Dona de uma das mais concorridas agendas, durante uma campanha eleitoral histórica, a presidente nacional do Partido dos Trabalhadores (PT), Gleisi Hoffmann – também ex-senadora e ex-ministra-chefe da Casa Civil – conversou com o apresentador João Barbiero, em entrevista previamente gravada e veiculada no programa Manhã Total desta quarta-feira (7). O programa vai ao ar, de segunda a sexta, pela Lagoa Dourada FM (105.9 para Ponta Grossa e 90.9 em Telêmaco Borba).
Gleisi, atualmente, conclui o mandato de deputada federal e concorre à reeleição. Ao mesmo tempo, concilia a Presidência do PT com a coordenação da campanha de Lula e, ainda, a própria campanha. “Tenho dito que quero me eleger para ajudar o Lula a reconstruir esse país e a governar, porque essa é minha missão”, defende. Segundo ela, o objetivo primordial é eleger deputada federal novamente, mas não nega que aceitaria um novo convite para ser ministra, diante da eventual eleição de Lula.
Com essa agenda lotada, ela afirma que sua principal dificuldade na campanha própria é caminhar pelo Paraná, porque tem que cuidar da campanha do PT em nível nacional e viajar por outros estados. “Acho que o pessoal compreende, porque me vê muito na ativa”, acrescenta.
A deputada federal considera Ponta Grossa muito importante em sua trajetória política, por ser uma cidade onde obteve expressiva votação quando concorreu ao Senado e pelas conquistas que ajudou a trazer para o município, especialmente sob o cargo de ministra, durante o governo do PT. Entre essas conquistas, a entrega de cerca de 18 mil unidades habitacionais, através do programa Minha Casa, Minha Vida. “Isso beneficia muita gente até hoje”, frisa. Além das casas, foram construídas UPAs e CMEIs, que eram grandes demandas da cidade.
A parlamentar destinou, do Orçamento de 2022, emenda para dois hospitais de Ponta Grossa. “Uma das coisas que mais faço com minhas emendas é atender à Saúde, porque acho que é onde temos mais demanda e necessidade. Foram R$ 300 mil para a Santa Casa e R$ 100 mil para o Bom Jesus”, cita. “Não tenho dúvidas de que, se estivéssemos no governo, teríamos uma política de estruturação dos hospitais, como tivemos lá, essa questão das UPAs. Era outra visão de saúde e de política pública. A UPA tem todos os recursos de um hospital, só que em tamanho menor”, emenda.
A presidente do PT fala que passa pelas análises dela e do candidato a presidente Luiz Inácio Lula da Silva tudo o que precisa ser repensado, na atual campanha, para repetir o êxito de campanhas de outrora. “Acho que não tem outra pessoa para sentar na cadeira da Presidência da República, para tirar o país da crise, que não o Lula. Bolsonaro não tem essa capacidade, porque nos meteu na crise que estamos. Os outros que estão disputando não conseguem mostrar para o país um projeto que seja diferente do que o Lula fala ou do que o Bolsonaro fala”, avalia.
Gleisi afirma duvidar que haja uma liderança política que tenha viajado mais pelo interior brasileiro do que Lula, a quem atribui ser o que mais conhece o Brasil. Segundo ela, nenhum outro presidente ou candidato conheceu tão de perto a realidade da população brasileira quanto Lula. “[Não há outro] que tenha pisado no chão que o povo pisa, visitado a comunidade indígena, quilombola, de sem-terra, visitado cidade pequena, comunidade carente. Duvido. Não tem. Foi Lula quem fez isso. Ele vem do povo, conhece a alma do povo, o sofrimento do povo”, reitera.
Por outro lado, Gleisi enfatiza que Lula também conhece a máquina estatal, pois governou por oito anos consecutivos e deixou o governo com 87% de aprovação popular (avaliação entre ótimo e bom). “A hora em que o Lula sentar naquela cadeira, ele não vai precisar conhecer a máquina pública para tomar decisão. Ele já sabe o que precisa fazer. Mas mais do que isso: já sabe onde acertou e onde errou”, pondera.
A retomada do crescimento da Economia só vai ocorrer se o Estado voltar a ser protagonista dos investimentos, na opinião da presidente do PT. “No momento de crise, o setor privado não investe. Nem tem tanto dinheiro para investir. O Minha Casa, Minha Vida, por exemplo, foi um projeto que deu certo porque o Estado entrou ajudando, com a Faixa 1, em que a pessoa paga cerca de R$ 20 por mês, foi o Estado que subsidiou. Esse subsídio foi um dinheiro que o Estado colocou na economia e que reverteu para a sociedade, gerou emprego e distribui renda. Reverteu, também, para tributos”, analisa.
Gleisi afirma que o PT planeja retomar o programa Mais Médicos. Segundo ela, ainda que o atual governo negue, o programa acabou. “Bolsonaro escurraçou os [médicos] cubanos daqui, diminuiu muito as vagas. Temos hoje, no Brasil, lugares que não têm médico de novo. Os distritos sanitários indígenas não têm médico, voltou a ter uma mortalidade infantil alta. Ponta Grossa foi um dos municípios que mais teve médicos do Mais Médicos: 60, com cubanos e brasileiros vindo para cá. Era interessante, porque o povo gostava muito dos cubanos, porque a formação em medicina dos cubanos é diferente”, observa.
Como o PT lida com a oposição
Um dos grandes desafios do PT na campanha pela retomada do poder é afastar a pecha que a oposição impôs ao partido de associação direta com a corrupção. “Primeiro: não temos nenhuma conivência com a corrupção. Nos nossos governos, investimos muito na transparência. Fizemos a Lei de Acesso à Informação, que o Bolsonaro acabou agora. Fizemos a Controladoria Geral da União (CGU) e fizemos o Portal da Transparência, onde estão todos os gastos, tudo o que acontece. Nunca tivemos nenhum problema de interferência na Polícia Federal, nem em investigações”, compara.
A parlamentar defende que quem pratica corrupção tem que ser investigado, processado e punido. “O que não concordamos é utilizar essa pecha da corrupção para fazer perseguição política, como aconteceu com o PT e com o Lula. Todos os processos contra o Lula foram anulados, ou porque não haviam provas ou porque houve excessos por parte da Procuradoria, da Polícia Federal, do juiz. Os processos foram manipulados e caíram todos”, emenda.
Contrária à ideia defendida pela oposição, de que Lula não seria inocente porque não foi julgado, é justamente por esse motivo que Gleisi reafirma a inocência do ex-presidente: não há nenhuma sentença com trânsito em julgado que o condene. “Os processos eram muito frágeis e partiam de vontade política. Deixaram o Lula preso 580 dias porque queriam humilhá-lo, ao deixar preso um ex-presidente, de quem não comprovavam o crime. Não tinha nem sido julgado e já foi preso”, critica.
Segundo ela, a imprensa investiu numa campanha difamatória contra o PT, ao estampar diariamente nas manchetes notícias sobre um desvio de R$ 6 bilhões da Petrobras. “Até hoje, isso não foi comprovado. Fizeram uma depreciação no ativo da Petrobras para justificar. Pegou-se o balanço contábil de um ano e se fez uma depreciação, para dar uma diferença para baixo para justificar isso. Um absurdo”, acusa.
“Engraçado que, só nesse primeiro semestre, a Petrobras vem pagando mais de R$ 160 bilhões de lucro para investidores privados. Virou uma empresa para dar lucro, cobrando um preço escorchante da gasolina e do diesel do povo brasileiro”, critica.
A crise no preço dos combustíveis só vai ser contornada se for “desdolarizada”, na opinião da presidente do PT, que considera absurdo o preço praticado pela Petrobras ser calculado em dólar, até mesmo do combustível produzido em solo nacional. Quanto ao combustível importado, ela concorda que o preço seja em dólar. Mas tem uma parte do combustível que produzimos aqui. Esse custo é em real. E nosso petróleo é barato. O custo do barril de petróleo extraído do pré-sal é muito baixo, quase que o custo da Arábia Saudita. Por que dolarizamos o combustível produzido para ser consumido internamente?”, questiona.
Por um lado, eleitores simpáticos a Bolsonaro dizem que “não é culpa dele o preço da gasolina” – os mesmos que, há quatro anos, apoiaram a greve dos caminhoneiros, que tinham o argumento contrário em relação à responsabilidade da Presidência. De outro, Gleisi alega que, nos oito anos de mandato de Lula, a gasolina teve apenas oito reajustes módicos, um ao ano, e que o gás de cozinha teve pouca ou nenhuma alteração de preço, estacionado entre R$ 35 a R$ 40 o botijão. “Porque tinha uma política de preços e você podia mediar com o mercado internacional. Isso é uma decisão. Essa política de dolarização foi feita com o Pedro Parente, quando o Temer assumiu, porque eles queriam otimizar lucro”, argumenta.
Segundo a presidente do PT, a atual gestão quer transformar a Petrobras em um mero escritório que visa lucro. “Em vez de ser uma empresa que sirva ao povo brasileiro, produzindo petróleo barato para gerar combustível barato, virou uma distribuidora de lucro. Venderam refinaria, vão vender a Repar, venderam o gasoduto, venderam a Fafen, que era uma fábrica de fertilizantes”, acusa.
Investimentos e estabilidade
Gleisi justifica que os investimentos que o governo do PT fez em países como a Venezuela e Cuba são comparáveis a investimentos que outros países, como os Estados Unidos, fazem no Brasil, em termos de infraestrutura, por exemplo. E, sob a ótica da presidente do partido, é um investimento com retorno, pois o Brasil estava exportando um serviço e o país estava formando um dos maiores parques de empresas de construção do mundo. “Fico me perguntando por que a Lava Jato veio exatamente para atingir as grandes empreiteiras, que empregavam muita gente e fizeram muitas obras no Brasil e que estavam fazendo muitas obras no exterior”, questiona. “Aliás, tinha empresa brasileira contratada nos Estados Unidos”, emenda.
Na visão dela, é importante que o país tenha grandes empresas em vez de apenas exportar commodities.
A deputada federal afirma que o empresário depende de estabilidade e que o governo do PT propiciou isso a ele, pois não se via oscilação de inflação e de juros. Da mesma forma, o empresário precisa que o governo tenha credibilidade entre os outros países. “Também precisamos de uma política de financiamento para as empresas e o BNDES é o banco que foi criado por Getúlio [Vargas] para isso, para ser um banco de fomento, não só para grandes empresas. Temos que fazer isso, principalmente, para o pequeno e médio empresário, que é quem mais emprega no país: ter uma política dirigida ao pequeno e médio empresário, para dar sustentabilidade aos negócios”, ressalta.
O rótulo “comunista” que a oposição costuma atribuir ao PT, segundo Gleisi, talvez se origine do fato de que o partido defenda os interesses da classe trabalhadora. “O PT nunca aderiu à política comunista, nunca teve nos seus estatutos e na sua carta-programa referência ao comunismo. O PT é um partido que nasceu da luta dos trabalhadores brasileiros, dos pequenos agricultores, de funcionários públicos, de intelectuais, do povo da cultura. Nasce dessa diversidade e da necessidade de termos um olhar para o país que fosse o olhar que o povo tivesse abrangido na política pública. A primeira vez que o pobre é objetivo de política pública foi no governo Lula, que tratou a fome como algo a ser combatido pelo Estado e não pela assistência”, enfatiza. Gleisi critica o fato de que o país voltou a figurar no “mapa da fome”, com 33 milhões abaixo da linha da pobreza e outros milhões com insegurança alimentar, tendo que reduzir o número de refeições por dia ou sem condições de se alimentar regularmente, com dignidade.
Ainda que o PT tenha perdido apoio no setor agrário que, em grande parcela, se rendeu ao bolsonarismo, Gleisi assegura que a sigla pode conversar com muita tranquilidade tanto com o grande quanto com o pequeno produtor, porque considera que o governo PT melhorou as condições do grande agricultor exportador, do médio produtor e do agricultor familiar. “Quando Lula entrou, renegociou R$ 80 bilhões de dívidas que os agricultores tinham e ninguém antes quis renegociar”, aponta. Ela atribui ao ex-presidente também a criação do Plano Safra e a concessão de crédito a juros muito baixos, a fim de dar condições de modernizar o campo e abriu o mercado para a Ásia.
“Lula também foi muito responsável na questão ambiental, para que tivéssemos credibilidade internacional, porque, para produzir, não precisa desmatar tudo, por isso, implantamos uma política ambiental”, diz. Gleisi critica os setores da agricultura – que ela reitera não serem todos que pensam assim – que acreditam que a agricultura deve ser um “deixe fazer” ao apontar que, se na Europa, por exemplo, forem até a margem do rio para plantar, aqui não precisaria ser diferente. “A cabeça ainda é atrasada. Não pode porque vai dar errado, vai dar ruim para todo mundo”, diz.
Segundo ela, essa debandada de apoio do setor agro vem da crença de que Lula exerceu maior ingerência no manejo da propriedade privada em relação à questão ambiental. “Mas foi também isso que nos certificou para sermos grandes exportadores”, pondera.
Governabilidade e concessões
A presidente do PT enfatiza que o Legislativo é um dos três poderes e que os parlamentares, tal qual o Executivo, são eleitos pela vontade do povo. Na visão de Gleisi, mesmo que não se nutra simpatia por um ou outro deputado, é necessário dialogar com ele, pois alcançou aquele posto pelo voto. “Ele está ali, legitimado, pelo voto, não foi nomeado. Você tem que tratar com respeito e tem que saber os limites da negociação”, avalia.
Ela considera que Dilma Rousseff era “muito dura” com o parlamento e tinha dificuldade em negociar e fazer concessões, ao passo que Bolsonaro seria condescendente. “Como ele não tem projeto para o país, nem capacidade de negociar, ele cede em dinheiro e em cargo. O Lula tinha capacidade de negociar e de fazer composição. Primeiro, se você ganha numa aliança de partidos e numa coalizão, você tem que governar em conjunto, porque, se eles foram bons para te eleger, tem que ser bons para ajudar a governar”, argumenta.
Candidatura de Requião
Dissidente do MDB, após décadas, o ex-governador Roberto Requião se filiou ao PT e é o candidato da legenda para o governo do Estado do Paraná. Questionada sobre o motivo de o partido não definir alguém que já era da base, como seu representante, Gleisi justifica que não houve preparação de nenhum quadro para disputar o governo estadual entre os filiados mais conhecidos, como ela própria ou Zeca Dirceu ou Ênio Verri. “Qualquer um de nós que fosse lançado ao governo teria muita dificuldade, porque não nos preparamos para isso, e tiraríamos gente que pode ajudar na chapa de federal”, sustenta.
“Requião sempre foi um companheiro, de muitas caminhadas. Estava descontente com o MDB. Ele sempre foi muito leal ao MDB e o MDB não foi leal com ele. O convidamos para o PT e perguntamos se ele topava esse desafio”, enaltece.
Confira a entrevista de Gleisi Hoffmann na íntegra: