Domingo, 17 de Novembro de 2024

Coluna Draft: “Independência é morte!”, por Edgar Talevi

2021-09-06 às 08:45

Independência é morte!

O hipérbato constante dos versos introitos do Hino Nacional Brasileiro prenuncia a jactura existencial da nação desde que esta se tornou país independente. A inversão sintática dos termos do enunciado implica lógica reversa, mas insufla vício de mérito ao dar sustentação à tese de que houve um brado retumbante.

Deveras, há quem considere apócrifa a literalidade do grito de independência pela plasticidade que tomou a bravura de Dom Pedro I. Isso, no entanto, não altera o fato de que o Brasil teve seu rompimento colonial, imperialista e regencial de Portugal, sem, contudo, ter-se percebido livre da aculturação estrangeira no cabedal de suas relações socioeconômicas.

Algures, haverá quem considere a narrativa de 1822 uma crônica pseudepígrafe e disfórica, tal qual os melhores contos machadianos, como “Cantiga de Esponsais”, em que o fim corrói e frustra as expectativas mais alvíssaras.

Destarte, ao olhar para a história brasileira a partir do brado de independência, pouca movimentação assertiva houve na construção de uma democracia tesa e rija, em que as personagens pudessem estabelecer prognose de estamentos férteis e plurais na emancipação cultural, artística, social e econômica do incipiente país.

1889, data magna da República, regelou as prolepses institucionais da nação, causando absorto torpor nos inscientes, de modo a elevar o estigma vanguardista, ao modelo europeu, de libertação, o que, como se sabe, não se instatuiu.

Corramos o tempo para o pós-moderno, chegando à redemocratização, após 21 anos de adormecimento da democracia. Neste contexto, no início da década de 90, em especial após o consenso de Washington, atermado em 1989, viu-se o flagelo do neoliberalismo imperialista americano nas políticas públicas brasileiras, com o desfazimento e esfacelamento do Estado, tendo os atores políticos cedido aos galanteios do capital especulativo, do globalismo severo, sem restrição de fronteiras idiossincráticas que resguardassem o ufano dentro da nação.

Governos se passaram – direita, esquerda, centro-direita, extrema-direita – e a corrosão às instituições materiais e imateriais do brasileiro permaneceram inamovíveis. Entrementes, observe-se, no campo macroeconômico, a inópia das commodities, grassando o desemprego pela desindustrialização e a falta de superação na área da tecnologia de produção.

Na política estrutural, promove-se o fisiologismo partidário, pragmático e eleitoreiro que copula de dois em dois anos com seus nichos ideológicos, hegemonizando o hiato da representação no estado democrático de direito.

A Educação, por sua vez, é afligida pelos arroubos numéricos dos índices de ranqueamento que proferem pautas e prerrogativas estranhas à formação integral da pessoa humana.

Cuide-se da arte e cultura, bens imprescindíveis, indeclináveis e inegociáveis da nação, que, seguindo o direcionamento estapafúrdio dos incautos e hebetados gestores, chafurdam nas mazelas do obscurantismo e ostracismo, resistindo, apenas, nas mentes insignes de não poucos anônimos que caturram às próprias expensas nas multifacetadas esferas sociais.

A este ponto, pensaria o prezado leitor: – Haveria ensejo para achádegos em meio a tanta patuscada? A resposta seria inebriada em tédio, pois a agenda moderna da independência clama por intervenção, mas não pela mediação das instituições promovidas pela Constituição cidadã, de 1988, porém pela esfera astuta do despotismo, da arbitrariedade, do cesarismo, da autocracia e da acefalia política.

Neste contexto, em que não se vislumbram ambages à atmosfera imperialista predominante no Brasil, é impossível não se assarapantar com o abstruso, pois a neutralidade, segundo o teólogo alemão Dietrich Bonhoeffer, é o próprio mal. Nesta mesma linha, Max Weber bem pontua que “Neutro é quem já se decidiu pelo mais forte”. Sendo assim, em tempos de exíguos relacionamentos, dada a virtualidade das relações humanas modernas, requer-se da nação uma sincronia em prol da dialética da democracia, do plural, da valorização do nacional, do chão brasileiro, da “Terra Papagalli”, aos moldes de José Roberto Torero e Marcus Aurelius Pimenta.

É basilar o voltar-se catártico a si mesmo e, em assim fazendo, engendrar auspicioso e almo caráter irretratável da cidadania brasileira, erigindo a frase positivista de Auguste Comte: “Ordem e Progresso” à realidade das ruas, das casas e da vida de cada “brasiliano” que aqui construiu seu lar.

Nestes tempos tão sombrios, e nesta data assaz dileta, ressignifique-se o valor do inegociável, ouvindo-se a voz do célebre sociólogo polonês, Zygmunt Bauman: “Não são as crises que mudam o mundo, e sim nossa reação a elas”.

Coluna Draft

por Edgar Talevi

Edgar Talevi de Oliveira é licenciado em Letras pela UEPG. Pós-graduado em Linguística, Neuropedagogia e Educação Especial. Bacharel e Mestre em Teologia. Atualmente Professor do Quadro Próprio do Magistério da Rede Pública do Paraná, na disciplina de Língua Portuguesa. Começou carreira como docente em Produção de texto e Gramática, em 2005, em diversos cursos pré-vestibulares da região, bem como possui experiência em docência no Ensino Superior em instituições privadas de Ensino de Ponta Grossa. É revisor de textos e autor do livro “Domine a Língua – o novo acordo ortográfico de um jeito simples”, em parceria com o professor Pablo Alex Laroca Gomes. Também autor do livro "Sintaxe à Vontade: crônicas sobre a Língua Portuguesa". Membro da Academia Ponta-grossense de Letras e Artes. Ao longo de sua carreira no magistério, coordenou inúmeros projetos pedagógicos, tais como Júri Simulado, Semana Literária dentre outros. Como articulista, teve seus textos publicados em jornais impressos e eletrônicos, sempre com posicionamentos relevantes e de caráter democrático, prezando pela ética, pluralidade de ideias e valores republicanos.