Sábado, 27 de Abril de 2024

Coluna Draft: ‘Futebol: Pão e Circo!’, por Edgar Talevi

2022-01-17 às 10:47

Futebol: Pão e Circo!

“O futebol se tornou caro e chato”. Assim se referiu, em um programa televisivo, um famoso ex-dirigente de um clube da série A em relação ao esporte mais popular no Brasil. Existe nessa fala um pouco de crítica e nostalgia, mas, indelevelmente, é uma contestação.

As transformações sociais e econômicas por que passou o mundo, não excetuando-se o Brasil, impulsionaram o futebol a um patamar capitalista semelhante a um enredo Homérico. Cifras milionárias são vistas em negociações que, em tempos da “Belle Époque” do esporte no mundo, não se percebia. O romance esportivo foi ultrapassado pela necessidade das oligarquias multinacionais do futebol. Improvisado nesse contexto, talentos jovens surgem e rapidamente imergem no mercado da bola.

Proponho uma rápida revisão do futebol brasileiro para que, enfim, entendamos o processo que devorou a sacralidade do esporte no altar dos campos modernos.

Copa de 1950. O Maracanã, construído para abrigar o maior evento futebolístico do Planeta, estava todo produzido para receber sua noiva, a seleção brasileira. O casamento possuía 199.854 convidados. Mas, no momento em que se perguntou quem teria algo contra a união, um certo penetra levantou a mão – ou, melhor, as chuteiras -, e disse: – Eu! Era o uruguaio Ghiggia. Estava consolidado o divórcio, diante da emblemática insígnia do “Maracanazo”. Nascia também o que Nelson Rodrigues chamou de “complexo de vira-lata”, em “A Pátria de Chuteiras”.

Os ventos mudaram, e o futebol nos deu Pelé e Garrincha. Era a Copa de 1958, na Suécia, em que, pela primeira vez, soltamos o grito de Campeões Mundiais! Naquela ocasião, o mundo se rendeu ao que nos acostumamos a chamar de “futebol arte”. De fato, pois nenhum time tinha a malícia do drible e a magia do toque refinado do brasileiro, principalmente por possuirmos dois gênios inigualáveis. A dupla mágica nunca perdeu jogando junta. Foram 30 partidas contra seleções nacionais, sendo 26 vitórias e quatro empates, além de 10 partidas contra clubes combinados, novamente sem derrota. O Brasil ainda venceria outras duas Copas, em 1962 e 1970. Fim da era Pelé!

Há quem lembre da seleção de 1982, pretensamente injustiçada pelos deuses do futebol ao perder para a Itália de Paolo Rossi, em pleno Sarriá. Porém, o que veio depois disso foi o futebol moderno, pragmático, de resultado, que opera – impera – no mundo.

Não que de resultados não vivesse o esporte, pois 1994 e 2002 trouxeram mais duas taças mundiais ao Brasil, mas a relação com a torcida já dava sinais de desgaste pela eterna saudade da magia e do encanto nos campos da vida.

Agora, quando pensamos na estrutura do futebol como planejamento e processo de engendramento macro-organizacional, vivemos a burocracia das instituições. A FIFA decide, portanto, o que considerar ou não quando o assunto são os eventos e as concessões que destes incidem.

Observemos o desejo de se impetrar uma Copa do Mundo a cada dois anos. A decisão poderá romper com a tradição de torcermos pela seleção em todos os cantos do país, nas escolas, no trabalho, em casa, nas ruas, e tudo isso pelo retorno financeiro que as entidades federadas possam obter. Não à toa muitos especialistas criticam a assiduidade de uma Copa a cada dois anos, pois a Glória esportiva seria deixada de lado.

Chamo também a atenção ao papel burocrático – necessário -, mas “indigesto” da FIFA na concessão de sua chancela aos títulos dos clubes sul-americanos. Após uma reunião de seu Conselho, realizada na Índia, a entidade máxima do futebol reconheceu como Campeões Mundiais os clubes que venceram o antigo Mundial de Clubes, confronto disputado de 1960 a 2004 entre o campeão Sul-americano e Europeu. A solicitação para a inclusão da discussão da legitimidade do título partiu da CONMEBOL. A UEFA desdenhou da discussão, tendo a antiga Taça Intercontinental pouca ou nenhuma relevância aos clubes europeus, acostumados à Champions League.

Em 2000, a FIFA decidiu organizar seu próprio Mundial de Clubes, no Brasil. A polêmica em torno do evento jamais saiu do imaginário popular. Isso porque o critério para a definição das equipes que disputaram o Mundial não passou ao largo dos debates. O Campeão da edição, Corinthians, foi escolhido para representar o país-sede, como Campeão Nacional. Nada mais figurativo, pois haveria um time carioca e outro paulista, ampliando o alcance de público para o evento.

O problema foi ter deixado o Campeão da Libertadores de 1999 de fora, o Palmeiras. O medo da CONMEBOL era de que apenas um time brasileiro estivesse presente, caso o Palmeiras perdesse a final para o Deportivo Cali, da Colômbia.

A promessa feita ao Palmeiras era a participação assegurada no Mundial da Espanha, em 2001. Como sabemos, isso nunca aconteceu. A empresa que organizou o Mundial no Brasil e seria responsável pelo Mundial de 2001, a International Sports and Leisure, a famosa ISL, entrou em falência. O Palmeiras ameaçou entrar na justiça contra a FIFA, mas se contentou com uma indenização de U$ 750 mil. Mas, segundo o jornal Estado de S. Paulo, o prejuízo do clube pelo cancelamento do torneio foi de R$ 10 milhões.

Outro problema na história do polêmico Mundial de Clubes de 2000, foi uma final entre clubes do mesmo país. Joseph Blatter, Presidente da FIFA à época, reconheceu, mais tarde, que a entidade havia errado na organização.

Mais um fato curioso: em 2000 tivemos 2 clubes Campeões Mundiais, a saber, o Corinthians, no Brasil, e o Boca Juniors, na Taça Intercontinental, mas que recebeu chancela e reconhecimento da FIFA, como todos os outros Campeões, desde 1960. Isso mesmo: 2 Campeões Mundiais no mesmo ano. Afinal, perguntaríamos: – Quem é o Campeão Mundial do ano 2000? A resposta é: Corinthians e Boca Juniors. Entendamos como quisermos!

Sigamos com curiosidades: No site da FIFA, não há a lista dos Campeões Mundiais antes de 2000. Mesmo o Boca Juniors, Campeão Mundial oficialmente reconhecido pela FIFA, em 2000, não aparece como tal. Apenas o Corinthians. Em sequência, temos o Mundial vencido pelo São Paulo, em 2005 e assim por diante. Onde estariam os Campeões Mundiais reconhecidos pela entidade máxima do futebol?

Não precisamos dizer que a Copa Rio, em 1951, vencida pelo Palmeiras, não teve reconhecimento da FIFA. Aliás, até teve, na gestão de Joseph Blatter, por meio do então secretário-geral da entidade, Jerome Valcke, em 2013, mas a discussão perdeu força por não ter apelo junto à CONMEBOL.

Mas, basta aos Palmeirenses o reconhecimento dos jornais da época, que noticiaram o feito como título mundial, depois da frustração da seleção brasileira, na Copa de 1950, no mesmo Maracanã, remindo a nação do complexo de vira-lata que a Copa legou. Manchetes do dia seguinte ao feito, nos jornais, enalteceram o feito Palmeirense.

O jornal O Globo definiu a conquista como a chamada “Campeão dos Campeões do Mundo!” A Gazeta Esportiva noticiou: “Palmeiras Campeão do Mundo!!” Nada menos que 100 mil pessoas estiveram na final, contra a Juventus, da Itália, entoando grito de “Brasil”, não de Palmeiras. Após o título, milhares de pessoas comemoraram nas ruas do Rio de Janeiro, com desfile do time Campeão em carro aberto. Em São Paulo, uma multidão reverenciou os Campeões na estação Roosevelt. Estava erguida a primeira Taça Internacional do futebol brasileiro. Foi a catarse de uma torcida que estava triste pelo “Maracanazo” do ano anterior.

Outros títulos de gigantes do nosso futebol sucederam a década de 50. O magistral Santos, do Rei Pelé, conquistou 2 libertadores e 2 Mundiais de Clubes – Taças Intercontinentais -, além de 5 Campeonatos Brasileiros em sequência, de 1961 a 1965, uma marca impressionante.

Após essa viagem, retornemos ao futebol moderno. Hoje temos os melhores estádios já vistos. A tecnologia tomou conta das transmissões e democratizou a informação. Entretanto, estamos à espera de um novo namoro, noivado e casamento com o futebol. Isso somente será possível se a “velha” arte mágica do drible, da magia, do ataque como a melhor maneira de defesa resolver nos reencontrar. Não que tenhamos déficit de talentos. Mas o pragmatismo ainda impera nos campos da modernidade.

Anseio pelo tempo em que gostar de futebol arte não será tido por esta geração como um pensamento “Cringe”. Torço para que não vejamos a expressão “Panis et Circenses” ganhar coro nas arquibancadas dos estádios.

Até lá, contento-me com alguns lances dos meninos na Copa São Paulo. Talvez nela esteja o presente-futuro de nosso futebol. Quiçá, por meio de jogadores craques como Endrick, voltemos a ser o País do Futebol.

Coluna Draft

por Edgar Talevi

Edgar Talevi de Oliveira é licenciado em Letras pela UEPG. Pós-graduado em Linguística, Neuropedagogia e Educação Especial. Bacharel e Mestre em Teologia. Atualmente Professor do Quadro Próprio do Magistério da Rede Pública do Paraná, na disciplina de Língua Portuguesa. Começou carreira como docente em Produção de texto e Gramática, em 2005, em diversos cursos pré-vestibulares da região, bem como possui experiência em docência no Ensino Superior em instituições privadas de Ensino de Ponta Grossa. É revisor de textos e autor do livro “Domine a Língua – o novo acordo ortográfico de um jeito simples”, em parceria com o professor Pablo Alex Laroca Gomes. Também autor do livro "Sintaxe à Vontade: crônicas sobre a Língua Portuguesa". Membro da Academia Ponta-grossense de Letras e Artes. Ao longo de sua carreira no magistério, coordenou inúmeros projetos pedagógicos, tais como Júri Simulado, Semana Literária dentre outros. Como articulista, teve seus textos publicados em jornais impressos e eletrônicos, sempre com posicionamentos relevantes e de caráter democrático, prezando pela ética, pluralidade de ideias e valores republicanos.