Quinta-feira, 21 de Novembro de 2024

Coluna Draft: ‘Vamos Rodar a Baiana?’, por Edgar Talevi

2024-09-24 às 15:09

Aprendi com a vida que não devemos aceitar certas “verdades” sem questioná-las. Isso me fez perseverante e, no mínimo, curioso. Mas, e quanto à Língua Portuguesa? Devemos ignorar as normas gramaticais por mera divergência, ou, diria, rebeldia sintática?! Há quem rirá dessa frase!

Se a resposta à questão do supracitado parágrafo for afirmativa, estamos, de fato, “rodando a baiana” no Português. Porém, o que isso significa? É bem simples: a expressão equivale a dar um escândalo, e teria origem nos blocos de carnaval do Rio de Janeiro, no início do século XX. Isso porque alguns “malandros” se valiam da festa carnavalesca para assediar as mulheres. Deste modo, os capoeiristas passaram a se fantasiar de baianas para proteger as damas. Quando algum atrevido tentava assediar uma moça, imediatamente era golpeado pelo jogo da capoeira. Quem estava de fora só via a “baiana” rodar, mas pouco entendia o que estava acontecendo.

Portanto, muito cuidado ao andar com aquele “amigo da onça” nas festinhas de carnaval! Opa! Notaram outra expressão memorável de nosso idioma? Pois, bem; explico: “amigo da onça” é uma expressão popularizada pela revista “O Cruzeiro”, que publicou de 1943 a 1961 “O Amigo da Onça”, personagem que sempre levava vantagem sobre as outras pessoas, criado pelo chargista Péricles Andrade Maranhão, e que inspira o uso da frase até hoje.

Ah! Em se tratando de amizade, advirto! Atenção aos “puxa-sacos” de plantão! Esses, realmente, aproveitam-se de situações favoráveis a nós para crescerem à custa de nosso trabalho! Aliás, a expressão “puxa-saco” surgiu nos quartéis brasileiros. Era o apelido dos soldados de baixo escalão que tinham por obrigação levar os sacos de suprimentos de seus superiores durante as viagens e campanhas. Com o passar do tempo, a frase ganhou conotação de pessoas interesseiras que agradam a alguém com o intuito de levar vantagem.

Quantos “amigos” desses encontramos por aí! Na verdade, falsas amizades roubam nosso tempo e “custam os olhos da cara”! E, mais essa aqui? De onde veio a frase anterior? Vamos a ela: “custar os olhos da cara” faz referência ao espanhol Diego de Almargo, um dos conquistadores da América, que perdeu um de seus olhos quando tentava invadir uma fortaleza Inca. Dizia ele: “Defender os interesses da Coroa espanhola me custou um olho da cara”.

Porém, mesmo os feitos históricos podem ser uma colcha de retalhos se não forem bem investigados. Prova disso são os “Santos do Pau Oco” que aparecem volta e meia por aí! Aqui temos uma das mais usadas expressões portuguesas de nossa brasilidade! No Brasil colonial, os impostos sobre o ouro e pedras preciosas eram altos demais. Para enganar a coroa portuguesa, os mineradores recheavam o interior de santas ocas, feitas de madeira, com a maior quantidade desses bens que pudessem. Deste modo, podiam passar pelas casas de Fundição sem pagar os impostos. Criativo, não é mesmo? Mas, ilegal! Enfim, a corrupção ronda a civilização desde há muito tempo!

Em tempos modernos, no entanto, sempre haverá um “bode expiatório” para pagar o preço pela corrupção. E essa história é antiga. Receber a culpa por algo que alguém não cometeu está registrada no capítulo 16, de Levítico, na Bíblia Sagrada. No chamado dia da Expiação, o povo Hebreu organizava uma série de rituais de purificação, sendo que um deles contava com a participação de dois bodes. Um dos animais era sacrificado e seu sangue aspergido no santuário. O outro, vivo, tornava-se o bode expiatório, pois representava o pecado dos filhos de Israel. Quanta curiosidade!

O mais engraçado de tudo isso é a anedota contada por um ex-aluno meu, de Redação, de um curso pré-vestibular, que afirmava ter de “segurar a vela” para sua irmã mais nova, de uma família conservadora, enquanto ela namorava. Aos risos, perguntei se ele estudava enquanto sua irmã namorava. Paremos por um instante; “segurar a vela”. Essa expressão vem desde a época em que as velas eram a principal fonte de iluminação das casas.

Na França, a frase “tenir la chandelle” se refere a criados que eram obrigados a segurar candeeiros enquanto seus patrões mantinham relações sexuais, mas os serviçais deveriam ficar de costas para que se mantivesse a privacidade.

Bem, voltemos ao meu ex-aluno. Quando perguntei se ele estudava enquanto sua irmã mais nova namorava, ele assentiu que sim. Mas, sempre ficava de olho! A única certeza que tive é que ele passou no vestibular. O resto…Ah… isso fica para outra história!

Coluna Draft

por Edgar Talevi

Edgar Talevi de Oliveira é licenciado em Letras pela UEPG. Pós-graduado em Linguística, Neuropedagogia e Educação Especial. Bacharel e Mestre em Teologia. Atualmente Professor do Quadro Próprio do Magistério da Rede Pública do Paraná, na disciplina de Língua Portuguesa. Começou carreira como docente em Produção de texto e Gramática, em 2005, em diversos cursos pré-vestibulares da região, bem como possui experiência em docência no Ensino Superior em instituições privadas de Ensino de Ponta Grossa. É revisor de textos e autor do livro “Domine a Língua – o novo acordo ortográfico de um jeito simples”, em parceria com o professor Pablo Alex Laroca Gomes. Também autor do livro "Sintaxe à Vontade: crônicas sobre a Língua Portuguesa". Membro da Academia Ponta-grossense de Letras e Artes. Ao longo de sua carreira no magistério, coordenou inúmeros projetos pedagógicos, tais como Júri Simulado, Semana Literária dentre outros. Como articulista, teve seus textos publicados em jornais impressos e eletrônicos, sempre com posicionamentos relevantes e de caráter democrático, prezando pela ética, pluralidade de ideias e valores republicanos.