Sábado, 07 de Setembro de 2024

D’P Entrevista: Gilberto Romero – Foi dada a largada para as eleições 2024

2024-06-30 às 17:00

O juiz de direito Gilberto Romero Perioto, que está à frente do Fórum Eleitoral este ano, traça um panorama das próximas eleições municipais e aborda temas como os desafios do processo eleitoral, a segurança das urnas eletrônicas, os principais crimes eleitorais e o uso de Inteligência Artificial para descredibilizar adversários políticos

por Michelle de Geus

No dia 6 de outubro deste ano, mais de 250 mil ponta-grossenses devem comparecer às urnas para eleger o novo prefeito e os vereadores da cidade. O Fórum Eleitoral de Ponta Grossa já começou os preparativos para as eleições municipais, e, neste ano, o processo será coordenado pelo juiz de direito Gilberto Romero Perioto, da 2º Vara Criminal do município. Nesta entrevista exclusiva para a revista D’Ponta, Perioto fala sobre os desafios do processo eleitoral, o combate aos principais crimes eleitorais, o aumento do número de abstenções, o impacto dos questionamentos sobre a segurança das urnas eletrônicas e o uso de ferramentas de Inteligência Artificial para descredibilizar adversários políticos. De acordo com o juiz, a Justiça Eleitoral está pronta para atuar em todas essas áreas. “Nós temos funcionários, técnicos, analistas experientes e treinados para dar suporte às eleições municipais e garantir que o processo eleitoral seja o mais rápido, transparente e correto possível”, afirma. “Quanto mais pessoas participarem do processo eleitoral, mais fortalecida fica a democracia. Além disso, a pessoa que ganha a eleição também vai ter mais força para representar a população”, acrescenta. Confira a seguir a conversa com o juiz.

Como o senhor descreveria o papel de um juiz eleitoral e quais são as suas principais responsabilidades dentro do processo eleitoral em Ponta Grossa?

O juiz eleitoral tem a função de administrar todo o processo eleitoral e de garantir que a eleição seja transparente e democrática. Então, o juiz eleitoral está à frente do processo eleitoral e tem como responsabilidade – dentro da estrutura que ele tem, da competência que ele tem e no local dele – de garantir que a eleição ocorra de maneira transparente.

Quais são os maiores desafios enfrentados pela justiça eleitoral nesse trabalho?

O primeiro desafio é a questão técnica. Apesar de o processo eleitoral ser praticamente todo digital, ele exige vários cuidados bem específicos. Acontecem várias etapas até chegar ao dia da eleição, e tudo isso tem de ser feito de maneira muito transparente. Outro desafio é a parte judicial. Caso aconteça algum conflito, algum crime eleitoral ou alguma representação por propaganda irregular, nós somos chamados para resolver essas questões.

Como está a preparação para as eleições municipais em Ponta Grossa?

Por enquanto, nós ainda estamos naquela fase embrionária. O pessoal ainda está se mobilizando com as filiações partidárias. Entre o final de julho e o começo de agosto, acontecem as convenções partidárias e, aí sim, o processo eleitoral começa a ganhar corpo. Neste primeiro momento, o que nós temos que tomar cuidado é caso algum candidato faça propaganda fora de época. Ele pode, por exemplo, dizer que quer ser candidato e enaltecer as qualidades pessoais dele, mas não pode pedir voto.

Quais são as expectativas para a votação deste ano?

O processo eleitoral ficou muito arranhado na última eleição nacional, quando a credibilidade e a lisura do sistema foram questionadas. O nosso objetivo é dar o mecanismo para que realmente o candidato com as melhores propostas vença a eleição, então nós vamos atuar de maneira bem incisiva para evitar o abuso econômico e a compra de votos. Em Ponta Grossa, eu acho que teremos uma eleição bastante disputada. Pelo que temos percebido, a atual prefeita vai tentar a reeleição, e estão se formando grupos opositores. Quando isso acontece, o debate fica mais acirrado, e nós achamos que terá bastante trabalho nesse aspecto.

“Vamos atuar de maneira bem incisiva para evitar o abuso econômico e a compra de votos nas eleições municipais deste ano”

O senhor comentou que existe uma parte técnica muito importante que acontece antes das eleições. Como é esse processo?

Depois que são definidos todos os candidatos, é realizada uma solenidade para a gravação da mídia com esses dados. A mídia, na verdade, é o arquivo da instituição eleitoral que vai ser colocado dentro da urna e possibilitar o eleitor escolher o seu candidato. Depois as urnas são lacradas e, na véspera da eleição, enviadas para os colégios eleitorais. A gravação das mídias e a lacração das urnas são públicas e qualquer pessoa pode acompanhar. Isso é muito importante para dar transparência e credibilidade ao processo eleitoral, até porque houve uma tentativa recente de questionar a lisura das urnas eletrônicas.

Que medidas o Fórum Eleitoral de Ponta Grossa toma para garantir a segurança das urnas e de todo o processo eleitoral?

É importante dizer: o sistema é seguro, eficaz e transparente. A urna não tem acesso à internet ou a qualquer outro tipo de rede, de modo que é praticamente impossível invadir o sistema. As urnas são periciadas anualmente e são feitos testes para demonstrar que não tem nenhum sistema corrompido. O próprio código-fonte das urnas é aberto e qualquer pessoa tem acesso pelo site do TSE [Tribunal Superior Eleitoral]. Além disso, no dia da eleição, nós fazemos uma votação paralela para comprovar que aquilo que o eleitor está digitando na urna é realmente o candidato que ele quer escolher.

“As urnas são periciadas anualmente e são feitos testes para demonstrar que não tem nenhum sistema corrompido”

Quais são os crimes eleitorais mais comuns aqui em Ponta Grossa?

A boca de urna, a falsidade ideológica, a omissão de forma deliberada dos gastos de campanha e a propaganda antecipada estão entre os crimes eleitorais mais comuns. O Fórum atua também para coibir as condutas vedadas que, embora não sejam crime, estão sujeitas a sanções, multa e até cassação do registro da candidatura. Seria o caso, por exemplo, de um candidato que está disputando a reeleição utilizando espaço público da Prefeitura para fazer campanha.

Na última eleição para a Prefeitura, a cidade registrou 24% de abstenções nas urnas (quase 60 mil votos). A que o senhor atribui esse alto número de abstenções?

No Brasil inteiro, o interesse das pessoas em votar diminui a cada ano. As pessoas estão desmotivadas com a política do país e com os próprios candidatos. Elas acabam ficando um pouco frustradas e acham que o voto não tem importância, que não adianta nada, que é perda de tempo. Na verdade, é justamente o contrário. A única maneira que ela tem de realmente mudar alguma coisa é votando.

O senhor acredita que as eleições deste ano devem registrar um número semelhante de abstenções?

Nas eleições municipais, o pessoal comparece mais às urnas do que nas eleições estaduais e nacionais. O processo eleitoral acontece um pouco mais próximo das pessoas e elas se sentem mais motivadas a votar. Nós ainda não temos uma estimativa, mas, pelo histórico, o número de abstenções deve ficar entre 10% e 15%.

Em época de eleições, o tema do voto obrigatório sempre volta à tona. Na opinião do senhor, o voto facultativo seria benéfico para as eleições no Brasil?

Eu acredito que o voto facultativo é o modelo ideal, mas não sei se estamos prontos para isso. As pessoas precisam enxergar o voto como instrumento de mudança e não como obrigação. Quem vota por obrigação não se preocupa muito em escolher o melhor candidato, e o mau voto é ainda pior do que não votar. Por outro lado, com o voto facultativo as pessoas poderiam ser manipuladas para votarem em troca de algum benefício, e aí o processo eleitoral não fica muito justo.

“As pessoas precisam enxergar o voto como instrumento de mudança e não como obrigação. Quem vota por obrigação não se preocupa em escolher o melhor candidato”

O senhor acredita que é possível recuperar a confiança da população no processo eleitoral?

Nós não podemos perder a esperança. No começo do século passado, somente 4,5% da população tinha o direito de votar. Ou seja: apenas homens com patrimônio decidiam pelo restante da população. Nós precisamos aprimorar o processo eleitoral e melhorar as nossas escolhas para incentivar mais pessoas a participarem. Quanto mais pessoas participando do processo eleitoral, maior a representatividade e mais fortalecida fica a democracia.

Existem áreas específicas do processo eleitoral que o senhor acredita que precisam de maior atenção?

Uma coisa que nos preocupa muito é a questão da Inteligência Artificial. O pessoal tem usado ferramentas de manipulação de voz e imagem para retirar falas de contexto e criar narrativas que não são verdadeiras. É muito difícil, para a pessoa que recebe esse tipo de vídeo, detectar que ele é falso, e o estrago que ele faz é muito rápido. Se isso não for coibido, pode atrapalhar as eleições e tornar a disputa desigual.

“Uma coisa que nos preocupa muito é a Inteligência Artificial. O pessoal tem usado ferramentas de manipulação de voz e imagem para retirar falas de contexto e criar narrativas falsas”

Como o senhor enxerga o futuro do processo eleitoral?

Daqui para a frente, as eleições serão cada vez mais digitais, com muito marketing e estratégia. Aquela campanha corpo a corpo que estamos acostumados a ver será cada vez mais rara. Agora existem ferramentas diferentes para conquistar o voto do eleitor, e isso será um desafio para nós nas próximas eleições.