Empoderamento sonoro

2024-05-14 às 13:49
Foto: Divulgação

Inspiradas pela filósofa feminista Simone de Beauvoir, cinco amigas ponta-grossenses unem as suas vozes e instrumentos na banda Bovoá para transmitir uma mensagem de liberdade – sem deixar a curtição de lado

por Edilson Kernicki

Ao detalhar a opressão das mulheres e elaborar um tratado fundamental do feminismo em “O Segundo Sexo” (1949), a escritora francesa Simone de Beauvoir se consagrou como uma das maiores intelectuais do século XX. Ao transliterar o sobrenome da filósofa francesa e tomar de empréstimo a escrita dessa pronúncia, cinco mulheres ponta-grossenses formaram a banda Bovoá.

Surgida em 2019 e com Vivian Bueno no vocal, Amanda Bueno na guitarra e vocal, Andria Jéssica no baixo e vocal e Karine e Milena Galbardi na bateria e teclado, respectivamente, a banda tem um repertório centrado no pop e no rock, caracterizado por releituras de músicas compostas por mulheres ou que tenham sido eternizadas por intérpretes femininas. Elis Regina, Lady Gaga, Alcione, Beyoncé, Joan Jett, Adele, Amy Winehouse, Gal Costa, Billie Eilish, Janis Joplin, Beyoncé, Edith Piaf e Rita Lee estão entre as suas principais influências, seja pelo estilo, pelo discurso ou pelo instrumento que tocam.

Outras bandas exclusivamente formadas por mulheres com quem a Bovoá troca ideais são A Vera, de Ponta Grossa, e a Rock Bugs, de Curitiba. “Há muito tempo se faz necessária a representatividade feminina na música, ocupando espaços que foram majoritariamente ocupados por homens, colocando a mulher no papel social que ela quer e não o recomendado a ela pela sociedade”, observa Andria. “Tocar numa banda composta por mulheres vai além de trabalhar, produzir e se apresentar, mas também criar espaço e estimular mais mulheres a escolherem estar neste meio musical de forma ativa”, acrescenta.

Nome de peso

A pensadora que inspirou o nome da banda representa uma diversidade de ideias e significados para cada integrante da banda. “Para mim, pessoalmente, é um lembrete de que não preciso convencer ninguém para ser livre. Que apenas sou livre, independente das amarras que a misoginia e o patriarcado infringiram em meu corpo e mente, e independente do que pensam as pessoas”, aponta Vivian.

Milena lembra que Beauvoir lutou contra padrões impostos pela sociedade sobre as mulheres e que ela era contra a mulher ser colocada em um papel perante a sociedade sem poder de escolha. “Acredito que essa luta nunca acabou. Ela continua até hoje, pois ainda enfrentamos situações que precisam ser revistas e mudadas para enfim termos os nossos sentimentos e direitos respeitados”, observa.
Andria traz a compreensão dos ideais feministas e do combate aos sistemas de opressão de Beauvoir ao contexto musical. “O sistema de opressão ocorre até quando isso influencia na escolha de qual instrumento uma mulher deve ou não tocar; quando dizem quais espaços são adequados para uma mulher se apresentar; quando somos estereotipadas ou sexualizadas por sermos musicistas; quando questionam a nossa sexualidade por tocarmos um instrumento visto socialmente como um instrumento para homens, entre outras situações”, explica.

Amanda, que também é psicóloga, afirma que aprecia tudo aquilo que lhe remete ao Existencialismo, que Beauvoir e Jean-Paul Sartre cultivavam em comum. “Compreendo que ela foi muito importante para o estudo da mulher na sociedade e toda a estrutura em que vivemos, surgindo daí as questões do feminismo”, comenta.

Feedback e visibilidade

“Particularmente, não faz diferença se estou tocando com um homem ou mulher, é sobre estar no palco fazendo o que eu amo”, pontua Karine. “Percebo que existe algum impacto nas pessoas quando veem uma banda de mulheres. A recepção normalmente é ótima, mas acredito que seja porque somos boas, não porque somos mulheres”, opina Vivian.

Andria relata já ter passado por situações desagradáveis, mas diz que a experiência de tocar numa banda feminina as supera. “Sempre é gratificante receber a admiração do público e ver mulheres se sentindo representadas, cantando e dançando com a gente. E é muito mais legal quando a valorização se refere à nossa prática musical, pela dedicação que temos em relação ao nosso trabalho, e não só por sermos uma banda feminina”, menciona.

Já Amanda confessa ainda ter certa dificuldade em se ver exposta no palco, por ser um pouco introvertida, apesar de gostar da experiência. “Ali nós conseguimos compartilhar a alegria de fazer um som juntas e ver o povo animado, cantando e gostando do que vê”, afirma. “Até onde eu posso observar, as pessoas sempre ficam muito surpresas com uma banda só de mulher. Acredito que isso facilita o acesso”, acrescenta.

Para Milena, o fato de a Bovoá ser uma banda exclusivamente de mulheres nem atrapalha nem ajuda. “De certa forma, desperta uma curiosidade nas pessoas, que faz com que elas queiram nos conhecer. Cada show é único, a troca que temos com o público é maravilhosa e isso nos motiva a querer entregar sempre mais”, avalia.

“Atrapalharia por quê?”, questiona Vivian. “Independente do nosso gênero, somos competentes e profissionais, o que já abre portas para nós. Sermos todas mulheres é um detalhe que só soma. O meu sonho é que isso não seja extraordinário. Espero que mais mulheres criem projetos e toquem instrumentos. Mulheres fodas existem aos montes em Ponta Grossa”, finaliza.

Para acompanhar as atividades da Bovoá, siga a banda no Instagram (@bovoa_banda) e no Facebook (/bandabovoa).

Conteúdo publicado originalmente na Revista D’Ponta #300