Quarta-feira, 02 de Outubro de 2024

Entrevista D’P: Dayane Nowakowski Machado – Um divã para dois

2024-05-12 às 12:01

Psicóloga Dayane Nowakowski Machado fala sobre terapia de casal, os problemas mais comuns na vida a dois e como a terapia pode ajudar a resgatar a relação

por Edilson Kernicki

Lançado em 2012 e estrelado por Meryl Streep e Tommy Lee Jones, o filme “Um Divã Para Dois” mostra como a rotina afeta a relação de Kay e Arnold, casados há 30 anos e já sem os gestos de romantismo e a paixão de outrora. O desejo de mudar a situação leva a mulher a procurar um profissional para aconselhar o casal.

Enquanto uns se apoiam em preconceitos acerca da saúde mental e da atuação do psicólogo para não levar a discussão da relação para os consultórios, há casais que nem esperam oficializar a união para ir atrás de terapia. Procurar auxílio e aconselhamento profissional é um recurso que casais têm optado para amadurecer a relação e reafirmá-la, ao menor sinal de desgaste ou até para evitar que ele surja.

A terapia de casal, nesse sentido, traz uma visão externa e ajuda a refletir sobre quais soluções já foram tentadas para os conflitos e entender por que elas não funcionaram, além de orientar novas opções a serem adotadas em conjunto.

O diálogo e a escuta empática são a base de uma relação saudável, de acordo com a psicóloga Dayane Nowakowski Machado, que atua na área desde 2012 e é terapeuta de casais há cinco anos. O interesse de Dayane pelo trabalho com casais veio a partir de estudos de comunicação não-violenta, abordagem que visa gerar mais compreensão e colaboração nas relações de parceria e cooperação, em que prevalece a comunicação eficaz e com empatia.

Na entrevista a seguir, a psicóloga explica como a psicologia cognitivo-comportamental auxilia casais a encontrarem o equilíbrio na relação e quais fatores podem sinalizar que as coisas não andam tão bem.

Há quanto tempo você trabalha com terapia de casal?

Sou psicóloga desde 2012 e trabalho com casais há cinco anos. Foi a partir de estudos na área da comunicação não-violenta [CNV] que me interessei mais por atuar na terapia de casal, por identificar que muitos problemas no casamento se originam e se mantêm por causa de uma comunicação pouco eficaz, passiva ou agressiva.

“Muitos problemas no casamento se originam e se mantêm por causa de uma comunicação pouco eficaz, passiva ou agressiva”

Como funciona a terapia de casal em geral?

Uma das etapas iniciais muito importantes da psicoterapia de casal consiste em identificar os principais problemas enfrentados pelo casal, o histórico desses problemas e o que já foi feito para tentar solucionar. Buscamos, juntos, compreender quais são os fatores mantenedores desses problemas e estruturamos, juntos, as possíveis soluções. Normalmente, nesse percurso, percebemos que a qualidade de escuta, atenção, empatia e compreensão do outro estão deficitárias. Treinamos constantemente habilidades de comunicação assertiva durante as sessões.

Qual é o seu papel, como psicóloga, dentro da terapia de casal?

Uma das principais funções é mediar o diálogo, conduzir o casal a uma conversa produtiva e assertiva. Para isso, se faz necessário o uso de diversas técnicas e aplicação de muitos conceitos da psicologia, como: identificar os vieses, percepções tendenciosas que um tem do outro; apontar alguns problemas de comunicação e interpretação que deixam o diálogo muito difícil ou agressivo; notar as suposições, crenças e expectativas sobre a relação conjugal, que muitas vezes ficam implícitas e dar voz e espaço de expressão aos dois lados. Além de, constantemente, desenvolver habilidades de comunicação e resolução de problemas no casal.

Pela sua experiência, quais são os principais motivos que levam os casais a buscarem terapia?

Alguns dos problemas envolvem o sentimento de afastamento emocional do parceiro, não se sentir amado ou importante no relacionamento; falta de diálogo e de conexão; desrespeito ou falta de cuidado; e falta de demonstrações de afeto e/ou relações sexuais.

E que conselhos gerais você poderia dar para os casais que nos leem começarem a resolver essas questões?

Um bom começo seria conversar bastante, de forma sincera e respeitosa, com disposição para falar dos sentimentos, das necessidades, e fazer pedidos claros. A capacidade de escuta atenta e empática também se faz relevante.

Como saber que chegou a hora de buscar terapia de casal?

Não há um momento certo ou ideal. Alguns casais buscam a psicoterapia antes mesmo de oficializar a união, e assim podem evitar que os conflitos aumentem. Frequentemente, a busca ocorre quando já existe uma forte sensação de insatisfação, com pensamentos ou falas negativas sobre o outro, reclamações ou até mesmo brigas e discussões frequentes.

Quanto dura, em média, uma terapia de casal? E como avaliar o progresso da terapia?

Não há uma duração precisa. Alguns casais precisam de apenas algumas sessões para apresentar melhoras significativas, mas, no geral, avaliamos o progresso quando as queixas iniciais são resolvidas ou parcialmente solucionadas.

Na sua visão, o que leva alguns parceiros ou até casais a evitarem a terapia de casal?

Pode ocorrer a evitação por medo do julgamento, desconforto em falar de questões íntimas a terceiros, ou falta de informação sobre serviços referentes à saúde mental.

O que fazer quando só uma das partes aceita fazer terapia?

Nesse caso, o mais indicado é o acompanhamento individual.

É crucial que exista uma questão a ser resolvida no relacionamento para buscar terapia de casal?

Para buscar terapia de casal, há necessidade de haver uma queixa ou uma demanda a ser trabalhada. A terapia cognitivo-comportamental utiliza-se de metas para conduzir o processo terapêutico.

Ainda que a decisão de fazer terapia deva ser um consenso do casal, quem mais toma a iniciativa em propô-la: o homem ou a mulher?

Na minha percepção, na maioria das vezes, é a mulher é quem toma a iniciativa de buscar por esse serviço. Mas tem sido cada vez mais frequente essa iniciativa por parte dos homens.

Você recomenda que, em paralelo, os casais façam terapia individual?

Quando possível, sim. Dessa forma, pode haver mais resolutividade na terapia de casal. Se cada um está trabalhando as suas questões individuais, trabalhar nos problemas relativos ao relacionamento pode se tornar mais simples e rápido.

Quais são as principais dificuldades enfrentadas na terapia de casal, tanto do ponto de vista do casal quanto do ponto de vista do psicólogo?

Pode ser mais difícil o processo de psicoterapia quando há acusação, julgamento excessivo, e pouca autorresponsabilidade dos dois ou de um deles. É importante que ambos estejam abertos a assumir responsabilidades no processo de melhora.

E quais são os benefícios da terapia de casal de modo geral? Como essa prática pode mudar a vida do casal?

Os benefícios incluem conseguir entender o ponto de vista do outro, as suas necessidades e sentimentos, e compreender as razões de alguns comportamentos que antes eram vistos como difíceis. Essas habilidades de tolerância e empatia no relacionamento são bastante importantes para fortalecer a união entre o casal.

“Os benefícios da terapia de casal incluem conseguir entender o ponto de vista do outro, as suas necessidades e sentimentos, e compreender as razões de alguns comportamentos que antes eram vistos como difíceis”

Pela sua experiência, quais são as principais causas de problemas nos casamentos, independente se fazem terapia ou não?

As causas dos problemas são bastante particulares. Podem depender, por exemplo, do contexto, da história de cada um, do vínculo que estabeleceram com pessoas importantes na infância, do exemplo de casal deixado pelos pais – e que pode ser imitado, muitas vezes, do quanto se esforçam para que o outro se sinta amado, entre outros fatores.

Como identificar se um casamento está à beira da falência, para que o casal possa tomar uma atitude?

Depende da percepção de cada pessoa. Um indicador pode ser o fato de não se sentir confortável, seguro ou satisfeito na relação.

“As causas dos problemas entre os casais podem depender do contexto, da história de cada um, do vínculo que estabeleceram com pessoas importantes na infância e do exemplo de casal deixado pelos pais”, Dayane Nowakowski Machado, psicóloga

 

Se o casal decidir se separar, como conduzir esse processo de modo a reduzir danos?

Depende de cada caso, mas, no geral, ajuda estar com pessoas da família e amigos que possam apoiar e acolher os indivíduos. Conversar abertamente e falar sobre os sentimentos com pessoas de confiança. Buscar acompanhamento psicológico individual é um excelente recurso para que o divórcio não se torne tão danoso, especialmente quando há crianças e adolescentes. Os filhos, especialmente, também precisam desse acompanhamento.

Um psicólogo pode “induzir” o casal a manter o casamento ou a se separar?

O papel do psicólogo não é induzir comportamentos ou decisões, mas ajudar a casal entender quais as funções e consequências de cada decisão possível, quais os desejos de cada um, assim como conscientizar sobre a importância de o indivíduo estar racional e seguro para tomar qualquer decisão definitiva.

Como um terapeuta deve agir se ele notar que na relação existe algo mais grave do que uma questão de convivência ou uma incompatibilidade negociável?

Buscar informações com órgãos competentes e estar em processo constante de supervisão, e estudos são ferramentas essenciais para esses casos.

Conteúdo publicado originalmente na Revista D’Ponta #300