há 4 horas
Redação

No último fim de semana, circulou pelas redes sociais um vídeo em que alunos de uma escola estadual do Paraná marchavam em uma quadra de esportes entoando cantos do Batalhão de Operações Especiais da Polícia Militar, o BOPE. “Homem de preto, qual é sua missão? Entrar na favela e deixar corpo no chão”, gritavam, em coro, meninos e meninas de 15 e 16 anos de uma escola pública. Tudo dirigido por um policial militar que, do centro da quadra, coordenava a cena como se fosse um ensaio. Mas não era. Era a naturalização da morte apresentada como disciplina, como civismo, como “formação de caráter”.
O que está em jogo ali não é apenas um episódio isolado de mau gosto pedagógico. É o estímulo à violência e a difusão de uma cultura de ódio contra seus semelhantes. Muitos daqueles estudantes vivem justamente nas regiões que esses batalhões consideram “favelas onde se pode entrar e deixar corpos no chão”. É isso que os filhos de trabalhadores e trabalhadoras estão aprendendo dentro das escolas chamadas de cívico-militares Brasil afora. O caso do Paraná, longe de ser exceção, é um exemplo trágico de crianças e adolescentes sendo ensinados a coisificar a vida - inclusive a sua própria, quando uma operação como a que ocorreu no Rio de Janeiro, deixando mais de uma centena de mortos, “invadir” o seu bairro.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) não deixa margem para ambiguidades quando trata do papel da escola na formação cidadã. Embora a expressão “discurso de ódio” não apareça literalmente no texto legal, seus princípios são cristalinos: a educação brasileira deve promover o respeito à diversidade, a tolerância, os direitos humanos e a convivência democrática. A escola não é - e nunca poderá ser - um espaço para disseminação de intolerância, discriminação ou violência travestida de disciplina.
Ao contrário: a LDB determina que o ambiente escolar seja orientado por valores éticos, pela igualdade de direitos e pelo combate a qualquer forma de preconceito. Ensinar, encenar ou legitimar cânticos que cultuam ódio, segregação ou desumanização, o racismo territorial não é apenas uma distorção pedagógica grave; é uma violação direta da legislação educacional brasileira e dos compromissos mínimos de um Estado democrático.
Em um país marcado por desigualdades profundas e por ciclos de intolerância que se alimentam de desinformação, é essencial reafirmar o papel civilizatório da escola. A LDB impõe à educação a missão de formar cidadãos capazes de viver em sociedade, respeitar diferenças e participar da vida democrática com responsabilidade. Isso significa que educadores - e aqui incluímos quem é autorizado a entrar em sala de aula, com farda ou não - devem atuar como mediadores do diálogo e do pensamento crítico, não como propagadores de discursos que dividem, ferem e desumanizam. Defender que escolas possam “ensinar” ódio é negar a própria função social da educação. Se a escola existe para ampliar horizontes, fortalecer a cidadania e construir pontes entre diferentes, ela não pode, por coerência e por lei, ser usada como trincheira da intolerância.
Diante disso, é impossível aceitar a inércia institucional. Se o Ministério Público não pode - ou não quer - agir de ofício para enfrentar de uma vez por todas esse projeto, questionando sua legalidade e constitucionalidade, restará à instituição a marca da cumplicidade com um projeto fascista de sociedade que está sendo gestado. A história de Hitler e Mussolini nos ensina, com letras escritas em sangue, que é a partir da educação que esses movimentos se erguem e se consolidam. A bola está com o Ministério Público: ou cumpre seu papel de guardião da ordem jurídica e dos direitos das crianças e adolescentes, ou será lembrado como espectador omisso de mais um capítulo sombrio da nossa história.
Oliveiros Marques é sociólogo, publicitário e comunicador político
*Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do Portal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos termos e problemas brasileiros e mundiais que refletem as diversas tendências do pensamento