“No Brasil, o sucesso é um insulto pessoal!” Com tais palavras (versos), Tom Jobim definiu a inveja em muitos de seus sábios conselhos. Em seu “Samba de uma nota só”, embora não se refira à inveja, põe-na, grosso modo, ao declarar: “E voltei pra minha nota como eu volto pra você!”
Pois sim! A inveja é como os versos de um samba de uma nota só, pois demonstra a agrura em ter olhos apenas para o outro, repetidamente, incólume ao que poderia fazer por si mesmo.
O sentimento de inveja é um fenômeno humano universal e atemporal. Faz parte da estrutura do psiquismo humano e tem influência sobre a cultura e organização social como um todo.
Tabu religioso, foi eleita como um dos sete pecados capitais pela Igreja Católica Romana (CIC número 1866). De igual modo, está representada, subliminarmente, nas ideologias políticas, artísticas, intelectuais, religiosas, nas revoluções socioeconômicas e, até mesmo, em cenas de crimes.
Segundo o sociólogo Helmut Max Schoec, há crimes por inveja, bem como políticas baseadas nela. Para Gonzalo Fernández De La Mora, a inveja é o maior tabu humano não falado, pois depõe contra o próprio ego, contra si mesmo, portanto.
Quem nunca sentiu “schadenfreude” pode estar mentindo. A palavra, sem uma tradução literal ao Português, oriunda do Alemão, significa a alegria em ver o outro em situação difícil, o que representa nosso “ideal” contra o pensamento alheio, quer seja por vingança ou por autoafirmação. Valer-se do sofrimento de outrem para representar-se bem diante de si mesmo tem suas origens no profundo do psiquismo, como afirma a Psicanálise.
Pode-se afirmar que a etimologia do vocábulo inveja é “invidere”, que equivale a “não ver”. Para a psicanalista austríaca Melanie Klein, classificada como uma psicoterapeuta pós-freudiana, há uma polissemia no termo inveja, a saber:
– Sensação indomável de possuir o que pertence à outra pessoa;
– Desejo de se obter bens e posses que são o alvo da inveja;
– Necessidade de autoafirmação e superioridade, quer seja material, emocional ou intelectual e afins.
A inveja, para Klein, é uma angústia, ou mesmo raiva, perante o que o outro possui. Pode, ao extremo, representar estado de frustração e rancor gerado perante uma vontade não realizada por si, mas contemplada no outro.
A eminente psicanalista encontra a inveja na “fase anobjetal”, ou do “narcisismo primário”, de Freud. Segundo a exímia autora, ao longo do desenvolvimento do bebê, em uma situação ideal, o sujeito, em vez de invejar, aprende a admirar o outro, com curiosidade e êxtase diante do novo, das descobertas vindas do mundo externo e que, de maneira alegre e livre do medo da perda, preservam o psiquismo do indivíduo.
Quando nessa fase da infância a complexidade de se contemplar o outro e descobrir o mundo passa a ter nuances de desejos não realizados, formam-se as pulsões e, segundo a psicanálise, são internalizadas em forma de traumas de infância no inconsciente. Tais traumas traduzem os comportamentos do dia a dia da pessoa adulta. A inveja, segundo a teoria de Klein, aprisiona pelo medo da perda.
Vale, neste ponto, fazer um aparte para ressalvar a diferença entre inveja e cobiça. A inveja é um sentimento de ódio ou pesar provocado pelo bem-estar ou prosperidade de outrem. A cobiça, por sua vez, torna-se em ideação de se querer algo que o outro tenha, sem, no entanto, ser possuído pelo desejo do “mal” ao outro indivíduo.
Destarte, há que se perceber que a presença/fenomenologia da inveja é tão antiga quanto a cultura humana. Existem inscrições cuneiformes em placas de argila, em que os sumérios já contavam que a deusa do submundo podia aniquilar a divindade do amor com um relance mortal. Habilidade semelhante era encontrada em demônios babilônicos que, por seus poderes, poderiam ferir os homens desprevenidos que se aventuravam em desertos e cemitérios. Vale lançarmos mão da novela bíblica de José do Egito, filho de Jacó, que fora vendido por seus irmãos e, anos mais tarde, tornou-se governador do Egito.
Não obstante, existe muito misticismo quando se trata do tema, pois o senso comum atribuiu, pejorativamente, termos ao sentimento de inveja, tais como “mau-olhado”. Para o pesquisador Gershman , da American University, em Washington (EUA), especialista na área de estudos sobre as origens das instituições e tradições culturais, mais especificamente sobre a vertente conhecida como direito e economia da superstição, o surgimento da crença do “mau-olhado” está fortemente ligado a condições de desigualdade.
Percebe-se, neste ínterim, o fator político externo capaz de capitalizar os traumas do psiquismo para além da subjetividade e objetivar as estruturas de pensamento e idealizações por meio de ações, nem sempre corretas, de determinadas sociedades, em constante diacronia.
Para o psicólogo Solomon Eliot Asch, todos formamos parte de uma sociedade que tende a condenar o talento e o sucesso alheios. A inveja, nesta perspectiva, paralisa o progresso por causa do medo gerado pelo fato de não se adequar à opinião da maioria. Para Asch, um dos maiores temores do ser humano é se diferenciar do resto e não ser aceito.
Asch afirma que: “A conformidade é o processo por meio do qual os membros de um grupo social mudam seus pensamentos, decisões e comportamentos para estar de acordo com a opinião da maioria”. Se nos pautarmos sob esse ponto de vista, podemos entender o fenômeno político que representa a frase: “Não quero perder meu voto”. Isso é assaz pertinente, primeiramente ao psiquismo, depois às estruturas de desenvolvimento sociais a que os indivíduos serão expostos durante suas vidas.
Neste diapasão, torna-se imperativo diferir aquilo que pode representar a “boa” da “má” inveja. E isso existe! Para Carlos Amadeu Botelho Byington, em sua obra: “ Inveja criativa – o resgate de uma força transformadora da civilização”, existe o potencial criativo da inveja, que seria uma função estruturante da psique, podendo atuar de forma criativa e promover o desenvolvimento saudável da personalidade.
Se o ideal do “invejoso” for o de emulação, ou seja, desejar ser como os outros, como aspiração, inspiração e exemplo de vida, é uma atitude amplamente positiva.
A inveja negativa, por sua vez, é concebida na percepção de querer que o outro não possua o que lhe é próprio e venha a perder suas conquistas.
No campo da Teologia, a inveja é mal interpretada em virtude de uma exegese superficial e mística, baseada na hermenêutica do senso comum. Ao analisarmos os versos do livro de Provérbios 14:30: “(…) Mas a inveja é a podridão dos ossos”, podemos constatar que o significado a que aspira o autor sagrado é o mal da inveja ao invejoso, não ao invejado. Sendo assim, não é cabível, do ponto de vista Teológico, pensar que a inveja, ou o famoso “mau-olhado”, seria capaz de causar mal a alguém.
Neste ínterim, é imprescindível compreendermos o significado da espiritualidade nos versos das Escrituras Sagradas para que percebamos o como estamos longe do exemplo da virtude por muitos de nós assentida.
Na carta do Apóstolo Paulo aos Romanos 12:15, percebemos o como somos falhos como pessoas: “Alegrai-vos com os que se alegram e chorai com os que choram”. Notemos que chorar com os que choram parece sempre uma atitude altruísta, digna de louvor. Mas, e quanto ao “alegrar-se com os que se alegram?” O versículo possui tais versos e estes não podem ser excluídos. Daí a percepção de como somos “seletivos” na relação com nossa “espiritualidade”.
É fácil prestar os “pêsames” e a presença em momentos de fraqueza e tristeza do outro, mas quando o sucesso de alguém cresce aos nossos olhos, talvez não lembremos do versículo supracitado. Aí residem nossos traumas e NOSSAS fraquezas. O momento de estar com os outros não é somente na tristeza, mas no auge da alegria e das realizações destes. A espiritualidade não pode ser seletiva.
É notório que o mundo conspira teorias, ideologias, aspirações, títulos, processos civilizatórios, constructos sociais diversos. Mas, que a medida exata do sentimento de pertença seja o de querer sempre mais de si mesmo. Nada há de errado se, neste momento, a inveja competitiva, pela construção de um bem maior ou de novas conquistas tornar-se operante no desenvolvimento das pessoas.
Não se pode obstruir no outro o que é necessário resolver em si mesmo. Ninguém muda ninguém. As pessoas carregam a si mesmas, mas as trajetórias dependem muito dos circuitos internos de cada um.
É de François La Rochefoucauld os versos que nos ensinam, neste epílogo, o gracejo a que estamos submetidos: “A nossa inveja dura sempre mais tempo que a felicidade daqueles que invejamos.”