Quarta-feira, 02 de Outubro de 2024

Enfoque D’P: Não-monogamia – Novas formas de amar

2024-05-12 às 16:36

Relações não-monogâmicas, que incluem modelos como o poliamor e o relacionamento aberto, começam a ganhar adeptos em Ponta Grossa. Conheça quatro pessoas que escolheram se relacionar com mais de um parceiro e que se sentem realizadas com essa escolha

por Edilson Kernicki

“Tem gente que chega para ficar / Tem gente que vai para nunca mais / Tem gente que vem e quer voltar / Tem gente que vai e quer ficar / Tem gente que veio só olhar.” A canção “Encontros e Despedidas”, de Milton Nascimento, fala de saudade e do sonho do reencontro, mas bem que poderia retratar a vivência daqueles que optam por relações não-monogâmicas, que começam a ganhar espaço em Ponta Grossa.

O conceito de não-monogamia engloba qualquer estrutura de relacionamento não estritamente monogâmico e preza pela liberdade de envolvimento romântico e/ou sexual dos indivíduos com múltiplos parceiros. Os modelos mais famosos são o relacionamento aberto (quando o casal se mantém junto, mas se relacionando com outras pessoas) e o poliamor (relacionamento simultâneo entre três ou mais pessoas ao mesmo tempo e com o conhecimento de todos), mas há diversos arranjos possíveis dentro da não-monogamia, conforme você verá nesta matéria. O que define essa forma de se relacionar, acima de tudo, é a liberdade de encontrar o modelo mais adequado para cada um, sem que o grilhão da monogamia freie os desejos.

Essa liberdade, contudo, baseia-se em alguns princípios que geram confiança e reciprocidade entre os envolvidos, como o consentimento informado e a comunicação aberta. Também são cruciais o respeito à autonomia; a responsabilidade afetiva; e a não-hierarquização das relações – isto é, nenhum vínculo é mais importante do que o outro.

Conexão significativa

Em Ponta Grossa, os adeptos da não-monogamia encontraram um local para trocar ideias, se expressar e se conhecer a partir do perfil “Não Monogamia Ponta Grossa” (@naomonogamiapontagrossa) no Instagram e de um grupo de WhatsApp dedicado o tema. O perfil foi criado em janeiro de 2024 pelo professor Adriano Dubiel, de 47 anos, pansexual, atualmente solteiro e vivendo uma fase assexual, porém “aberto a conexões afetivas”.

“A não-monogamia é uma evolução e uma busca por modelos de relacionamentos mais alinhados com as necessidades e desejos individuais”
Adriano Dubiel, professor

De acordo com Dubiel, o espaço foi criado para preencher uma lacuna na cidade, pois não havia um grupo destinado a reunir os não-monogâmicos. “Decidimos fundar o perfil com o propósito de estabelecer uma conexão significativa entre os praticantes da não-monogamia na região e proporcionar um ambiente propício para a troca de experiências, compartilhamento de estudos e oferecimento de apoio mútuo entre os membros”, explica.

Autodescoberta

Em alguns casos, compreender-se não-monogâmico resulta de viver uma relação monogâmica e perceber que ela não funcionou para a pessoa. Ou pode ser uma identificação que havia desde sempre. Dubiel diz nunca ter alinhado os seus desejos ao tradicional sonho de casamento e ao modelo monogâmico. “Percebi que a sociedade nos ‘programa’ para adotarmos o modelo monogâmico, o que gerou uma jornada de autoconhecimento. Foi somente por meio da terapia que eu pude compreender melhor a não-monogamia e aceitar a ideia de que o amor pode se manifestar de diversas maneiras”, observa.

A taróloga Mariana Gertz, de 30 anos, solteira e em dúvida se é bi ou pan, acredita ter sido sempre não-monogâmica, mas a convicção veio com a terapia. “A minha terapeuta percebeu como eu entendia os relacionamentos, como me sentia dentro deles, e que eu não queria nada daquilo. Ela chegou à conclusão de que talvez eu não fosse monogâmica, e eu, observando, decidi que não era”, afirma.

“Tive vários relacionamentos ao longo da vida que só comprovaram que, para mim, aquele tipo de relação não era a ideal”, comenta ela, que teve filho cedo e acreditava que construir uma família nos moldes tradicionais a “supriria”. Primeiro, ela achou que a relação com o pai da criança “não era agradável”, mas o problema não era necessariamente ele, pois o padrão se repetiu em outros relacionamentos monogâmicos: o sentimento de ter um “freio”.

A empresária Kamila Batista, de 32 anos, bissexual e solteira, conta que se entendeu não-monogâmica de forma natural e aos poucos. “Eu tive a minha primeira relação aberta aos 19 anos. Na época, não pensei muito a respeito, só rolou. Como eu nunca fui presa a tipos de relacionamentos preestabelecidos, foi normal para mim”, relata. Kamila já teve dois relacionamentos abertos e dois monogâmicos e acrescenta que a psicanálise a ajudou a ampliar a sua visão sobre o tema.

“A não-monogamia nos dá a liberdade de sermos quem somos, sem nos limitar. Menos preocupações e mais leveza”
Kamila Batista, empresária

O fotógrafo Everson Chueiri, de 45 anos, heterossexual e namorando, vive a não-monogamia há pelo menos 14. Teve duas relações extensas: uma de dez anos, monogâmica, em que se tornou pai, e outra de quase 11 anos, dentro da qual se tornou adepto da não-monogamia. Na primeira, sentia falta de espaço, privacidade e individualidade. “Uma das primeiras coisas que sentimos na não-monogamia é essa independência de você poder ser você, de não querer conversar quando não está afim… Quando você está cercado de pessoas e tem uma família, dificilmente você consegue isso sem gerar um mal-estar ou ter de se explicar o tempo todo”, compara.

“O diferencial da não-monogamia é você poder manter a sua individualidade, o seu espaço, que eram as primeiras coisas de que eu sentia falta nas relações monogâmicas”
Everson Chueiri, fotógrafo

A segunda namorada de Chueiri era bissexual e eles decidiram abrir a relação para ela não precisar reprimir os desejos. “Falávamos muito de como era alguém ter o desejo sexual por ambos os sexos e estar em uma relação fechada, com apenas um deles. Entendemos que seria legal se a relação fosse aberta ou convidar pessoas, nesse primeiro momento, para que ela pudesse também usufruir do desejo de ficar com outras mulheres”, explica. Com o tempo, a relação evoluiu a ponto de abrir a possibilidade de ela ficar também com outros homens.

Possibilidades e acordos

Embora, para alguns desavisados, a não-monogamia possa significar simplesmente “pegar todo mundo”, o conceito, na verdade, abarca uma gama de arranjos amorosos pautados sempre pelo diálogo: 1) pode se tratar de um casal aberto para cada um ficar com quem quiser; 2) um combinado de ambos ficarem com a mesma pessoa ou de ficarem entre casais, em que os dois podem participar ou um apenas assistir; 3) um solteiro ficar com várias pessoas ou casais, entre outras configurações. “Diferente das relações monogâmicas tradicionais, as não-monogâmicas têm o diálogo como aliado”, ressalta Mariana.

“O grande prazer da não-monogamia é poder me sentir em paz com as minhas escolhas”
Mariana Gertz, taróloga

Para a taróloga, esse acordo é fundamental para não frustrar expectativas alheias. “A relação não-monogâmica é leve, é divertida, é tranquila. É claro que tem alguns problemas que podem vir. Já me relacionei com pessoas que criaram certas expectativas com um relacionamento que eu não pude entregar de volta”, relata. “A sinceridade e a conversa têm de ser a base para qualquer tipo de relação, tanto a sinceridade consigo mesmo quanto com o outro”, acrescenta Kamila.

Busca por parceiros

Chueiri explica que, para os adeptos não-monogamia, existem sites e aplicativos similares ao Tinder, voltados especificamente para esse público, seja para adeptos do “swing”, para quem queira ingressar em um casal e solteiros que querem ter relações com casais, fixas ou avulsas. Porém, tanto ele quanto Dubiel, Kamila e Mariana dizem preferir o contato presencial.

“O encontro com parceiros acontece naturalmente. Não fico buscando em locais específicos. Já aconteceu em viagens, no trabalho e até em supermercados”, conta Dubiel. Chueiri comenta que a aproximação de interessados vem da própria postura do casal em locais “mais avançados, mais abertos”. “É muito comum estarmos, eu e a minha namorada, em algum ambiente e chegar alguém e perguntar que tipo de relação a gente tem”, descreve.

“Não saio ‘caçando’ por aí”, descontrai Kamila. “Se acontecer de sentir interesse por alguém, de maneira natural, aí decido conhecer a pessoa”, acrescenta. “Gosto das coisas quando elas acontecem de forma natural, gosto de sair encontrar alguém e começar a conversar. Se rolou ali o interesse de ambas as partes, a gente continua conversando ou fica logo de vez”, aponta Mariana.

Os prazeres da não-monogamia

A liberdade e a ausência da “culpa cristã” são apontadas pelos adeptos como os grandes prazeres da não-monogamia. Mariana diz ter crescido em um lar católico e criada para ser esposa de alguém, mas que combateu esse conceito. “O grande prazer da não-monogamia é poder me sentir em paz com as minhas escolhas”, reflete. “Liberdade de ser quem é, sem se limitar. Menos preocupações e mais leveza”, resume Kamila.

“O grande prazer é você manter a sua individualidade, o seu espaço, que foram as primeiras coisas de que eu senti falta quando estava em uma relação monogâmica: esse aprisionamento, essa dificuldade nas pequenas coisas, você tem sempre de viver no fio da navalha, porque a relação monogâmica já vem de um contrato velado. Quando você entra em uma relação com alguém, você já está devendo muitos favores, muitas obrigações para com a outra pessoa”, opina Chueiri.

Monogamia em extinção?

Para os adeptos, a não-monogamia não implica necessariamente no fim da monogamia, mas em uma expansão do leque de opções. “Em vez de encarar o cenário como um declínio das relações monogâmicas tradicionais, seria mais apropriado vê-lo como uma evolução e uma busca por modelos de relacionamento mais alinhados com as necessidades e desejos individuais. Para mim, a chave está na aceitação e no respeito pela diversidade de escolhas de relacionamento, reconhecendo que diferentes formas de compromisso e conexão podem coexistir e serem valorizadas”, avalia Dubiel.

“Se voltarmos para os anos 1970, o divórcio era algo inconcebível, as pessoas ficavam marcadas, a família ficava marcada, a família da noiva, se ela se separasse, havia falatório. Hoje já é tão natural, as pessoas se separam o tempo todo e vemos que o fato de se separarem o tempo todo já mostra que há algo de errado nessa convenção chamada casamento”, analisa Chueiri. Para o fotógrafo, a monogamia vai permanecer para quem se sente confortável com ela, mas ele vê uma tendência de que as relações se tornem mais autênticas e independentes.

“Essa estrutura de casamento nunca funcionou; ela foi feita para algo mais social do que por amor realmente. Só que antes as pessoas não podiam se separar. A forma tradicional não vai desaparecer, mas vai diminuir, o que eu acho muito bom, para as pessoas analisarem como realmente querem construir relações, por elas mesmas, não só por tradição ou por cobranças sociais”, defende Kamila.

“O que está prejudicando as relações monogâmicas são os próprios homens que estão em relações monogâmicas sem querer estar nelas. E as mulheres, percebendo isso, saem dessas relações e procuram homens que realmente vão querer estar com elas”, dispara Mariana. Para ela, o que está com os dias contados não é a monogamia, mas a submissão feminina.

Conteúdo publicado originalmente na Revista D’Ponta #300