É consenso entre entidades médicas e de saúde pública, nacionais e internacionais, que a imunidade de uma pessoa após tomar a vacina contra a Covid-19 não pode ser facilmente avaliada.
No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) já alertou a população que testes sorológicos não têm a finalidade de atestar imunidade, posicionamento compartilhado pela Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm) e pela Associação Médica Brasileira (AMB). Nos Estados Unidos, o Food and Drug Administration (FDA), órgão regulatório equivalente à Anvisa, explicou que são necessários mais estudos para avaliar a imunidade de indivíduos vacinados.
Mas por que não podemos avaliar a imunidade de uma pessoa, mesmo ao medir a quantidade de imunoglobulinas IgG e IgM do organismo, ou seja, o número de anticorpos?
“As vacinas não induzem um único tipo de resposta”, explica a diretora do Centro de Desenvolvimento e Inovação do Butantan, Ana Marisa Chudzinski. Existem dois tipos de respostas imunológicas: a humoral e a celular. Os anticorpos humorais são a primeira resposta do corpo ao receber um imunizante ou quando entramos em contato com um patógeno. Eles ficam elevados após a vacinação porque o sistema imunológico foi acionado para produzir anticorpos capazes de combater a ameaça que entrou no organismo – no caso da vacina CoronaVac, o vírus SARS-CoV-2 inativado, ou seja, morto, que é incapaz de fazer mal.
Depois de algum tempo, é natural que o número de anticorpos caia e fique em um nível basal, porque a ameaça já não existe mais. Portanto, não é necessário ter o anticorpo circulando no corpo. “É normal o IgG baixar depois da vacina. Ela causa uma elevação na hora da imunização, pois está mimetizando uma infecção, e depois cai, porque não adianta ficar produzindo um monte de anticorpo se eu não tenho nenhuma infecção”, completa a diretora do Laboratório de Biotecnologia Viral do Butantan, Soraia Attie Calil Jorge.
A resposta imunológica pode manter uma espécie de lembrança que guarda na “memória” do sistema todos os vírus e bactérias com os quais o corpo já entrou em contato. É a partir dessa “recordação” que o corpo consegue gerar anticorpos se o vírus ou bactéria aparecer novamente no futuro. “Se mais tarde você tiver contato com o organismo patogênico, o seu corpo vai responder e te defender”, completa Ana Marisa.
Os testes sorológicos não são capazes de passar um retrato fiel de todas as capacidades de resposta do corpo para se defender da Covid-19. As células de memória, por exemplo, não são avaliadas nesses exames. Além disso, ele mede os anticorpos como um todo, sem distinguir os anticorpos neutralizantes – que são os únicos efetivos no combate ao patógeno.
A Covid-19 é uma doença nova, e ainda não se sabe como é a proteção das vacinas contra a doença no longo prazo, ou seja, como a resposta celular atuará no futuro. “Dosar se eu tenho 1, 10, 50, 100% de anticorpos não é conclusivo para dizer se uma pessoa está imunizada ou não. O número de anticorpos vai cair, mas é a memória que interessa”, diz Ana Marisa.
Mais urgente do que saber quantos anticorpos cada um tem, é vacinar a população para que o vírus pare de circular. Afinal, a vacinação é um ato coletivo, não individual. “A grande preocupação é imunizar todo mundo imediatamente, o mais rápido possível”, completa a cientista.