Os primeiros processos de distribuição de terras públicas na região de Ponta Grossa ocorreram em torno de 1704. Eram as terras das Sesmarias, um arbitrário sistema português de ocupação territorial. Contudo, as Sesmarias somente distribuíam terras a cidadãos portugueses que moravam no Brasil. As primeiras glebas obtidas por estrangeiros (brasileiros!) ocorreram em 1808 com a vinda de Dom João VI ao Brasil. Estas terras foram requeridas inicialmente pelo Capitão Mor Pedro Taques de Almeida Filho (LANGE, 1998, p. 25). A história de Ponta Grossa já pode ser contada a partir deste momento.
Contudo, o que se festeja neste momento é o aniversário (do bicentenário) da transformação do desconhecido povoado de Ponta Grossa, cujos habitantes não superavam 800 pessoas, para a condição de Freguesia de Ponta Grossa, que ocorreu em 1823. Sete anos após obter a categoria de Freguesia, Ponta Grossa, em 1830, chegava a 2.079 habitantes. Deste número de habitantes 1528 eram brancos, 373 escravos e a população de negros e pardos chegava a 128. À medida que os donos das terras prosperavam, aumentava o número de escravos negros comprados (CHAMMA, 1988, p. 22). Assim, a data de 15 de setembro de 1823 marca a passagem de Ponta Grossa à condição de freguesia. A palavra freguesia se origina da expressão latina filium ecclesiae ou filho da igreja, em razão de representar para a história eclesiástica e também para a história política de Portugal a menor divisão administrativa.
Cabe lembrar que a passagem de Ponta Grossa da condição de povoado para a de Freguesia ocorreu no período do Estado Imperial (1808-1889) e sob o governo de Dom Pedro I. Esta clivagem é interpretada como a fundação da cidade de Ponta Grossa, uma vez que ocorreu mediante um Decreto de Dom Pedro I (Decreto nº 15 de 15 de setembro de 1823). Houve, pois, um desmembramento do povoado por ordem imperial (da Vila de Castro) dando origem à Freguesia de Sant’Ana de Ponta Grossa (GOIRIS, 2013, p. 128).
Dois acontecimentos fundamentais balizaram o surgimento da freguesia de Ponta Grossa em 1823: a construção da Capela sob a invocação de Nossa Senhora de Sant’Ana e a nomeação de um Juiz de Paz (autoridade encarregada, essencialmente, do Registro Civil das Pessoas Naturais e da celebração de casamentos civis). Passaram-se 32 anos para que, em 1855, a Freguesia de Ponta Grossa fosse elevada à condição de Vila, desmembrando-se de Castro, desta vez sob o governo imperial de Dom Pedro II (1840- 1889). Já na condição de Vila, Ponta Grossa teve, em 1855, apenas 25 eleitores que reuniam as condições exigidas pelas leis eleitorais do império. Era o período do voto censitário, conservador e não democrático. O cidadão, para ter direito ao voto, tinha que pagar censo, ou seja, imposto e a sua renda anual deveria aproximar-se de 200 mil réis. Esta esdrúxula condição eleitoral foi a responsável por manter por longo tempo (mais de um século e meio) a dominação política e econômica nas mãos de uma mordaz oligarquia latifundiária.
Saliente-se que Dom Pedro II visitou a Vila de Ponta Grossa em 1880 juntamente com sua esposa Dona Tereza Cristina. Na Princesa dos Campos o anfitrião do casal foi o Major Domingos Ferreira Pinto que, pela sua hospitalidade, recebera o honroso título de Barão de Guaraúna. A passagem para o status de Vila foi o segundo passo para a emancipação política. O Decreto correspondente foi assinado pelo Presidente da Província do Paraná Zacharias de Góes e Vasconcelos. Uma rua da cidade, localizada no bairro de Uvaranas, leva, com toda inteireza, este nome.
O terceiro e último passo para a emancipação política definitiva ocorreu em 1862 quando a Vila de Ponta Grossa passa a ser designada como Cidade de Ponta Grossa (Lei nº 82 de 24 de março de 1862) sob o mandato de Dom Pedro II. Três anos depois, em 1865, iniciava-se a Guerra do Paraguai (1865-1870), em que ponta-grossenses foram alistados como voluntários. Chamma (1988) assinala que a primeira escola particular a receber licença para seu funcionamento, em 1866, em Ponta Grossa, foi a de Zulmira Maciel, em sua própria casa. O povoamento dos Campos Gerais começou, pois, com os portugueses, inclusive porque vigoravam os sistemas lusitanos das Sesmarias e das Capitanias hereditárias. Por volta de 1835 iniciou-se a emigração dos germânicos e depois em 1870 dos poloneses.
O que se festeja hoje é a clivagem sociológica e jurídica de um povoado incrustado nas imensas selvas dos Campos Gerais para a condição de Freguesia. As freguesias já foram criadas pelos portugueses na Bahia, ainda no século XVII, e visavam o povoamento do território brasileiro. No Paraná, as freguesias tinham outro objetivo, que era servir de descanso aos tropeiros que chegavam pelo caminho das tropas. Esta clivagem para a condição de Freguesia, ocorrida em 1823, representou não apenas um momento fundacional, mas, um importante primeiro passo para a emancipação política do município e, em seu sentido lato, para a própria liberdade.
Bibliografia:
LANGE, F. L. P. Os Campos Gerais e sua Princesa. Curitiba: Copel, 1998.
CHAMMA, G. Ponta Grossa. O povo, a cidade e o Poder. Ponta Grossa: PMPG, SMEC, 1988.
GOIRIS, F. A. Estado e Política. A história de Ponta Grossa, Pr. Ponta Grossa: Editora Planeta, 2013.
* Fábio Anibal Goiris é professor da UEPG, graduado em Direito, Mestre em Ciência Política pela UFRGS e autor do livro: Estado e Política. A História de Ponta Grossa, PR.