Sábado, 04 de Maio de 2024

Vinhos & Viagens: ‘Série regiões vitivinícolas portuguesas: Tejo’, por Patrícia Ecave

2022-07-13 às 16:40

O Rio Tejo é o destaque dessa região homônima que fica no centro de Portugal e está ligada à produção de vinhos que contribui diretamente para os vários “terroirs” encontrados na localidade. A amplitude e a força do rio influenciam o solo e o clima da região elementarmente, gerando três zonas produtoras de vinho distintas: Bairro, Charneca e Campo. Além de vinhos, vamos encontrar na região do Tejo o enoturismo com propriedades seculares, muita tradição, história e gastronomia.

As fronteiras da região são delimitadas por Tomar, Ferreira do Zêzere, Sardoal e Mação, a Norte; Abrantes, Chamusca, Alpiarça e Almeirim, a Leste; Torres Novas, Alcanena, Rio Maior, Cartaxo e Azambuja, a Oeste; Coruche e Benavente, a Sul. A região dos Vinhos do Tejo é composta por um total de 17 mil hectares que produzem anualmente cerca de 650 mil hectolitros, o que representa cerca de 10% do total nacional. Destes são certificados cerca de 110 mil hectolitros dos quais 90% são vinhos com Indicação Geográfica Protegida (IGP) e 10% são vinhos com Denominação de Origem Controlada (DOC).

Atualmente são mais de 80 produtores que fazem parte da Comissão Vitivinícola Regional do Tejo (CVR Tejo) que foi criada em 24 de novembro de 2008. Essa comissão é uma associação interprofissional que representa a produção e o comércio do setor vitivinícola da região. A sua competência consiste em controlar o cumprimento das regras e a certificação dos vinhos brancos, rosés, tintos, espumantes, licorosos e vinagres produzidos na região com direito à Denominação de Origem do Tejo (DO do Tejo) e à Indicação Geográfica Tejo (IG Tejo).

Para receberem essa denominação, os vinhos têm de ser provenientes exclusivamente de uvas produzidas dentro da área Geográfica da DO “Do Tejo” e vinificados dentro da região. São produzidos a partir de um conjunto de castas autorizadas pela DO e a sua produção é limitada, não sendo admitido mais do que 80 hl/ha para as uvas tintas e 90 hl/ha para as uvas brancas.

Para terem direito à Indicação Geográfica “Tejo”, os vinhos também têm de ser obtidos a partir de uvas produzidas dentro da região e a partir de um conjunto de castas autorizadas, neste caso mais extenso do que para a DO. A sua produção também é limitada a 225 hl/ha para uvas tintas e brancas. No que diz respeito ao processo de certificação é muito semelhante ao da DO, sendo que a exigência em termos de análise sensorial não é tão grande, bastando atingir os 55 pontos.  Os vinhos com IG podem igualmente utilizar designações de qualidade, Reserva, Colheita Selecionada, Escolha e Garrafeira, desde que na análise sensorial obtenham um mínimo de 60 pontos.

Tive a oportunidade de visitar algumas propriedades e conhecer alguns rótulos produzidos na região, acompanhe a seguir.

Quinta da Lapa

A Quinta N. Sra. da Conceição da Lapa foi fundada há mais de 300 anos, numa localização extraordinária. Fica nas melhores terras escolhidas entre as férteis colinas a leste da Serra de Montejunto, numa zona que faz hoje parte da região vitivinícola do Tejo, outrora denominada Ribatejo onde vinho, cultura e história correm juntos desde os primórdios da Lusitânia.

A Quinta da Lapa está situada na margem norte do rio Tejo, na zona do Bairro, caracterizada por solos maioritariamente argilo-calcários. As cheias e a força do rio fizeram com que ao longo da história as terras essencialmente argilosas colecionassem elementos raros como conchas e seixo rolado. Este aspecto define, quase por si só, a assinatura da Quinta da Lapa.

Entre as castas tintas nativas do Tejo estão a nobre Touriga Nacional – a casta portuguesa por excelência – bem como as castas Trincadeira, Castelão e Aragonês. O aromático Fernão Pires e o Arinto vivaz produzem alguns dos vinhos brancos mais refrescantes da região. Estas castas autóctones prosperaram em climas quentes e solos complexos da região do Tejo, mantendo a elevada acidez natural, para produzir vinhos equilibrados com características de frutas ricas. Além das castas citadas, ainda há outras cultivadas na propriedade, somando-se, portanto, mais de 20 variedades de uvas.

Fui recebida pelo Export Manager Paulo Mateus que apresentou todo o funcionamento da vinícola e pelo Enólogo Jorge Ventura que detalhou todos os rótulos degustados e as estratégias de cultivo da empresa. Fiquei hospedada no Wine Hotel da Quinta que possui uma estrutura encantadora e mantém arquitetura e decoração tradicionais da época de construção da propriedade.

O Wine Hotel, também chamado de “a casa da Quinta da Lapa”, datada do séc. XVIII, acrescentou em 2011 uma nova página a sua história tricentenária ao abrir as suas portas ao público. A empresa decidiu apostar numa oferta de enoturismo de nível superior dando nova vida a um conjunto arquitetônico único. Hoje, este magnífico espaço atemporal brilha de novo após apuradas obras de restauro. Com base nas vastas dependências que circundam o pátio, foram criadas onze suítes decoradas com um requinte quase espartano. Um ambiente cativante e único, uma estrutura arquitetônica clássica, polvilhada de modernidade purista e de retoques excêntricos, cada quarto tem um estilo diferenciado, todos com vista deslumbrante para as vinhas.

Algumas atividades disponíveis na Quinta da Lapa são: caminhadas ou passeios de bicicleta, piquenique junto à casinha do tanque ou no moinho, banhos no tanque, visitas à vinha, à adega, vindima, provas de vinhos e pesca.

A degustação foi excepcional com 15 rótulos produzidos pela vinícola, uma criatividade surpreendente na diferenciação dos vinhos e uma das poucas em que provei um varietal de Malbec (de terroir português). O enólogo Jorge Ventura destacou a produção de vinhos frescos e agradáveis mesmo com temperaturas altas, para isso destacou a grande amplitude térmica da região que permite essa característica do vinho. Ele também destacou a fundamental importância de se ter todos os cuidados com o campo, isto é, desde o início do cultivo das vinhas até a sua colheita.

Rótulos degustados:

Quinta da Lapa Vinho Clarete 2020, Quinta da Lapa Fernão Pirão 2021 (Orange Wine), Quinta da Lapa Tinto 2020 sem S02, Quinta da Lapa Selection Doc, Quinta da Lapa Alvarinho, Quinta da Lapa Nana tinto, Quinta da Lapa Nana 2021 branco, Quinta da Lapa Sauvignon Blanc, Quinta da Lapa Selection rosé, Quinta da Lapa Selection branco, Quinta da Lapa Reserva Malbec, Quinta da Lapa Syrah, Espumante Brut Nature Nana 2018 rosé, Espumante Quinta da Lapa Doc Reserva Brut Nature 2017 branco.

https://quintadalapa-wines.com/

 

Falua Sociedade de Vinhos

A Falua foi fundada em 1994 com o objetivo de se afirmar como referência na produção de vinhos da região do Tejo e, rapidamente, cresceu para outras regiões. Em 2017, a VITAS Portugal – filial do Grupo Roullier presente no país desde 1994 – adquiriu a Falua. O interesse do Grupo Roullier na atividade da Falua teve na sua origem a ideia de criar uma porta de entrada para o mercado global de vinhos.

Calhau rolado

Atualmente a Falua possui vinhas próprias e Adegas na Região do Tejo e na Região dos Vinhos Verdes. A maioria das vinhas da Falua estão localizadas na Charneca e as demais estão situadas no Campo/Lezíria. Na icônica Vinha do Convento desenvolve-se videiras entre calhau rolado (foto), num terroir emblemático que conta com uma história com mais de 400 mil anos. Localizada na zona da Charneca, trata-se de uma improvável extensão de calhau rolado no alto de uma suave colina, muito longe do Tejo. A verdade é que, em termos geológicos, esta elevação fez parte do leito do rio Tejo, por isso os seixos aqui permaneceram, formando uma camada com vários metros de espessura, entrecortada por alguma areia. Nesta vinha com 45 hectares desenvolvem-se as castas Arinto, Fernão Pires, Castelão, Touriga Nacional, Aragonez, Trincadeira, Cabernet Sauvignon e Alicante Bouschet.

Na Falua (nome que tem como significado uma embarcação do Rio Tejo) fui recebida pela Enóloga e Diretora Geral Antonina Barbosa e pelo Nicolas Giannone, do departamento comercial, que apresentaram toda a estrutura da vinícola. A degustação dos vinhos da Falua foi feita de uma maneira especial, com um almoço harmonizado no Restaurante A Massa no centro de Santarém.

Conde Vimioso Sommelier Edition 2021 branco foi o rótulo inicial da degustação e que me chamou a atenção por se chamar Sommelier, isso se deve ao fato de a Falua convidar profissionais sommeliers para participarem juntos com eles na análise para o lançamento do rótulo. Harmonizamos o vinho  branco inicial com uma burrata ao molho pesto e o Conde Vimioso Sommelier Edition 2021 rosé, harmonizamos com a salada ibérica.

Um prato bastante chamativo servido pelo restaurante foi o Tártaro, semelhante ao steak tartar no Brasil, porém aqui servido no osso do animal do qual, no momento da refeição, é retirado o tutano para adição ao prato, muito chamativo sem dúvida, harmonizado com o Barão Hospital Alvarinho 2020.

Na sequência, dois risotos, um de bacalhau e outro de cogumelos com aspargos — que estavam impecáveis —, com os quais degustamos o Falua Unoaked tinto.

Na sequência o Falua Reserva Unoaked 2019 branco com uma lasanha de carne com molho bechamel de apresentação criativa e o Conde Vimioso Reserva 2018 tinto que foi mais uma grande surpresa degustada nessa harmonização impecável.

https://www.falua.pt/

 

Quinta da Alorna

Na Quinta da Alorna a recepção foi por conta de Frederico Kitler, Tomás Caiado e do Enólogo Luis Lerias que fizeram o acompanhamento da visita até a degustação no Palácio da Alorna. A Quinta conta com quase 300 anos de história e está há cinco gerações com a família Lopo de Carvalho. Situada na margem sul do Rio Tejo, perto de Santarém, e com a entrada marcada por um arbusto raro no mundo, conhecido por “Bela Sombra”, a Quinta da Alorna destaca-se não só pela qualidade dos vinhos que produz, mas também pelas suas práticas agrícolas, florestais e pelos seus espaços naturais. Com uma área total de 2.600 hectares, encontra-se dividida em 160 ha de vinha, 500 ha dedicados a irrigação e cerca de 1.900 ha de floresta. A proximidade das vinhas ao Rio Tejo faz com que a amplitude térmica seja um fator fundamental na qualidade da uva. O enólogo Luis Lerias enfatizou: “no nosso caso o Tejo é sem dúvida o elemento dominante desta região, contribuindo de forma decisiva para o perfil dos vinhos aqui produzidos.”

A Quinta da Alorna se divide entre castas como Touriga Nacional, Cabernet Sauvignon, Alicante Bouschet, Fernão Pires, Arinto e Chardonnay, e produz os seus vinhos com recurso de novas tecnologias de vinificação.

A vindima é feita de duas formas: manual e mecânica. As uvas são colhidas por castas e em momentos diferentes por influência da sua maturação, do solo onde estão plantadas e das condições meteorológicas às quais estão sujeitas ao longo do ano, mas também das características necessárias para os vinhos em que vão ser transformadas. Um dos objetivos da vindima é evitar a oxidação, por esse motivo o processo deve ser rápido, sem danificar a película do bago e num horário em que as temperaturas sejam mais amenas.

A Quinta conta com um Haras para atividades particulares e um Palácio admirável que ainda é utilizado pela família aos fins de semana e onde tive a honra de ser recebida para uma degustação elegantemente preparada por toda a equipe, degustamos o Quinta da Alorna Colheita 2021 branco, Quinta da Alorna Reserva Arinto e Chardonnay 2020, o branco Marquesa de Alorna Grande Reserva 2017, Quinta da Alorna Reserva Touriga Nacional e Cabernet Sauvignon 2018 tinto e o Marquesa de Alorna Grande Reserva 2016 também tinto, uma degustação ímpar e rica de informações.

https://alorna.pt/

Todas as experiências foram imensamente produtivas e enriquecedoras, destaco ainda a importante preocupação de todas as vinícolas visitadas com práticas e técnicas sustentáveis adotadas na produção dos seus vinhos, seja na aquisição de equipamentos para geração de energias alternativas, reaproveitamento de resíduos e outras formas de colaborar com o meio ambiente de forma consciente e sustentável.

 

Lei da Quinta

Tive ainda a grata satisfação de acompanhar a Lei da Quinta que se trata de uma reunião/jantar com produtores da Região do Tejo, organizada por Joana Pratas Consultoria de Comunicação com a participação do convidado Manoel Lobo de Vasconcellos, enólogo da Quinta do Crasto, da Lobo Wines e do Casal Branco.

O encontro é um spin off de uma iniciativa que acontece no Douro, a Lei da Terça. No Tejo os encontros acontecem toda primeira quinta-feira do mês com a finalidade de discutir a região, provar vinhos dos produtores locais e de outras regiões e, desta forma, trocar ideias, ouvir exemplos, cases de sucesso de outras regiões e agregar conhecimentos e informações. O encontro foi realizado no a restaurante OH!Vargas em Santarém que preparou um menu versátil para degustação dos vinhos de cada produtor participante e do convidado principal. O restaurante tem uma carta de vinhos que impressiona, na sua maioria com rótulos portugueses,  mas, também com alguns vinhos importados,  o conceito é a comida de conforto contando com pratos tipicamente portugueses da região (carne de touro, croquetes de novilho, arroz cremoso de línguas e bochechas de bacalhau, entre outros), uma seleção especial de carnes como também de peixes e frutos do mar.

Confira neste link alguns momentos desse encontro informativo com produtores.

Vinhos & Viagens

por Patrícia Ecave

Patrícia Ecave é jornalista, digital Influencer e sommelière paranaense. Trabalhou com radiojornalismo, assessoria de imprensa, eventos, produção de vídeos, funcionalismo público, gestão administrativa e gestão de pessoas. Realizou viagens enogastronômicas e cursos no país e no exterior, como Vale dos Vinhedos, Cone sul e Europa. Organiza workshops, cursos, jantares harmonizados, treinamento de equipes e consultoria geral. Escreve sobre viagens, vinhos e gastronomia.