Domingo, 17 de Novembro de 2024

Coluna Draft: “Estamos em crise?”, por Edgar Talevi

2021-09-01 às 09:13

“A Democracia é a pior forma de governo, com exceção de todas as outras“. Winston Churchill arguiu com excelência a respeito da irretratável e irrevogável legitimidade da representação popular.

Em essência, a democracia é a afirmação da dialética do plural, da diversidade, da afirmação das minorias tão ultrajadas pelo preconceito de quem não aceita a equidade e a existência do outro. O próprio conceito do termo implica reflexão acurada, crítica e metódica a fim de dirimir equivocidades e dissipar meias verdades.

Não obstante, tantos achaques, ataques e chicanas lançam setas que viralizam no seio dos déspotas párias que chafurdam às margens das sujidades da corrupção e fome de poder, pois pragmáticos, fisiológicos e parasitas do sistema que são, lançam mão de artifícios estapafúrdios que desviam da sensatez muita gente do bem.

Nas palavras de Bertolt Brecht, “Que tempos obscuros são estes em que precisamos defender o óbvio?”. De fato, a democracia é frágil e necessita de constantes aperfeiçoamentos, mas isso deve ser feito por ela mesma a si própria, não por força de ilações, ilícitos e de vícios de inconstitucionalidades.

Defender a democracia é dever inegociável e inseparável do bom senso e da física social. Destarte, há que se considerar que arroubos autoritários surgem e urgem ecoando por entidades profissiográficas antiéticas e bajuladoras da sanha pornográfica e afrodisíaca dos ventos totalitários.

Mas, perceba, o prezado leitor, que houve um tempo em que brasileiros, sôfregos, não continham em si o lamento das desigualdades, tampouco a falta de liberdade inerente à repressão de uma época de torturas e agravos quanto à democracia. O regime militar, período que marcou a história brasileira com multifacetadas mazelas relacionadas ao descortino do autoritarismo no Brasil, abriu uma oportunidade sui generis de o povo aprender o significado de viver uma crise e empunhar bandeiras de luta, seja isso através do diálogo ou manifestações públicas de não aceitação das censuras e fétidas tralhas de um sistema corrupto e ameaçador.

Estudantes validaram o sentido da cidadania ao arriscar gritos de liberdade dentro das universidades. Intelectuais desvendaram caminhos para que a sociedade percebesse a ignorância da alienação. Artistas, censurados, corromperam, no melhor sentido do termo, a arte, servindo de vanguarda à experiência da liberdade. Trabalhadores uniram-se nas paralisações, na esperança de que um dia o trabalho se tornasse digno. A nação brasileira, desde então, viu nascer um horizonte de perspectivas.

Infelizmente, o lado dos que apostavam na transformação ideológica do brasileiro, fracassou. Estamos em meio a tantas crises e um estranho efeito “anestésico” parece tomar conta de nossa mente, causando absorto torpor.

Episódios como o “Fora Collor” e o impeachment da Presidente Dilma Vana Rousseff, falsamente atribuídos ao povo, criaram em nós o estigma da pseudodemocracia, em que erroneamente pensamos ter sido uma prova de força popular, mas não passou de “estratégia” partidarista e política. Desde então, mais e mais nos escondemos de nós mesmos, inferindo-se no plano social uma ideia de que somos uma nação comovida e alerta em relação às crises que nos cercam, sejam elas ético-políticas ou de cunho econômico.

A palavra crise, em última análise, significa desespero, indignação, movimento interior contrário. Estar em crise, portanto, evidencia um estado de espírito perplexo, reflexivo, arbitrário e acima de tudo libertário.

Não se pode estar em crise e ao mesmo tempo esgueirar-se de responsabilidades sociais como se tal crise não houvesse rompido a consciência do dever e da cidadania. A cada anúncio de corrupção, roubos, anomalias no sistema econômico e político do Brasil, engrossamos a fila da passividade a tal ponto de estarmos alienados e corroborando com tudo o que rezam os ditames.

Os estudantes, ávidos pelas “decorebas” para o vestibular, mal entendem o sistema político brasileiro. Vários intelectuais cederam à tentação de posições político-partidárias como fonte de inspiração ideológica. Muitos trabalhadores desconhecem e milhares aceitam as injustiças por que passam todos os dias. Estamos, de fato, incrédulos e atônitos em um mar de corrupção e cumplicidade com o erro.

A crise tomou conta da política, do fazer política, da democracia, das ruas, das universidades, do Brasil. Mas tristemente reconhecemos que esta crise não nos afetou. Estamos inertes, inseridos e pertencentes ao que melhor espelha a alienação e o comodismo.

Não há gritos nem rumores de que uma transformação ocorra em breve. Talvez possamos creditar às próximas eleições uma nova oportunidade de manifestar desejos de mudança. O problema é saber se o voto será instrumento de cidadania ou mais uma vez de manutenção de status quo.

Em meio a tantos apelos para deixar tudo como está, o brasileiro vê-se politicamente correto, sem procurar perguntas para as respostas não encontradas. Parece que os “pacotes” assistenciais dos governos bastam e se bastam no convencimento do povo.

Quando este país despertar para a democracia e para a cidadania, o principal sentimento que deverá nos consumir é o de CRISE. Crise esta que inclui o instinto de luta, de desbravar, de empatia e de procurar perguntas além das respostas encontradas.

Ademais, fiquemos com as doutas palavras do escritor britânico Terry Pratchett: “A luz pensa que viaja mais rápido do que qualquer coisa, mas está errada. Não importa o quão rápido a luz viaje, ela descobre que a escuridão sempre chegou primeiro, e está esperando por ela

Coluna Draft

por Edgar Talevi

Edgar Talevi de Oliveira é licenciado em Letras pela UEPG. Pós-graduado em Linguística, Neuropedagogia e Educação Especial. Bacharel e Mestre em Teologia. Atualmente Professor do Quadro Próprio do Magistério da Rede Pública do Paraná, na disciplina de Língua Portuguesa. Começou carreira como docente em Produção de texto e Gramática, em 2005, em diversos cursos pré-vestibulares da região, bem como possui experiência em docência no Ensino Superior em instituições privadas de Ensino de Ponta Grossa. É revisor de textos e autor do livro “Domine a Língua – o novo acordo ortográfico de um jeito simples”, em parceria com o professor Pablo Alex Laroca Gomes. Também autor do livro "Sintaxe à Vontade: crônicas sobre a Língua Portuguesa". Membro da Academia Ponta-grossense de Letras e Artes. Ao longo de sua carreira no magistério, coordenou inúmeros projetos pedagógicos, tais como Júri Simulado, Semana Literária dentre outros. Como articulista, teve seus textos publicados em jornais impressos e eletrônicos, sempre com posicionamentos relevantes e de caráter democrático, prezando pela ética, pluralidade de ideias e valores republicanos.