Domingo, 16 de Junho de 2024

25 anos de abaciado: “Não existe curso para ser abade, assim como não existe curso para ser pai”, analisa dom André

2022-11-29 às 15:52

Comemorando o jubileu de prata da Abadia da Ressurreição, o abade Dom André Martins participou do programa  Manhã Total, apresentado por João Barbiero, na Rádio Lagoa Dourada FM (105,9 para Ponta Grossa e região e 90,9 para Telêmaco Borba), nesta terça (29) e explica várias questões relacionadas aos irmãos beneditinos.

Segundo o abade, “Dom” é um título medieval da Ordem de São Bento, que é uma abreviação de “Dominus” (senhor, em latim). “É nosso costume chamar de ‘dom’. Você pode me chamar de ‘dom abade’ ou ‘dom André'”, acrescenta. A adoção do título “Dom” advém de uma tradição hispânica, que passou para Portugal e, deles, para o Brasil. “No resto da igreja, o bispo tem o título de Monsenhor. O ‘dom’ é dos monges e, na Espanha, por um determinado decreto de um rei, ficou para os bispos também. No Brasil, os bispos são também chamados de ‘dom’, mas o correto seria ‘monsenhor'”, reitera.

Dom André comemora o jubileu de prata como abade. Porém, antes disso, ele já acumula outros seis anos na direção do Mosteiro da Ressurreição. Ele já era o superior do mosteiro quando foi eleito e empossado, no dia 5 de setembro de 1997. Naquele mesmo ano, em 30 de novembro, o então bispo de Ponta Grossa, Dom Murilo Ramos Krieger, o abençoou como abade. Até então, ele era o “prior” do Mosteiro da Ressurreição, que tinha elevado à condição de abadia pela Santa Sé.

O marco do Jubileu de Prata representa, para dom André, “um momento de reflexão, de recordações, mas também de avaliação”. “Durante 25 anos de abaciado, constato acertos e desacertos. Não existe curso para ser abade, assim como não existe curso para ser pai, por exemplo. Toda a literatura pode nos oferecer elementos para eu poder viver melhor como abade, orientar melhor os monges, governar melhor o mosteiro. Mas nós vamos aprender na prática”, diz.

Dom André observa que o papel de um abade é, de certa forma, o de um pai. A própria acepção da palavra é essa: abade deriva do termo latino abbas, que significa “pai” e se refere à vida monástica e a quem governa uma abadia. “O abade exerce, no mosteiro, a sua paternidade. Ele não é apenas um administrador, como superior. Ele tem também a função de paternidade. Até, por isso, que o abade fica longos anos, pois vai formando gerações. Aqui, em Ponta Grossa, há apenas um monge que viemos juntos de São Paulo. Os outros, todos, viveram comigo como abade, de maneira que essa questão de paternidade e filiação é praticamente com toda a comunidade”, afirma.

Sobre a diferença entre mosteiro e abadia, Dom André detalha que um mosteiro pode se tornar uma abadia ou um priorado. “Quando um mosteiro chega a ter 12 monges devotos solenes, perpétuos, a Santa Sé concede o grau de abadia que, digamos, é a maturidade de um mosteiro. Há muitos mosteiros que são priorado e não chegaram a abadia. O nosso chegou, há 25 anos”, frisa.

O arcebispo emérito de Salvador (BA) e Primaz do Brasil, Dom Murilo Krieger, esteve neste ano pregando num retiro no Mosteiro da Ressurreição. Foi ele que, ainda na condição de bispo da Diocese de Ponta Grossa, antes de assumir a Arquidiocese de Maringá, abençoou o abade. “Gostaríamos muito que ele viesse presidir a Eucaristia, mas já tinha compromisso”, diz.

O abade lembra com carinho de Dom Murilo, que comandou a Diocese de Ponta Grossa de 1991 a 1997. “Ele marcou muito Ponta Grossa, foi um bispo querido e era muito amigo nosso. Ele frequentou muito o Mosteiro e gosta dos Beneditinos. Nos acompanhou sempre, mesmo quando estava em Maringá e, depois, na Bahia”, cita.

Nova sede em Itaiacoca

Os monges estão construindo uma nova sede da Abadia no distrito de Itaiacoca. A atual sede, onde estão há mais de 30 anos, fica no final da Rua Frei Tiago Luchese, cerca de 2,5 km de distância de seu início, junto à Avenida Souza Naves, no bairro Chapada. Antes, era uma área rural e bastante isolada do município de Ponta Grossa. Entretanto, nas últimas duas décadas, o crescimento populacional e a expansão imobiliária fez com que o local ficasse mais próximo da cidade.

Dom André explica que quando os irmãos beneditinos saíram de São Paulo em direção a Ponta Grossa, eram um grupo de 10 monges. Em São Paulo, o Mosteiro São Bento fica no Centro. “Nosso projeto era retomar o ideal de São Bento, que é uma vida monástica mais afastada da cidade. Uma vida mais simples, mais rural. Até porque já tínhamos consciência disso: a sociedade e a cultura são muito urbanizadas. É interessante haver espaços onde as pessoas possa ir, num final de semana, fora da cidade, aproveitar a beleza do campo, o silêncio, a natureza. Tivemos sempre esse ideal”, comenta.

De início, os monges se instalaram na ermida de Vila Velha. “Gostávamos muito de lá, mas não pudemos ficar, porque era um comodato com o governo e não tínhamos segurança em permanecer. Conseguimos comprar esse local onde estamos, mas já sabíamos que Ponta Grossa ia crescer e que ficaríamos num bairro. É o que está acontecendo, agora, de uma uma maneira um pouco mais veloz”, ressalta.

“Pensamos: se fosse para ficar num bairro, teríamos ficado no Centro de São Paulo. Nosso projeto era ficar distante. Não distante do povo. Queríamos um lugar distante, mas de fácil acesso, onde as pessoas possam ir e aproveitar o local, distante do barulho”, emenda.

Quando decidiram que era hora de se mudar, os monges encontraram um local “paradisíaco”, segundo o abade, no distrito de Itaiacoca. Já faz 14 anos que foram feitos os trabalhos de terraplanagem, que deram início à obra da nova sede da Abadia da Ressurreição. Hoje, o local já possui uma hospedaria, com 14 quartos, uma área de serviço e a igreja de estilo românico, que está recebendo o telhado. “Foi lá onde celebramos a missa dos 25 anos de abaciado“, conta.

O abade estima que ainda existem dois terços da obra da nova sede a serem executados. A igreja, reconhece Dom André, é por si só uma construção bastante complexa e está perto de ser concluída. “O resto vai muito mais rápido, exceto as celas (os quartos), que são 48, 50, no máximo”, acrescenta.

Parte dos recursos para concluir a obra da nova sede da Abadia da Ressurreição pode vir da venda da atual sede do Mosteiro da Ressurreição. A negociação, entretanto, será feita com muita cautela pelo abade, pois ele espera que o local, que foi construído a muito custo e que concentra muita arte sacra dos irmãos beneditinos, fique nas mãos de quem a preserve como merece.

Clausura

Segundo o abade, se construíram muitos mitos em torno do significado da clausura preconizada pelos monges. Dom André enfatiza que, apesar do isolamento social, o monge não vive à parte da sociedade, nem alheio à realidade. “Já na época de São Bento, no Monte Cassino [Itália], que é uma situação semelhante à nossa, distante, no alto, as pessoas iam ao Monte Cassino – e muitas. Pessoal todo que passava naquela via de Roma a Nápoles subia, porque via o mosteiro no alto. O Monte Cassino sempre foi muito visitado durante os séculos todos. Tem mais de 1500 anos de história. Os mosteiros beneditinos são muito procurados por pessoas, para conversarmos, para sacramentos. E também temos acesso aos meios de comunicação e sabemos tudo o que está acontecendo, até para isso ser matéria de nossa oração”, argumenta.

Visitação e aconselhamento espiritual

O Mosteiro da Ressurreição é aberto a visitas de terça a domingo. A segunda é reservada para o descanso dos monges. “Temos monges que acompanham casais, leigos, religiosos que vão, regularmente, conversar conosco. Atendemos e fazemos aquilo que é necessário: escutar e dar uma boa palavra. Não resolvemos os problemas de ninguém, mas podemos ajudar a refletir e as pessoas a tomarem suas posições e decisões. Esse é um trabalho que fazemos e que é de tradição na Igreja: os monges sempre fizeram isso”, destaca.

Muita gente procura pelo mosteiro, segundo Dom André, por questões de ordem psíquica: pessoas que enfrentam depressão, síndrome de burnout e aí por diante. “Não somos profissionais, psicólogos, psiquiatras. Atendemos do ponto de vista espiritual, que é importante, porque o homem nem é só psiquê, nem só matéria, é espírito também”, explica.

Dom André salienta que nenhum paciente deve deixar o tratamento médico, sob hipótese alguma. O aconselhamento que os monges prestam é apenas complementar. “Ela pode nos procurar. A cura, muita vezes, vem da possibilidade de ter alguém que a escute. Na nossa tradição, que é uma tradição quase da idade da Igreja, de mais de 1500 anos, os monges tiveram um insight muito interessante: quando nós falamos, nós nos escutamos e isso já é o inicio de uma cura. Quando tenho algo dentro de mim, isso cresce em progressão geométrica. Quando eu falo, percebo que tudo o que está falando não é tão grande assim. Quem escuta deve fazer a pessoa entender é muito menor do que o que ela está vendo ou sentindo. Escutar uma pessoa e ela ter a capacidade de verbalizar já é o início de uma cura”, diz.

Confira a entrevista com o abade do Mosteiro da Ressurreição na íntegra: