Quarta-feira, 11 de Dezembro de 2024

D’P Cultura: Fenata – O festival de todos os brasis

2024-12-10 às 09:47
Com plateia lotada, a abertura do 52º Fenata ficou por conta da comédia “A Iluminada”, apresentada pela atriz Heloísa Périssé. Foto: Aline Jasper

Cinco regiões brasileiras foram representadas no 52º Festival Nacional de Teatro, realizado em Ponta Grossa entre 7 e 13 de novembro. Com a proposta central de valorizar a diversidade cultural do país, o festival recebeu grupos de oito estados e disponibilizou mais de 100 espetáculos

No ano em que o Festival Nacional de Teatro (Fenata) da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) completa 52 edições, mais de 18 mil pessoas puderam acompanhar de perto as atrações do festival ininterrupto mais longevo do Brasil e um dos mais importantes da América Latina. Das 111 sessões de espetáculos, 104 foram gratuitas. O número de apresentações em institutos e escolas públicas passou de 80.

De 7 a 13 de novembro, circularam por Ponta Grossa mais de 300 artistas, técnicos e produtores oriundos de todas as regiões do país. Este é o Fenata, que movimenta a economia, os hotéis, os bares, os restaurantes e a cena cultural dos Campos Gerais.

Para o reitor da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), professor Miguel Sanches Neto, a abrangência do festival deve ser destacada. “Contemplamos toda a diversidade do nosso país, mas também seguimos adiante com novas ideias para chegar a mais e mais pessoas, com foco na formação de novos públicos, na popularização e na democratização do acesso à cultura”, declara.

A pluralidade da programação de 2024 foi destaque na fala do vice-reitor Ivo Mottin Demiate. “A cada ano, o Fenata tem uma nova roupagem, como se ele mesmo fosse um personagem que circula pelos cenários da cidade, encenando dramas e comédias que nos impactam, emocionam e fazem rir”, avalia.

Estreia com plateia lotada

A temporada de 2024 iniciou, oficialmente, com o espetáculo “A Iluminada”, um solo de Heloísa Périssé, no Cine-Teatro Ópera. A professora Beatriz Nadal, pró-reitora de Extensão e Assuntos culturais, afirma que “prestigiar o Fenata é mais do que assistir ao teatro; é fazer parte de uma tradição cultural que transforma a comunidade e incentiva o crescimento das artes no Brasil.”

Para a plateia lotada, foi uma oportunidade de prestigiar uma grande atriz. Renan Sota é apreciador do Fenata, sobretudo da Mostra de Rua, desde 2012. Em sua relação com o Fenata, ele afirma que o festival proporcionou “o melhor espetáculo da sua vida, depois de assistir a muitas peças.”

O presidente da Fundação de Apoio ao Desenvolvimento Institucional, Científico e Tecnológico da UEPG (Fauepg), Sinvaldo Baglie, afirma que a proporção que o Fenata tomou em 2024 garantiu o sucesso desta edição, marcada pelo recorde de grupos participantes e a presença de artistas renomados. “Esta abertura é uma noite de gala, para celebrar um festival que acontece de forma ininterrupta. E a Fauepg tem o privilégio de fazer parte de um evento tão importante, não apenas para a UEPG, mas para a cidade”, ressalta.

Uma das empresas patrocinadoras da edição 52 do Fenata que torna o evento possível é a Itaipu Binacional. Na noite de abertura, Oelinton Edvan dos Santos, assessor especial da diretoria administrativa da Itaipu, representou todos os patrocinadores que não puderam estar presentes. Em seu discurso, Oelinton reforçou o orgulho de fomentar um acontecimento desse porte. “Com grande orgulho, represento a Itaipu Binacional neste grande festival dedicado ao teatro, essa forma de arte tão rica e transformadora. Acreditamos que, da mesma maneira que conectamos países com a energia, a arte pode conectar as pessoas e acolher as diferenças”, celebrou.

Mostra Especial e Teatro de Boteco

A primeira edição da Mostra Teatro de Boteco movimentou sete bares e restaurantes parceiros do Fenata que ofereceram em seu cardápio, durante a semana, pratos especiais criados para o festival. Cada um deles recebeu o espetáculo “Rádio Comida” e também os espectadores e público que acompanhou a programação.

Pela primeira vez, o Museu Campos Gerais foi palco de uma peça do festival, “Propheta João Maria de Jezus”, que também marcou a estreia da Mostra de Teatro Experimental. Foto: William Clarindo

Os pratos especiais foram julgados por uma comissão que elegeu o melhor deles. Durante o encerramento, foram entregues certificados aos representantes de cada estabelecimento parceiro do Fenata, com uma menção especial ao prato vencedor: o bolinho de rabada do Phono Pub.

Além de circular pelos estabelecimentos parceiros, o grupo Rádio Comida passou por escolas, institutos, praças, parques e penitenciárias, integrando, inclusive, a programação da Mostra Especial, que contemplou mais de 10 mil pessoas.

Para Fernando Kudder, representante do grupo e diretor da peça, estar em Ponta Grossa é ter a oportunidade de fazer o espetáculo ganhar ainda mais corpo. “Nunca sabemos qual será a reação do público, estar aqui é um verdadeiro exercício de reformulação e renovação para nós, que já estamos fazendo esse trabalho há mais de 20 anos”, comenta. “Estamos verdadeiramente apaixonados por Ponta Grossa e pelo Fenata.”

Fernando recorda com carinho a apresentação que a Rádio Comida realizou em uma penitenciária, durante a Mostra Especial. “Foi sensacional, um choque de humanidade causado pelo teatro. Para nós, é um privilégio imenso fazer esse projeto dentro da penitenciária, é renovador. Eu sinto que o meu dever como artista não é só ligado à arte e à cultura, mas também é um dever cívico. Eu me sinto cidadão fazendo esse projeto”, afirma.

O público infantil também experimentou a magia do teatro, graças a apresentações como “Alberto, o Menino que queria voar”, da Cia Karagozwk, de Curitiba. Foto: Aline Jasper

O diretor da peça também se disse impressionado com o nível cultural das crianças de Ponta Grossa, depois de levar a peça a escolas tanto da rede particular quanto da rede pública. “Nós ouvimos pedidos que me chocaram pelo refinamento, as crianças pedindo MPB de alto nível, como Chico Buarque, Marisa Monte… Estivemos aqui há sete, oito anos, e teve uma transformação diferente. Vão se criando novos públicos. Nós fomos extremamente respeitados e queridos. Cada momento é uma surpresa”, finaliza.

Bosque do Fenata

Na manhã de estreia de seu espetáculo, a atriz Heloísa Périssé esteve no campus Uvaranas para uma missão especial: plantar a primeira árvore do Bosque do Fenata, localizado ao lado do Espaço Ciência Lúdica. O professor Nelson Silva Júnior, diretor de Assuntos Culturais da Pró-reitoria de Extensão (Proex), declara que essa é uma iniciativa que visa deixar um legado do festival em Ponta Grossa. “Se desde o primeiro Fenata nós tivéssemos plantado árvores, talvez tivéssemos uma cidade mais arborizada”, afirma.

A ideia surgiu, segundo o professor, a partir de um questionamento: além de promover debates e trazer o tema da sustentabilidade para as escolas, o que mais o Fenata pode fazer? “Como nós moramos em uma cidade que não tem tantas árvores assim, ou pelo menos não o número ideal, essa ideia surgiu para que as pessoas pudessem deixar uma marca da sua passagem pelo festival em Ponta Grossa e isso pudesse ajudar nas questões ambientais da própria cidade”, observa.

O espetáculo “Pequenas Porções de Tempo”, apresentado pelo grupo Movimento 161, de Curitiba, levou uma dose de fantasia e reflexão ao Lago de Olarias. Foto: Aline Jasper

Cada grupo que passou pela edição de número 52 do Fenata teve uma árvore plantada em seu nome. Aos poucos, o bosque toma forma também em homenagem aos grandes atores que já passaram por aqui em edições anteriores, como Grande Otelo, Bibi Ferreira, Paulo Autran, Rosamaria Murtinho e tantos outros.

Para Nelson, uma ação como essa é uma maneira de manter viva a história e a memória do Fenata. “O Fenata é um festival que hoje é salvaguardado, é um patrimônio imaterial. E esse patrimônio dá frutos de outros patrimônios. E nós queremos ter um patrimônio ambiental que é esse bosque, essas árvores, que não estarão concentradas somente em um lugar, mas em vários espaços de Ponta Grossa”, completa.

Acessibilidade

A busca por novos públicos para o Fenata também passa pela ação de garantir acesso à cultura para pessoas com deficiência. Durante todas as noites, nas peças da Mostra Adulto, os tradutores de língua brasileira de sinais (libras) marcaram presença ao lado dos atores em cena. A tradução simultânea para a libras é realizada em diversas edições do Fenata.

A principal novidade para a 52ª edição do festival é a acessibilidade para deficientes visuais, por meio do trabalho de audiodescrição simultâneo, realizado pela primeira vez na noite de segunda-feira (11), para a peça “A Força da Água”, do grupo Pavilhão de Magnólia.
Durante a peça, o profissional de audiodescrição João de Oliveira possibilitou que um grupo de pessoas cegas acompanhasse a peça, com a utilização de microfone e fones de ouvido. A ação foi promovida em parceria entre a produção do Fenata e a Associação de Pais e Amigos do Deficiente Visual (Apadevi), com o objetivo de garantir acesso ao teatro para os atendidos pela instituição.

Em sua primeira experiência descrevendo um evento cultural, João descreve a ocasião como muito satisfatória, por permitir que as pessoas com deficiência visual compreendessem o espetáculo e se integrassem ao restante do público do teatro “Apesar dos desafios que o trabalho impõe, o resultado vale à pena, porque foi possível ver o impacto e o valor social desta missão”, comenta.

A apresentação da peça “A força da água”, do grupo Pavilhão de Magnólia, de Fortaleza (CE), proporcionou acessibilidade para deficientes visuais. Foto: William Clarindo

O Fenata das brasilidades

As cinco regiões brasileiras foram representadas no 52º Fenata, como proposta central desta edição, que focou em buscar representatividade das diversidades culturais do país. O 52º Fenata recebeu grupos de oito estados do país ao longo da semana.
A companhia Jurubebas, de Manaus, regressa ao Fenata para sua segunda participação, dois anos após seu primeiro contato com o evento. “Desde que voltamos a Manaus, estabelecemos como meta retornar para o Fenata”, destaca o diretor da companhia, Felipe Jatobá, que também dirige a peça apresentada pelo grupo, intitulada “Desassossego”. O Fenata representa um marco para a companhia e o reencontro traz ao grupo a sensação de felicidade, “em poder novamente olhar nos olhos de todos que acolheram nosso trabalho”, celebra.
“Desassossego” aborda a crise de oxigênio que atingiu os hospitais do Amazonas durante a pandemia de COVID-19, sob a perspectiva da rotina de pessoas confinadas em uma casa. “Nosso trabalho é levar a história e a realidade da Amazônia, e o Fenata é um aliado importante por dar visibilidade para a diversidade”, aponta.

A companhia Jurubebas, de Manaus (AM), que apresentou a peça “Desassossego”, ilustra a representatividade nacional buscada pelo festival. Foto: Larissa Godoy

Encerramento e homenagens

Na noite de encerramento do Festival, o Cine-Teatro Ópera homenageou três pessoas pela participação junto ao Fenata. Eduardo Gusmão, Alfredo Mourão e Cirillo Barbisan foram lembrados por suas trajetórias e pela importância que eles têm junto ao Festival.
Durante as décadas de 1970 e 1980, Eduardo, Alfredo e Cirillo acompanharam o Fenata de perto. “Eduardo Gusmão é jornalista e acompanhou todos os grupos que vinham a Ponta Grossa, fazia entrevistas, registrava o material”, conta o professor Nelson. “E Alfredo e Cirillo são muito ligados à área da cultura e participaram do início do Fenata com apresentações, organização, recebendo as pessoas, e são nomes muito presentes nos festivais entre os anos 1970 e 1980. Eles merecem todo o destaque nesta edição”, enfatiza.

A peça “Meretrizes”, apresentada pelo Coletivo Gompa, de Porto Alegre (RS), colocou em cena histórias reais sobre a vida das profissionais do sexo. Foto: Jéssica Natal

E o último espetáculo do palco A do Ópera foi uma montagem de grande porte: “Macbeth”, uma das tragédias mais sangrentas de William Shakespeare. Encabeçada pelo Grupo de Teatro de Ponta Grossa (GTPG), acompanhado por outros três grandes coletivos – Coro Cidade, Coro em Cores e Orquestra Sinfônica de Ponta Grossa – a peça deixou os espectadores boquiabertos pela grandiosidade da montagem.
Eziquiel Ramos, diretor artístico do GTPG, conta que a ideia de montar o espetáculo que contemplasse quatro grandes coletivos de Ponta Grossa partiu de quando, há dez anos, frequentava o coro municipal que se preparava para apresentar a ópera “Macbeth”, de Giuseppe Verdi. “Infelizmente, por questões de produção, a obra não se concretizou. Com o passar do tempo, continuei a estudar e a desenvolver minhas habilidades técnicas teatrais, o que me proporcionou uma base sólida para minha evolução na área”, detalha.

Dentro da Mostra Teatro de Boneco, o grupo Rádio Comida, de Piracicaba (SP), se apresentou em escolas, institutos, praças, parques e penitenciárias. Foto: Aline Jasper

Ao longo de sua trajetória, o diretor esteve na condução de elencos de 300 até 800 pessoas. Quando surgiu a oportunidade de assumir a direção do GTPG, Eziquiel revisitou o sonho que havia ficado na estante. “Acredito firmemente na importância de estudar dramaturgos e encenadores clássicos na formação dos atores, pois essas obras trazem exigências técnicas que são fundamentais para o desenvolvimento artístico”, enfatiza.

Realização

O 52º Fenata é realizado pela UEPG, pela FAUEPG e pelo Ministério da Cultura, por meio da Lei Federal de Incentivo à Cultura, com patrocínio da Sanepar, GMAD, Itaipu Binacional e Belgotex do Brasil. Apoiam o evento a Prefeitura de Ponta Grossa, por meio das secretarias municipais de Turismo e de Cultura, Conselho Municipal de Turismo de Ponta Grossa e Sesc Paraná. A promoção é da RPC e a produção é da Estratégia Projetos Criativos.

Conteúdo publicado originalmente na Revista D’Ponta #304