Não se morre eternamente
“Quando a indesejada das gentes chegar (…)”, assim começa o isigne poema de Manuel Bandeira. A morte sempre foi o maior mistério da humanidade, pois ninguém sobrevive a ela, com a devida vênia pela redundante pálrea, mas deixar de pensar no ponto de partida de nossas vidas é abdicar de viver.
A tanatologia, estudo da morte e do morrer, busca, por vezes em vão, respostas técnicas que consolem o ser humano a respeito da fiduciária certeza da vida. Mas, enquanto houver vida, a morte parecerá sinal de finitude. É, neste contexto, que se aplica o porquê de não aceitarmos um ponto final na história de que somos protagonistas, pois, segundo o autor do livro bíblico sapiencial, Eclesiastes: “(…) Deus pôs a eternidade no coração do homem” (Ec 3:11 – ARA)
Inextinguível é nosso luto pelas protuberantes e irreparáveis perdas de tantas vidas durante a pandemia a que todos estamos acometidos. Que o digam as famílias que sofreram a morte de um ente sem a devida despedida – nisto me incluo, pela perda de familiar -, devido aos protocolos sanitários de isolamento. Reverberemos a profunda lástima das UTIs lotadas em tempos de longeva calamidade pública na área da saúde. Lamentemos com profundo pesar os desmandos e desgovernos que atinaram políticas públicas ineficazes para o infortúnio da COVID-19.
Entrementes, prezados leitores, proponho-me, como teólogo, a mediar o conflito para além do maniqueísmo existencial. Senão, vejamos: As boas novas do Evangelho, anunciadas pelo humano-divino Jesus, o Cristo, definem a morte como passagem à vida eterna, tal como se percebe em suas próprias palavras: “(…) Quem crê em mim, ainda que morra, viverá” (Jo 11:25 – ARA). A confiança em uma eternidade ocorre mediante a crença de que nEle todas as coisas são imorredouras, até mesmo o ser humano.
O pensamento espírita Kardecista concebe a vida como uma constante evolução espiritual do ser humano, através das reencarnações, motivo pelo qual, de igual modo, estabelece uma vida eterna como mensagem à existência humana.
Permite-se, este colunista, prezados leitores, a não lançar mão do mérito de quaisquer doutrinas e dogmas como verdade, pois o arbítrio do leitor é o que garante a expressão democrática e de livre pensamento na sociedade hodierna.
No entanto, entendamos: a morte física não anula nossa existência, apenas extirpa o físico, material, mas somos imortais à medida que legamos ao próximo nossa alma, objeto subjetivo que nos permite sermos humanos.
Exemplos há na arte, nas pinceladas geniais de Leonardo Da Vinci, Vincent van Gogh; na literatura, com José Saramago, James Joyce, Clarice Lispector; na música, em Tom Jobim, Djavan, Caetano Veloso; na ciência, por meio de Albert Einstein, Stephen Hawking dentre tantas outras almas que sobrevivem ao tempo, entregando à humanidade um pouco de afabilidade e esperança.
Perde-se o corpo, mas a vida continua pelo que somos em favor do outro. A lição das escrituras sagradas, no respeitante ao amor ao próximo, prescinde de argumentos, pois revelam o caráter altruísta da benevolência, do doar-se, do ser, enquanto pessoa.
Não invalidamos, com isso, as contrariedades, os antagonismos e as tribulações por que todos passamos em momentos múltiplos de crise. Mas, podemos ressignificar as intempéries da vida por meio da esperança em um propósito maior na existência. Se não podemos escapar aos problemas e ao limite físico-temporal de nossa estrutura corpórea, devemos viver cada instante com a longevidade da alma e o espírito da eternidade.
Um caminho para isso é o amor dispendido nos simples atos das cenas do espetáculo da vida. Neste sentido, nenhuma agenda é mais importante a um homem de negócio que o convívio com seus filhos, que a honra ao seu cônjuge; nada supera a grandeza – nem mesmo as riquezas – de separar um “tempo para passar o tempo” com amigos, aqueles que sabem quem realmente somos e, mesmo assim, não nos abandonam. Nada perderemos se deixarmos a descrença na vida pelo horizonte da espiritualidade, não somente a religiosa, mas na fé que vem da força dos sonhos.
É, portanto, neste sentido, que Sören Kierkegaard diz, em um de seus aforismos: “Sofrer, é só uma vez; vencer, é para a eternidade”.
Vivamos o hoje, como se a morte não existisse, pois, certamente, ela não encerra o que somos, se, de fato, formos, humanos em cada ato de nossas vidas.