O atual establishment da sociedade brasileira chatina no espectro do neoliberalismo americano, pós-consenso de Washington, com todas as vicissitudes antidemocráticas que agadanham a libertária utopia de independência.
O poder constituído tem se materializado em manutenção de status quo proveniente de estratagemas político-eleitorais, de modo a amuar a conhecença da irretratável necessidade de estabelecimento de formação de identidade subjetiva do indivíduo e formação de perspectiva de cidadania nos estamentos e tratos sociais no arcabouço de círculos de influência de que constam os tutelados pelo Estado, quais sejam, os mais vulneráveis e ultrajados pela opressão do capitalismo especulativo exacerbado e potencializado pela sanha do globalismo.
Notório é o fato de que as instituições alvitradas pela Constituição de 1988 estão sofrendo processo imorredouro de erosão e, destarte, pressionadas pela fereza das opugnações do obscurantismo despótico e acéfalo de insurreições ditas populares que barafustam pela intervenção militar.
A democracia, neste ínterim, não pode arrefecer, mas manter-se em constante estado de ebulição, de tal modo que haja contumaz ressignificação de suas bases, fundamentalmente no respeitante à constância da representação popular por meio de eleições livres, incólumes de cesarismos e aventuras arbitrárias de quaisquer poderes atascados em desvarios excêntricos e desassisados.
Deste modo, o senso de poder precisa se valer da construção de uma ontologia que vaticine o clamor do equilíbrio social mediante a dialética do plural, da acessão, da aquiescência das minorias e suas suscetibilidades históricas e culturais.
Pensar o coletivo, desta forma, é deixar de obstar à imprescindível reflexão da inclusão de todas as classes sociais, etnias, crenças, orientações sexuais e demais avenças que singrem a boma do bem-estar social em multifacetadas esferas do cotidiano.
Neste diapasão, é percebido o valor inegociável da epistemologia filosófica a partir de seus axiomas corroborativos no tangente à fenomenologia da práxis do social. Hobbes, assim afirma: “Por filosofia se entende o conhecimento adquirido por raciocínio a partir do modo de geração de qualquer coisa para as propriedades”. Isso, segundo o autor, valida a pragmática irrefutável da corporificação de uma estratificação que decante a vanguarda das garantias individuais.
Aos imprecatados que chafurdam os galanteios golpistas, devem ser implicadas, à revelia de inextrincáveis coalhaduras legais, a robustez da ciência do certame democrático, meio pelo qual a sociedade se perpetua e hegemoniza sua liberdade.
Nesta perspectiva, não se pode desvanecer da militância pelas prerrogativas tão ávida e bravamente conquistadas, em meio ao tautocronismo de sangue e suor de estudantes, intelectuais e camadas populares que litigaram pela democracia.
O filósofo espanhol Ortega y Gasset afirmou: “Eu sou eu e a minha circunstância”. Esse pensamento nos outorga a crença nas liberdades individuais que são valores inegociáveis e inalienáveis, pois inerentes à pessoa humana.
Para Bobbio, “O Estado não é apenas um instrumento, um aparelho, um conjunto de aparelhos, entre os quais o principal e o determinante é o monopólio do exercício da força”. Para o eminente autor, fica manifesto que um Estado deve, irremediavelmente, prover, não somente a subsistência, mas a existência de uma coletividade que permita o sentimento de pertença aos indivíduos em suas especificidades, na preservação da equidade e singularidade de suas necessidades de foro íntimo.
Sendo assim, não se pode impedir o engajamento da arte, da cultura, da construção de conhecimento, dos adregos de uma horizontalidade verossímil com a realidade de cada contexto étnico e social. Desconstruir a prática da cátedra e do exercício do magistério, tal como retorquido pelos ex-ministros da Educação, fere de chaga morrediça a esteira da ciência, universo avultado de agnição, intelecção e percepção de um holístico, disruptivo e, às vezes, niilista, espaço de fomento da civilização.
A esse ponto, prezado leitor, busquemos inspiração na frase do célebre filósofo Leandro Karnal: “Quanto mais frágil a sociedade julga ser uma pessoa, mais a atacará” É deste modo que ocorre, paulatinamente, a corrosão da democracia, motivo pelo qual não se pode dissipar a luta e manifestação do livre arbítrio social, fecundo nas tratativas de manutenção de direitos e conquistas históricas populares.
Não se permita o arrefecimento da democracia pelo ataque às instituições, pelas chicanas e demonstrações de desprezo pelo Estado democrático de Direito, mas se comungue das expensas de desobstruções de pautas que, sabidamente, contemplem as individualidades e nutram o que de maior valor se pode erigir em uma sociedade, a saber, a experiência do ser quem quer que sejamos, em nossas diferenças e subjetividades.
Multipliquemos, em coro, a experiência afável de existir no coletivo, sem deixar de considerar a multiplicidade de nossas identidades. Assim, fiquemos com o pensamento do filósofo Arthur Schopenhauer: “As pessoas comuns pensam apenas como passar o tempo. Uma pessoa inteligente tenta usar o tempo”.