Se Lula vencer, o Brasil poderá se tornar comunista?
“A Democracia é a pior forma de governo, com exceção de todas as outras“. Winston Churchill proferiu, acertadamente, a célebre frase a respeito do valor inegociável da representação popular. Esse é o entendimento a ser seguido por todo e qualquer líder político que queira representar a nação no alto do Palácio do Planalto. Ademais, O Brasil não está em um balcão de negócios, embora se multipliquem discursos eufóricos, diversionistas e chicanas que não devem passar de arroubos de retórica.
Líder nas pesquisas de opinião até então, o ex-presidente Lula intensifica sua jornada em busca de palanques estaduais, concentrando forças na união de partidos de centro-esquerda e tentando viabilizar a celebração da chapa Lula-Alckmin, para 2022. Antes adversários no pleito Presidencial de 2006, agora, com a desfiliação de Geraldo Alckmin do PSDB, abre-se uma porta de diálogo entre os partidos que poderão selar o “casamento” dos sonhos para a eleição mais importante de nossa incipiente democracia.
Entretanto, ainda há rumores de que Lula, sob galanteios da extrema-esquerda, poderia ceder ao ponto de assumir postura antidemocrática que lembre as nações que se aventuraram na tentativa frustrada da implementação do comunismo. Uma pesquisa recente, do Instituto Datafolha, mostrou que 44 % da população vê grande risco de o Brasil se tornar comunista.
Para fins didáticos, entendamos o que é, exatamente, o comunismo. Segundo Andrew Heywood, em “Ideologias Políticas”: “Comunismo é o princípio da propriedade comum da riqueza, ou sistema abrangente de coletivização; o comunismo é, muitas vezes, visto como o Marxismo na prática”. Na época da Primeira Guerra Mundial, o mundo socialista estava dividido entre os partidos que haviam buscado o poder por meio das urnas e pregavam a reforma e outros que proclamavam uma necessidade de contínua revolução. A Revolução Russa, de 1917, aprofundou a divergência: os socialistas revolucionários, seguindo o exemplo dos bolcheviques e de Lênin, adotaram o termo “comunismo”, ao passo que os socialistas reformistas se definiam como “social-democratas”. O século XX testemunhou a disseminação de ideias socialistas em países africanos, asiáticos e latino-americanos com pouca experiência com o capitalismo industrial. Nesses países, o socialismo ascendeu graças ao sentimento anticolonial, e não da luta de classes.
Críticas ao regime socialista impresso no burocrático Estado da União Soviética sobram no pensamento de notáveis autores. O cientista político Adam Przeworski sugere que: “Quando colocada ao lado do Estado Soviético, a democracia “burguesa” em sociedades capitalistas adiantadas têm atração até mesmo para o seu proletariado”. Daí percebemos o quão insuperáveis são os problemas do comunismo na gestão de um Estado político e econômico moderno e como são ineficientes suas estruturas.
Não obstante, a sanha comunista, depois de 1945, com o modelo bolchevique, estendeu-se à Europa oriental. Foi também adotado na China, após 1949 e se espalhou para a Coreia do Norte. Em 1959, com a Revolução, Cuba intensificou relações com a União Soviética. Porém, o resultado que a história presenciou de tais regimes supracitados são reveses múltiplos, o que levou alguns a declarar como regimes “mortos”. O próprio colapso do comunismo, em decorrência das revoluções do Leste Europeu de 1989-1991 demonstrou a ineficiência do sistema e a contrariedade da sociedade em relação ao modelo socialista adotado. O culto ao ego, à personalidade, tal como a presenciada em Josef Stalin, evidenciou a liquidez do regime e a necessidade de diálogo com o capitalismo.
Voltemos à nossa realidade. O exemplo mais citado/temido pelos eleitores é de nossa vizinha Venezuela. Nicolás Maduro, desde sua ascensão à Presidência do país, intentou contra a liberdade de imprensa, perseguindo seus adversários ideológicos, lançando mão de táticas violentas contra os direitos humanos no país e, não obstante, permitindo eleições permeadas de supostas fraudes eleitorais. Outro flagrante delito é a cooptação do Tribunal Supremo de Justiça da Venezuela que, por sua vez, em 2020, excluiu o Parlamento, de maioria oposicionista, do processo de renovação do Conselho Nacional Eleitoral (CNE). A ditadura de Maduro é a causa do flagelo das sanções econômicas internacionais impostas ao governo despótico, desumano e antidemocrático que impera na Venezuela.
Tudo isso é fato. No entanto, a comparação com a Venezuela não é legítima do ponto de vista da forma de governo e do contexto político, econômico e social em que vive o Brasil. As nossas instituições são sólidas – vejamos os levantes de diversos movimentos antidemocráticos que pedem a derrubada do STF e do Congresso Nacional – e, mesmo assim, não houve ruptura institucional, mantendo-se os poderes edificados sob a insígnia do texto Constitucional.
Entrementes, o Brasil – embora sofra com tergiversações e falas oportunistas de determinados líderes políticos que atentam contra a liberdade de imprensa -, tem mantido o pilar da liberdade de imprensa vívido. Respeitando a Carta Magna da República, a liberdade de expressão mantém sua colaboração na construção de nossa sociedade, haja vista a força de exímios artistas e jornalistas que corroboram com a certeza de que a opinião, até mesmo a divergência é fundamental ao Estado Democrático de Direito.
Do ponto de vista macroestrutural da política externa, não existe, neste momento, risco à ordem democrática no Brasil. Os EUA, sob Biden, navegam em águas profundas nas questões que envolvem Rússia e Ucrânia, além da guerra contra a COVID e sua variante Ômicron, bem como da desunião do próprio partido Democrata, do Presidente Biden, que vive incertezas intracorpus em relação ao apoio no Senado, com a “rebeldia” de Joe Manchin, podendo impedir a aprovação do pacote de gastos de US$ 2,2 trilhões em educação, saúde e contra mudanças climáticas, denominado “Build Back Better Act”. Deste modo, nenhuma iniciativa de apoio a uma aventura antidemocrática viria do império americano, ao contrário do que houve no golpe de 1964, no Brasil, em que o governo americano, mesmo não planejando o levante, financiou adversários de Jango e tinha tropas prontas para agir.
Sem apoio no cenário internacional, nenhum líder do maior país Sul-americano poderia subsistir em uma aventura contra a ordem democrática, sob risco de inúmeras sanções econômicas e corrosão de apoio diplomático. Vale lembrar que o Brasil voltou a ocupar uma cadeira não permanente no Conselho de Segurança da ONU, no biênio 2022-2023, e um “golpe interno” seria fatal contra si próprio internacionalmente.
Visitemos, agora, o pensamento das lideranças de esquerda que cercam a candidatura de Lula. Imediatamente o uso da possível composição Lula-Alckmin é argumento que contesta qualquer posicionamento a favor do comunismo. Não haveria, tanto da parte de Alckmin quanto dos partidos dispostos a coligar com o PT uma intenção de dividir os brasileiros, apoiando um golpe à democracia. Marcelo Freixo (PSB-RJ) diz que “ninguém pode brincar com esse tipo de coisa”. O deputado afirma que não é verdadeira a ideia de que um eventual governo de esquerda venha a ceder ao comunismo. Jilmar Tatto, secretário de comunicação do PT, diz ser improvável a chegada do comunismo com a união de Lula-Alckmin. Já Orlando Silva (PCdoB) segue a mesma linha de pensamento ao pronunciar que não há possibilidade de implantação do comunismo a partir da eleição de 2022. Guilherme Boulos (PSOL) afirma, por sua vez, que o Brasil não corre risco de ser comunista ou socialista depois das eleições.
Serve-nos de parâmetro, para avançarmos na análise, os governos Presididos pelo PT, com Lula e Dilma. As “demonizadas” privatizações não deixaram de existir no governo do PT. Basta que olhemos para os aeroportos. Ademais, pautas históricas do partido foram deixadas de lado, tais como a supressão do superávit primário, a jornada de 40h semanais de trabalho dentre outras. Isso demonstra o pragmatismo operando em favor da governabilidade.
Resta-nos assegurar que nenhuma ditadura, seja de esquerda ou direita, promove o bem-estar social. A liberdade de imprensa, de expressão, as liberdades individuais, a propriedade privada, a liberdade de culto, o Estado laico – não laicista -, o direito ao contraditório, ao devido processo legal e o respeito às instituições da República são valores irrevogáveis e irretratáveis de nosso Estado Democrático de Direito.
Seja qual for o governo eleito em 2022, o Brasil é maior que qualquer líder político e a democracia nosso maior legado.