Quarta-feira, 02 de Outubro de 2024

Mente & Corpo D’P: Tenho TDAH e não sabia

2024-05-13 às 13:18
Foto: Reprodução/Freepik

Originado na infância, o Transtorno de Deficit de Atenção e Hiperatividade se estende por toda a vida e pode causar diversos prejuízos pessoais e profissionais. Por conta disso, muitos adultos buscam diagnóstico com profissionais de saúde mental e mudam para melhor depois que se descobrem portadores do transtorno

por Michelle de Geus

Você tem dificuldade para manter o foco e se concentrar em tarefas, em especial aquelas que exigem um esforço prolongado? Tende a procrastinar e deixa atividades importantes para fazer depois? Isso pode ser sinal de quem você tem Transtorno de Deficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), condição do neurodesenvolvimento que afeta cerca de dois milhões de pessoas no Brasil. Como acompanha o indivíduo por toda a vida, é cada vez mais comum que pessoas adultas sejam diagnosticadas com o transtorno.

A médica neurologista Mariana Welling, que mantém consultório em Ponta Grossa, observa que os sintomas do TDAH nos adultos costumam ser um pouco diferentes dos encontrados nas crianças. “Geralmente, a criança é levada para uma avaliação quando tem prejuízo escolar ou muita dificuldade de aprendizado. O paciente adulto tende a não ter a característica da hiperatividade e costumamos ver mais queixas relacionadas a desatenção e desorganização”, detalha.

“O adulto com TDAH tende a não ter a característica da hiperatividade e costumamos ver mais queixas relacionadas a desatenção e desorganização”, Mariana Welling, médica neurologista

Mariana observa que adultos com TDAH costumam ter problemas na vida acadêmica e profissional, pois não conseguem seguir instruções, gerenciar o tempo e controlar as emoções, o que pode levar a atritos com os colegas e troca frequente de emprego. “Os prejuízos também estão presentes os relacionamentos, porque, muitas vezes, o paciente com TDAH esquece de datas importantes ou de compromissos, o que atrapalha a rotina e pode gerar brigas”, cita, acrescentando que a dificuldade para prestar atenção e para gerir o tempo cria a sensação de que a pessoa não é confiável ou responsável. Além disso, a impulsividade e a frustração podem levar a explosões de raiva, e a baixa autoestima traz sentimentos de insegurança e ciúmes.

Importância do diagnóstico

De acordo com a neurologista, o diagnóstico do TDAH na fase adulta impacta na vida do paciente como um todo. “Melhora a maneira como ele se relaciona com amigos e familiares, aumenta a produtividade, aumenta a autoestima e até os sintomas emocionais que coexistem com o TDAH diminuem”, relata, citando que o transtorno, quando não tratado, pode levar a quadros de depressão e ansiedade. “Nós sabemos que no paciente adulto existe uma tendência muito grande ao vício, sendo comum a associação com cigarro, álcool ou drogas. Além disso, geralmente o TDAH no adulto vem acompanhado de outros sintomas psiquiátricos, porque é uma vida inteira sem tratamento e isso gera repercussões. Então, é muito importante diagnosticar e tratar para não perder essa janela terapêutica”, alerta.

Tratamento multidisciplinar

Na visão da médica psiquiatra Angeli Cristine Kaiser, que atende em Ponta Grossa, o tratamento ideal para o TDAH deve ser multidisciplinar, individualizado e adaptado às necessidades específicas de cada paciente. “O tratamento pode ser dividido em duas partes: a primeira delas é não-medicamentosa, que são as terapias, principalmente a terapia cognitivo-comportamental, e os grupos de apoio; a segunda é o tratamento medicamentoso. Atualmente existem duas classes de medicação para tratamento do TDAH. Entre os psico-estimulantes, estão o metilfenidato (Ritalina) e a lisdexanfetamina (Venvanse), os mais utilizados. Também temos opções de medicamentos não-estimulantes, os antidepressivos, como a Tomoxetina, recém-chegada ao Brasil e também liberada para crianças”, elenca, acrescentando que muitos pacientes optam por não usar medicamentos e conseguem desenvolver uma rotina bem ajustada com a ajuda de aplicativos, agendas e alarmes no celular.

“O tratamento do TDAH pode ser dividido em duas partes: a primeira é não-medicamentosa, com terapias, principalmente a cognitivo-comportamental, e grupos de apoio; e a segunda é o tratamento medicamentoso”, Angeli Cristine Kaiser, médica psiquiatra

A psiquiatra ressalta que a prática de exercícios físicos, alimentação saudável e sono regular também fazem parte do tratamento. “Hábitos de vida saudável, estabelecimento de rotinas, ambiente familiar saudável e a prática de atividades físicas favorecem o bem-estar e reasseguram e ampliam a confiança em si mesmo”, indica.

Descobrindo o próprio TDAH através dos filhos

Angeli nota que é cada vez mais comum pais procurarem diagnóstico depois que os filhos foram diagnosticados inicialmente com TDAH. “Ocorre muito de um dos pais se identificar com a criança e enxergar que tem as mesmas dificuldades que hoje o filho enfrenta. Sintomas que, sendo tratados, minimizam o sofrimento que o TDAH pode trazer para a vida”, aponta, mencionando que isso acontece porque a genética é o fator mais importante para explicar o transtorno. Angeli destaca ainda que fatores ambientais e comportamentais também são cruciais não só para a manifestação do transtorno, mas principalmente para o grau de comprometimento (leve, moderado ou grave).

Como saber se eu tenho TDAH?

O diagnóstico do TDAH é feito em uma entrevista clínica, através de avaliação que pode ser realizada por psicólogo, neurologista ou psiquiatra, explica a psicóloga Bibiani Stanger, que atende em Ponta Grossa e também é portadora do transtorno. “Não existe nenhum exame que determine o diagnóstico do TDAH. O que existem são testes psicológicos, escalas e questionários, além de exames físicos que auxiliam e complementam o diagnóstico”, explica, ressaltando que, por se tratar de um transtorno do neurodesenvolvimento, o TDAH inicia na infância e não na vida adulta. “Os sintomas do TDAH devem estar presentes na vida da pessoa por mais de seis meses e precisam ter começado antes dos 12 anos. O profissional pode entrevistar outras pessoas envolvidas, como pais ou professores, para coletar informações desse período”, complementa.

“Existem transtornos psiquiátricos que apresentam sintomas semelhantes aos do TDAH, como a ansiedade ou a bipolaridade. Avaliar se os sintomas estavam presentes na infância é um dos principais critérios que diferencia o TDAH de outros transtornos”, Bibiani Stanger, psicóloga e portadora de TDAH

A psicóloga destaca ainda que os sintomas do TDAH em adultos podem vir acompanhados de outras comorbidades e, por isso, é muito comum que ele seja confundido com outros transtornos psiquiátricos. “Existem outros transtornos psiquiátricos que apresentam sintomas semelhantes aos do TDAH, como, por exemplo, a ansiedade ou a bipolaridade. Avaliar se os sintomas estavam presentes na infância é um dos principais critérios que diferencia o TDAH de outros transtornos”, observa, destacando que é importante investigar de forma ampla para excluir quadros de depressão, ansiedade, dislexia, deficit auditivo e outros distúrbios que podem simular a falta de atenção.

“Agora tudo é TDAH.” Será mesmo?

De acordo com Bibiani, os estudos mais recentes não indicam um aumento na prevalência do TDAH na população, mas é fato que os profissionais têm diagnosticado mais o transtorno. “Esse aumento pode ser explicado por diversos fatores, como mudanças nos critérios diagnósticos, maior acesso a profissionais qualificados para o diagnóstico, menos estigma em relação aos transtornos mentais e até mesmo o aumento da preocupação da população com a saúde mental”, enumera. “Por outro lado, também vemos uma pressão social por diagnósticos, principalmente para aquelas crianças que incomodam na escola, levando a uma medicalização excessiva. Alguns diagnósticos são feitos em uma entrevista de cinco minutos, o que é inadmissível”, alerta, ressaltando que questões como o superdiagnostico e a negligência de profissionais que insistem em dizer que o TDAH é uma invenção do mercado farmacológico precisam ser amplamente debatidas.

Vivendo com TDAH

Empresário Marcel Stefanini fala sobre a sua trajetória como portador de TDAH, da infância até a idade adulta, quando recebeu o diagnóstico

Empresário Marcel Stefanini fala sobre a sua trajetória como portador de TDAH, da infância até a idade adulta, quando recebeu o diagnóstico

O empresário Marcel Stefanini começou a desconfiar que tinha TDAH desde a adolescência, quando percebeu muita dificuldade em manter foco e se concentrar por longos períodos. “Isso se agravou um pouco mais no terceirão, quando eu estava me preparando para o vestibular, pois eu tinha de passar horas estudando e não conseguia. Durante as aulas, eu sentia que os meus pensamentos iam para longe e era muito difícil prestar atenção”, relata.

No entanto, ele só decidiu buscar um médico para receber o diagnóstico aos 35 anos de idade, quando percebeu que os sintomas estavam prejudicando a sua vida pessoal e profissional. “Eu já vinha suspeitando disso há vários anos, mas, quando eu vi que teve um agravamento dos sintomas ao longo do tempo, decidi procurar um direcionamento”, lembra.

O empresário afirma que o diagnóstico, mesmo que tardio, foi muito útil. “Saber que eu tenho TDAH me proporciona uma compreensão mais profunda dos meus desafios e me permite buscar tratamento adequado para gerenciar os sintomas de uma forma mais eficaz e não ter tanto comprometimento na minha vida pessoal e profissional”, explica.

Por enquanto, Marcel, por não tomar medicamentos, tem controlado os sintomas do TDHA através de uma combinação de estratégias, como terapia cognitivo-comportamental, ferramentas de organização, técnicas de gerenciamento de tempo e muito autoconhecimento. “Hoje eu vivo bem com o TDHA, mas isso muito por conta das terapias que eu faço, porque eu aprendi a gerenciar os meus sintomas e encontrei estratégias que funcionam para mim”, explica.

Stefanini também reconhece os aspectos positivos que essa condição traz. A principal característica positiva do TDAH é a capacidade de pensar “fora da caixa”. “Eu trabalho com marketing e criação de conteúdo, então isso me ajuda a produzir muito mais coisas criativas”, defende. Marcel relata todos esses dilemas, desafios e vantagens no perfil do Instagram @familyonboard, com vídeos divertidos ao lado da esposa e dos filhos.

Para quem desconfia que possa ter TDAH, Stefanini aconselha buscar ajuda profissional. “Eu sempre digo nas redes sociais que o autodiagnóstico não funciona. Ter um terapeuta junto com você durante todo o processo é fundamental para você entender os seus desafios, receber o tratamento adequado e ter uma direção daquilo que pode ajudar no seu caso”, sugere, sublinhando que é importante estudar sobre o TDAH e aprender estratégias de gerenciamento para lidar com os sintomas no dia a dia.

Conteúdo publicado originalmente na Revista D’Ponta #300