Quinta-feira, 21 de Novembro de 2024

Coluna Draft: ‘A noite da alma: e se Deus não estiver nos ouvindo?’, por Edgar Talevi

2024-11-12 às 17:29
Foto: Freepik

Laconismo é o termo que remete à capacidade de ser breve e conciso na comunicação. Isso teve origem na região da Lacônia, na Península do Peloponeso, onde se localizava Esparta. Os espartanos eram conhecidos por usarem poucas palavras em suas conversas, cada vez mais raras no dia a dia da época e região.

Esse fato nos remete, de modo metafórico, aos dias atuais, em que a humanidade está sedenta por alguma resposta divina, alguma intervenção, seja qual for, presumindo, de modo errôneo e açodado, que Deus é lacônico, não direcionando mais seus cuidados para com a humanidade.

Para entendermos essa lamúria, basta observarmos a contingência da resolução do cenário Pandêmico, que vitimou mais de 600 mil vidas somente no Brasil. Para além da COVID-19, registros históricos dão conta de milhares de vidas perdidas pelas epidemias que assolaram comunidades, países e povos em toda a Terra. Não faltam exemplos, tais como a peste bubônica, no continente europeu, no século XIV, em que, segundo algumas estimativas, matou cerca de 1/3 da população europeia. Mais recentemente, a gripe espanhola, também conhecida como gripe de 1918, que foi vasta e mortal, infectando cerda de 500 milhões de pessoas.

A Segunda Guerra Mundial é outro exemplo, com a morte de milhões de judeus, por meio do holocausto e a imposição de um regime sectário, extremista e racista, conhecido como Nazismo. A Pandemia de gripe A, de 2009 dentre outros grandes tormentos enfrentados pela humanidade no decorrer dos anos também engrossam a lista de sofrimento que acomete o ser humano.

As religiões buscam, cada uma dentro de seu espectro doutrinário, propiciar um alívio através de mensagens que ressignifiquem a vida e permitam o entendimento das razões por que sofremos. Afinal, pensamos nós: e se Deus não estiver nos ouvindo? Por que oramos, rezamos, exercitamos uma crença se, ao final de tudo, o destino é sempre a morte e o sofrimento? Como explicar o sentido da superficialidade e fugacidade da vida?

A resposta não será científica nem corporeificada por doutrinas absolutas, pois o pensamento religioso e teológico não é uma ciência exata, mas determinado por constantes evoluções e revelações, a que os teólogos chamam de “revelação epigenética”, modelo pelo qual aprendemos sobre eventos espirituais com o passar dos anos e das eras.

Mas, na busca pela verdade, as Escrituras Sagradas nos apontam direcionamentos que revelam o sentido de nossa existência, bem como despertam para a tomada de decisão frente aos desafios do existir.

Em primeiro lugar, a culpa pelos problemas por que passa a humanidade é absolutamente natural do próprio homem. O apóstolo Paulo, ao escrever aos Romanos, no trecho que compreende o capítulo 8, versículo 22, afirma: “Porque sabemos que toda a criação, a um só tempo, geme e suporta angústias até agora”. Isso evidencia que, pela ação do homem, toda a Terra vive em assolação.

Comprova-se isso pela cotidiana corrupção humana quanto aos desvarios contra a natureza. A poluição crescente nos nichos urbanos, provocando enchentes e doenças infectocontagiosas, a violação do habitat dos animais, com o avanço das cidades sem planejamento, ocasionando doenças zoonóticas, o aquecimento global, que propicia o surgimento de fenômenos metereológicos, como “El Niño” – caracterizado pelo aumento da temperatura das águas do oceano -, além da diminuição dos mananciais, extinção de espécies, erosões, mudanças climáticas diversas, destruição da camada de ozônio, chuva ácida e tantas tragédias que são promovidas pela ação humana e sua aventura autofágica que gera perturbação na natureza e provoca tragédias e mortes.

Grande parte do sofrimento humano poderia ser evitado pela ação do homem no cuidado e na mordomia de seu lugar no mundo. O desenvolvimentismo, por sua vez, obsta todo esforço e torna o discurso ecológico trivial no meio social, econômico e político internacional. O certo é que não legamos uma Terra habitável para nossa posteridade.

Entrementes, no plano da saúde pública, o negacionismo toma conta de discursos apaixonados contra as vacinas que ajudaram a erradicar doenças e compõem o cabedal dos maiores avanços da medicina e da ciência no mundo. Doenças evitáveis por meio de vacina são toleradas em prol de posicionamentos políticos incoerentes com a produção de conhecimento acadêmico.

Se todos esses fatores supracitados fossem postos à prova, o ser humano entenderia que ele é o principal motivo de suas dores e sofrimento. Entretanto, ainda há outro caminho a ser compreendido quando o assunto é a presença de Deus no decorrer da história.

Sempre que ouvimos falar de eventos catastróficos, sejam naturais, políticos ou sociais, pomos à prova a existência de Deus e sua participação no enredo da história.

Vale observar que Deus jamais esteve à parte. Não há momentos em que não houvesse caminhos de retorno onde o mal tenha avançado. Em todos os cenários caóticos, sempre houve um escape.

Nas Escrituras Sagradas, no livro de Jó, salta aos olhos o sofrimento de sua principal personagem, perdendo seus bens, filhos e saúde. Mas, ao término do tempo de sua provação, Jó pôde contemplar sua existência no plano espiritual ao afirmar: “Eu te conhecia só de ouvir, mas agora meus olhos te veem”. (Jó 42:5). Jó entendeu que o processo de sofrimento ao qual fora submetido desenvolveu um conhecimento muito mais abrangente sobre Deus do que as letras haviam ensinado. Deus é, portanto, pedagógico.

C. S. Lewis, escritor, ex-professor da Universidade de Cambridge, apologeta cristão, em sua obra “O problema do sofrimento”, ensina que “O sofrimento é o megafone de Deus para um mundo ensurdecido”. Na mesma obra, ainda afirma: “Deus nos sussurra em nossos prazeres, mas brada em nosso sofrimento”.

Seguindo a lógica do autor, Deus permite o sofrimento de modo a elevar o espírito humano e permitir crescimento. Somos totalmente adaptáveis à nossa realidade exterior, o que significa que, em momentos de provisão e alegria, dificilmente nos voltaríamos ao transcendente. O sofrimento, portanto, surge como instrumento de produção de musculatura espiritual, sem a qual a existência se torna insípida e insuportável.

Deus usa as mãos humanas e a própria ciência, notadamente, para nos reservar a fuga de nosso sofrimento. Durante a catástrofe do Nazismo, Dietrich Bonhoeffer se opôs a Hitler, trabalhando na “ilegalidade” da igreja confessante, ajudando judeus a fugirem para a Suíça. Como se vê, Deus operou por meio de um homem comprometido com a vida e os valores cristãos.

Hoje, a ciência, por meio das vacinas, é um caminho pelo qual Deus trabalha pela humanidade, compondo, com o homem, o trajeto para o fim da Pandemia. Infelizmente, ensurdecidos pelo egocentrismo, deixamos de ouvir o que Deus nos fala, porque imaginamos alguma magia que transponha os limites do humano.

Com Bonhoeffer também aprendemos que Deus não é “ex machina”, o que significa literalmente que Ele surgiria como uma máquina, com soluções inesperadas, mirabolantes e improváveis, como um enredo de ficção, em que o homem pouco tem relação com os eventos exteriores. Seria fácil crer assim, mas não é a verdade. Não estamos robotizados, portanto, somos responsáveis pelo nosso sucesso. Acreditar que, para conseguir êxito na vida profissional, bem como obter vantagens financeiras dependemos exclusivamente da operação de um milagre é desconsiderar a responsabilidade humana. Não podemos barganhar com alguém que não precisa de nada. Deus é completo em sua infinitude.

Seja qual for o sofrimento ao qual estejamos submetidos, haverá caminhos. Nem sempre serão planos, pois acidentadas são as superfícies que nos levam a crescer. Porém, em meio ao surto de desespero em um mundo iludido pelo ego e orgulho, podemos encontrar alívio na certeza de que não estamos sozinhos. Aquele que, conforme revelado no Salmo 139, tudo vê, tudo perscruta e tudo conhece, permitirá o salvamento de nossas atitudes contra a humanidade, a partir do momento em que nos rendermos à necessidade de conversão às nossas responsabilidades e à verdade de que nada podemos contra nossos próprios limites.

É, portanto, das Escrituras Sagradas que nos vem a mais esplêndida esperança: “Sabemos que todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus” (Romanos 8:28).

Coluna Draft

por Edgar Talevi

Edgar Talevi de Oliveira é licenciado em Letras pela UEPG. Pós-graduado em Linguística, Neuropedagogia e Educação Especial. Bacharel e Mestre em Teologia. Atualmente Professor do Quadro Próprio do Magistério da Rede Pública do Paraná, na disciplina de Língua Portuguesa. Começou carreira como docente em Produção de texto e Gramática, em 2005, em diversos cursos pré-vestibulares da região, bem como possui experiência em docência no Ensino Superior em instituições privadas de Ensino de Ponta Grossa. É revisor de textos e autor do livro “Domine a Língua – o novo acordo ortográfico de um jeito simples”, em parceria com o professor Pablo Alex Laroca Gomes. Também autor do livro "Sintaxe à Vontade: crônicas sobre a Língua Portuguesa". Membro da Academia Ponta-grossense de Letras e Artes. Ao longo de sua carreira no magistério, coordenou inúmeros projetos pedagógicos, tais como Júri Simulado, Semana Literária dentre outros. Como articulista, teve seus textos publicados em jornais impressos e eletrônicos, sempre com posicionamentos relevantes e de caráter democrático, prezando pela ética, pluralidade de ideias e valores republicanos.