É eleito através de votos não impressos, depositados em urnas eletrônicas não auditáveis, surfando em um tsunami anti-esquerda, inaugurado no movimento das placas da Lava Jato. Uma grande aliança político-econômico-jurídico-midiática permite que a crista siga alta por anos, possibilitando a ascensão de um projeto de poder extremista que, talvez com exceção do campo econômico, atingiria todas as demais áreas no futuro, de um jeito ou de outro.
Com a posse, em janeiro de 2019, acelera-se o processo de ataque às instituições que garantem minimamente o Estado Democrático de Direito e que se constituem em obstáculos a serem superados na caminhada rumo à consolidação de seu projeto de porteiras abertas, em direção à construção de um Estado autoritário-religioso.
As universidades, o terceiro setor, a cultura, o poder judiciário, a imprensa e antigos aliados se transformam, do dia para a noite, em alvos a serem enfraquecidos, abatidos e, se possível, aniquilados.
Em paralelo, um grande número de militares de alta patente — filhos, netos, parentes e seguidores de expressivos representantes da ditadura militar que imperou no Brasil entre 1964 e 1985 — são alçados a cargos estratégicos no governo. A “ABIN paralela” é apenas um dos inúmeros paralelismos construídos durante os anos de governo Bolsonaro.
Reforçando os sinais de proximidade com os militares, a participação em cerimônias de formaturas militares — sejam de tropas federais ou estaduais — era pauta permanente em suas agendas: formaturas de Guardas-Marinha da Escola Naval, de sargentos da Aeronáutica e da Marinha, de paraquedistas, de aspirantes a aviadores, enfim, uma infinidade de eventos de relacionamento com diversas tropas em todo o território nacional.
O caminho para um possível pedido de impeachment é fechado com uma enorme porta secreta, chamada orçamento. Renuncia-se à prerrogativa de financiar políticas públicas que poderiam melhorar a vida das pessoas em troca de tranquilidade para fortalecer o seu projeto fascista de poder. Boa parte dos nobres parlamentares embarca nessa historinha de Branca de Neve e os Sete Anões.
Mas, antes mesmo do meio do mandato, percebe-se que sua incompetência pode fazer com que lhes escape pelos dedos a oportunidade mais próxima de reestabelecer o regime militar no País — desta vez com apoio próspero do neopentecostalismo. Então, reforçam o ataque às urnas e ao sistema eleitoral. Sim, o mesmo sistema pelo qual se elegeram pouco tempo atrás. Começam a plantar a semente da ruptura em caso de uma derrota iminente de seu projeto. Derrota que chega nas urnas.
O silêncio teatral e o recado para que os fanáticos golpistas aguardassem 72 horas — pois algo ocorreria — começa a circular pelo País. Os acampamentos em frente a unidades militares são reforçados com financiamentos que vão além das “vaquinhas”. São rebanhos vendidos para garantir a estrutura golpista.
Políticos — talvez muitos deles financiados por caixa dois dos mesmos patrocinadores dos acampamentos e paralisações de estradas — se reúnem com o presidente derrotado, o único a não se reeleger desde a redemocratização. Saem de lá com recados a serem levados aos seus estados.
Chega o dia 12 de dezembro. O ensaio é realizado: bomba no aeroporto de Brasília, invasão da Polícia Federal, quebra-quebra, incêndios. Preparativos para o dia 8 de janeiro.
Já com o derrotado tendo fugido para a terra dos ratos — Mickey e Minnie —, uma horda invade as sedes dos três poderes e comete os atos que vimos nas imagens veiculadas por toda a imprensa e pelas redes sociais, sem IA nem edição.
A tentativa de golpe contra o Estado Democrático de Direito foi, sim, planejada, comandada e financiada. Portanto, assegurado um julgamento justo — como não lhes agrada ao outro —, todos os autores, intelectuais e físicos, os financiadores, os estimuladores e os realizadores devem pegar cana. E anistia é o escambau. 8/1 foi golpe.
Oliveiros Marques é sociólogo, publicitário, empresário e comunicador político