Sexta-feira, 26 de Abril de 2024

Coluna Draft: ‘João Dória: o tucano sem asas!’, por Edgar Talevi

2022-05-25 às 11:23

O tucano João Dória foi vítima do próprio sistema que o elegeu em 2018: o pragmatismo político.

Advindo dos nichos dos outsiders – fenômeno que nega a política como tal, considerando-a “velha”, porém valendo-se de seus encantos fisiológicos e desconhecendo em si um anarcocapitalismo pós-moderno -, Dória (manterei o acento agudo no substantivo para fidedignidade da gramática, haja vista o poder do ator ter sido esfacelado de suas mãos), venceu as prévias tucanas, mas não levou o prêmio para casa.

Militando contra dissidentes de seu partido/abrigo, o tucanato, Dória venceu Leite, ex-governador do Rio Grande do Sul, após embates ácidos dentro do PSDB, entretanto jamais conquistou, de fato, a confiança de seus pares, antes “entes” partidários, que já foram entusiastas de sua candidatura quando operava sob a insígnia da antipolítica, na era da eleição à Prefeitura de São Paulo, derrotando o petista Fernando Haddad.

Os tempos mudaram, mas o sentimento de embate, não. Destarte, o que se vê é um exíguo PSDB, outrora na Presidência da República, percebendo-se, nos governos petistas posteriores, como principal partido da oposição. O tucanato está à míngua, mas não por falta de nomes e jovens promessas. A falha é programática e dialética. O Partido da Social Democracia Brasileira não tem sido eficiente na comunicação com a parcela mais vulnerável dos eleitores, capaz de alavancar um nome à ruptura da ditadura do “eles contra nós” do momento atual.

Esperava-se do PSDB – risível ao limite máximo pelo contexto histórico – que erigisse a terceira via como alternativa às tergiversações petistas e bolsonaristas. Entrementes, com estruturas mergulhadas em porfias, o PSDB nada lembra da trajetória de Fernando Henrique Cardoso, José Serra dentre outros – paro aqui porque desconhecemos Geraldo Alckmin como tal, em aliança com seu antigo desafeto político.

Para que não se arrefeça o início da derrocada de João, o Dória, em 2018, em plena disputa pelo governo de São Paulo, este não teve receio de usar de bravatas com o símbolo “BolsoDória” inscrito em suas roupas. No primeiro turno dessas eleições, sequer esperou a confirmação de que o presidenciável de seu partido, Geraldo Alckmin, estava fora da disputa e apoiou, de imediato, a Jair Bolsonaro. Em ao menos três vezes foi visto com a camisa “BolsoDória” em público.

Como se sabe da história, a tática pragmática funcionou. Mesmo não havendo convergências que atrelassem as candidaturas de ambos, nem programas de governo que se assemelhassem, tampouco o status quo do currículo de cada um dos tais – um deputado federal por várias vezes, outro outsider -, Dória usou e abusou do “poder” de maquinação eleitoreira para fazer valer a imagem do herói nacional, ligando-se à metáfora bolsonarista.

A frieza calculista de Dória não conhecia, ou fazia-se cega quanto à nueza da personalidade despótica do líder das massas de extrema direita. Prova disso foi o desencontro entre Dória quando este envidou esforços a visitar seu “aliado” de última hora, no Rio de Janeiro. Não fora recebido. O atual chefe do Executivo Federal não foi achado por Dória. Coube a Gustavo Bebianno (Presidente do PSL à época), informar que desconhecia tal encontro, para pôr panos quentes no assunto. Resta evidente que encontros não têm sido bem-sucedidos entre Dória e seus aliados mais notórios.

Não obstante, engana-se que Dória tenha sido a única vítima do Messias de 2018. Nota-se, pelas seguidas trocas no comando na – por enquanto – estatal PETROBRAS, no Ministério da Educação e em diversas áreas do governo federal que o “Chefe” presta verdadeiro desserviço à nação ao escolher o Centrão, por meio de emendas e cargos, em detrimento da meritocracia – sonho e utopia de Guedes.

Confiança é coisa séria, mas em política o que vale mesmo, para determinados atores, é a manutenção do poder, mesmo à custa de contradições com compromissos e promessas “produzidas” em laboratório de publicidade eleitoral.

O fim da história, todos conhecem: João Dória, enfim, desistiu de sua candidatura à Presidência da República, abrindo espaço para que seu partido possa, caso seja essa a escolha da maioria – vide prévias para se entender os imbróglios internos da sigla -, apoie o nome de Simone Tebet (MDB), fortalecendo a aclamada terceira via. Falta apenas combinar com Ciro Gomes (PDT), que ocupa a terceira posição nas mais recentes pesquisas de intenção de votos.

Alguns fiéis à candidatura de Jair Bolsonaro afirmam que seu pupilo deverá herdar os votos que seriam depositados em Dória, tornando a luta um pouco menos árida. No entanto, segundo o Instituto Locomotiva, Bolsonaro não capitalizará os votos de Dória instantaneamente. Talvez nem durante o processo de campanha em si. Segundo o Presidente do supracitado Instituto, Renato Meirelles, os votos de Dória poderão migrar, potencialmente, para Lula (PT), com base em resposta da pesquisa Ipespe.

Vale dizer que as pesquisas da Ipespe combinam com as pesquisas da Quaest, sendo que esta “empurra” um pouco mais de votos para Ciro, mas sem tirar a força de Lula na divisão do espólio de Dória.

Se Tebet (MDB) terá fôlego para sustentar as massas cada vez mais corroídas pela inflação, desemprego e insucesso da gestão do atual governo nos discursos e debates, só se saberá aos poucos, à medida que avançarem novas pesquisas e o marketing entrar em campo com força. Até lá, sombras sobre a dualidade Lula x Bolsonaro permanecerão intactas.

Arrisco dizer que teremos um plebiscito entre Lula e Bolsonaro. A razão é óbvia. Se Tebet crescer, unindo PSDB à sua candidatura, o voto útil poderá entrar em cena. É neste momento que os eleitores de Ciro Gomes poderão desembarcar dele para o nome de Lula, já no primeiro turno. Pelo outro lado, é certo que o antipetismo ocupará o palco e tomará a cena com o voto endereçado diretamente a Jair Bolsonaro.

Neste jogo de empurra, na comédia que Dante jamais escreveria, riem os que chafurdam nas tralhas do sistema líquido e efêmero que dá vida às personagens dissimuladas que mantêm tudo como está. E, nós, rimos de nossa própria tragédia, transformada em pagamento de impostos para que o jogo permaneça.

as opiniões expressadas por nossos colunistas não refletem, necessariamente,
o posicionamento do portal D’Ponta News.

Coluna Draft

por Edgar Talevi

Edgar Talevi de Oliveira é licenciado em Letras pela UEPG. Pós-graduado em Linguística, Neuropedagogia e Educação Especial. Bacharel e Mestre em Teologia. Atualmente Professor do Quadro Próprio do Magistério da Rede Pública do Paraná, na disciplina de Língua Portuguesa. Começou carreira como docente em Produção de texto e Gramática, em 2005, em diversos cursos pré-vestibulares da região, bem como possui experiência em docência no Ensino Superior em instituições privadas de Ensino de Ponta Grossa. É revisor de textos e autor do livro “Domine a Língua – o novo acordo ortográfico de um jeito simples”, em parceria com o professor Pablo Alex Laroca Gomes. Também autor do livro "Sintaxe à Vontade: crônicas sobre a Língua Portuguesa". Membro da Academia Ponta-grossense de Letras e Artes. Ao longo de sua carreira no magistério, coordenou inúmeros projetos pedagógicos, tais como Júri Simulado, Semana Literária dentre outros. Como articulista, teve seus textos publicados em jornais impressos e eletrônicos, sempre com posicionamentos relevantes e de caráter democrático, prezando pela ética, pluralidade de ideias e valores republicanos.