por Michelle de Geus
Em julho deste ano, uma menina de dez anos denunciou o próprio padrasto por estupro após assistir a uma aula sobre educação sexual em uma escola pública de Ponta Grossa. De acordo com o Núcleo de Proteção à Criança e ao Adolescente Vítimas de Crimes (Nucria), os abusos aconteciam desde 2023, mas a criança só entendeu que as ações do padrasto não eram apenas carinhos com a abordagem em sala de aula sobre sexualidade. Casos como esse frequentemente são citados para destacar a importância da educação sexual nas escolas e como ela pode ajudar a combater os casos de abuso infantil. Quem defende essa abordagem ressalta ainda que os conteúdos podem orientar crianças e adolescentes sobre os cuidados e higiene com o próprio corpo, ajudá-los a conhecerem as suas limitações e a respeitarem a sexualidade do outro, além de evitarem gravidezes precoces e infecções sexualmente transmissíveis (ISTs).
Mesmo reconhecendo a importância do debate a respeito da sexualidade, muitas pessoas alertam que os conteúdos repassados em sala de aula devem ser adequados para a faixa etária dos alunos, baseados em evidências científicas e livres de qualquer tipo de ideologia. Essas pessoas destacam que, se o ensino não for bem estruturado, pode expor os alunos à erotização precoce e a conteúdos inadequados para a idade. A maneira como são abordados temas sensíveis e delicados como diversidade sexual, identidade de gênero, liberdade sexual e questões de gênero também são uma fonte de preocupação. Outra questão muito recorrente é a necessidade das aulas de educação sexual respeitarem as crenças de cada família e os ensinamentos que são repassados para crianças e adolescentes dentro de casa. Diante disso, fica uma pergunta no ar: as escolas devem ensinar educação sexual? Se sim, como? Se não, por quê? Confira quatro visões a respeito.
Parte fundamental da formação integral
“Sou a favor do ensino de educação sexual nas escolas, porque acredito que é uma parte fundamental da formação integral dos estudantes. A educação sexual, quando bem estruturada e implementada, pode trazer inúmeros benefícios para os jovens, ajudando-os a tomar decisões informadas e seguras sobre a sua saúde e bem-estar. Ensinar sobre sexualidade ajuda crianças e adolescentes a entenderem melhor o seu corpo e a respeitarem as suas próprias limitações e as dos outros, o que promove uma cultura de consentimento e respeito mútuo. Na era digital, é fácil encontrar informações erradas sobre sexualidade, e uma educação sexual adequada garante que os jovens tenham acesso a informações precisas e baseadas em evidências. Para ser eficaz, a educação sexual deve ser abrangente e adaptada à faixa etária dos alunos, incluindo conteúdo apropriado para a idade, inclusividade, professores capacitados e envolvimento dos pais e da comunidade. A educação sexual nas escolas é crucial para formar cidadãos informados e responsáveis. Ao fornecer informações precisas e abrangentes, estamos capacitando os jovens a fazerem escolhas seguras e respeitosas, promovendo assim uma sociedade mais saudável e igualitária”
Ensino deve ser isento de ideologias
“É evidente que a educação sexual é de extrema importância para a formação de toda criança e adolescente. Os jovens precisam ser instruídos sobre o seu corpo e sobre a sua própria sexualidade, o que vai muito além da compreensão sobre o ato sexual. O ensino sobre o corpo, a reprodução humana e a proteção contra o abuso são extremamente necessários e relevantes dentro do contexto escolar. O que se torna crítico é como esse ensino é apresentado nas escolas, e até que ponto temos o ensino isento e isolado de ideologias e opiniões pessoais. A discussão sobre a educação sexual na escola não pode ser simplista. É preciso checar e garantir que os alunos não sejam expostos a erotização e conteúdos inadequados, nem que sejam apresentados ao ato sexual de forma empírica por parte do educador. Existe uma vertente da sexualidade totalmente relacionada à crença de cada família e isso precisa ser respeitado. Infelizmente temos visto tristes casos de pessoas que se aproveitam da abordagem sobre ‘educação sexual’ e acabam imprimindo toda a sua visão imoral sobre o sexo, o que é completamente impróprio. O ensino precisa ser bem estruturado, com uma abordagem biológica e limitada”
Ensino não pode ficar restrito à família
“De acordo com a Fundação Abrinq, em média, a cada quatro casos de violência sexual no Brasil, em três a vítima é criança ou adolescente, e a maioria dos abusos acontece dentro dos próprios lares. Então, como deixar a cargo apenas da família a tarefa de evitar que casos como esses continuem se repetindo? A escola, por meio da educação sexual, é o principal segmento a abordar tecnicamente questões tão delicadas. E é por meio desses diálogos, de acordo com a faixa etária de cada aluno, que educadores podem levar a reflexão sobre a autovalorização. Não se trata de ensinar sexo, como tantos desavisados pregam, mas sim de alertar, de forma ética e didática, as crianças e adolescentes sobre abuso sexual, sobre a diferença entre carinho e toque abusivo. É de forma responsável que se abordam, com adolescentes, assuntos alusivos a infecções sexualmente transmissíveis, sobre cuidados e higiene com o próprio corpo e respeito à sexualidade do outro. Falar sobre sexualidade no espaço escolar é, portanto, promover o autocuidado e a autoestima dos nossos estudantes. É, acima de tudo, acolher”
Essencial para a saúde e bem-estar
“Na minha experiência como professora da Universidade Estadual de Ponta Grossa, desenvolvi projetos de extensão com foco em orientação sexual nos cursos de licenciatura em Ciências Biológicas e bacharelado em Enfermagem. Os projetos abordavam temas relacionados à vida sexual de adolescentes e jovens de forma descontraída e simples, mas com enfoque científico. Muitas vezes os pais não têm o conhecimento ou não se sentem à vontade para conversar com os seus filhos sobre esses temas, tornando a educação sexual nas escolas essencial para a saúde e bem-estar dos jovens. Informação correta pode prevenir infecções sexualmente transmissíveis e gravidez na adolescência. Mas não é só isso. Falar sobre sexualidade pode alertar os que enfrentam algum tipo de abuso e incentivá-los a denunciar. Além de contribuir para o autoconhecimento e aceitação do corpo; combater a desinformação e mitos; trabalhar a questão de consentimento e comunicação, levando a relacionamentos mais saudáveis; e abordar questões de gênero promovendo igualdade e combate a estereótipos. Acho que fica claro que ninguém vai ‘incentivar’ ou ensinar a ‘transar’. Pelo contrário, educação sexual quer que os jovens estejam conscientes e informados para que, quando iniciarem a sua vida sexual, tenham todas as ferramentas para se tornarem adultos saudáveis física e mentalmente”
Conteúdo publicado originalmente na Revista D’Ponta #303