O ex-vereador, ex-deputado e ex-prefeito Péricles de Holleben Mello, do Partido dos Trabalhadores (PT), falou sobre a movimentação da campanha de Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência no 2º turno. Durante entrevista ao programa Manhã Total, apresentado por João Barbiero, na Rádio Lagoa Dourada FM (105,9 para Ponta Grossa e região e 90,9 para Telêmaco Borba), nesta quarta (19), Péricles avaliou o momento como “de extraordinária importância para o futuro do Brasil”.
Péricles tem ajudado a articular a campanha de Lula à Presidência dentro do estado do Paraná e a abordagem ao eleitor tem sido, segundo ele, uma “crítica comparativa”. “A sociedade brasileira vive o momento mais importante da sua história republicana. É uma grande encruzilhada histórica. O que está em jogo não é o Lula, do PT, versus o Bolsonaro. O que está em jogo são dois modelos totalmente distintos, que oferecem um futuro completamente diferente para o povo brasileiro”, analisa.
De acordo com Péricles, as duas plataformas de campanha mostram dois modelos econômicos, sociais, políticos e culturais “extremamente diferentes”. Os modelos governamentais, em nível municipal, estadual, federal e internacional apresentam “diferenças visíveis, até mesmo no lugar em que a gente mora, por menor que ele seja”.
“De um lado, uma coisa chamada bolsonarismo, que é um neoliberalismo agressivo, que não deu certo em lugar nenhum do mundo porque, onde se implantou esse modelo, foi uma tragédia. Tanto que a esquerda surge dessa tragédia social que é o neoliberalismo”, aponta o petista. Segundo Péricles, esse modelo contribuiu para aumentar o grau de miséria, destruir direitos sociais adquiridos, promover “uma violência generalizada no cotidiano das pessoas”, o populismo, a concentração de renda e propriedade.
A campanha do PT, de acordo com Péricles, é “uma reação a isso”, assim como foi observado na Argentina e no Chile. “O modelo neoliberal que antes se apresentou na América Latina, foi no Chile, com a ditadura do Pinochet”, diz. O “caos” que a Argentina vive hoje, em sua visão, seria reflexo do período de neoliberalismo do último mandato – Maurício Macri admitiu o fracasso econômico de sua gestão. Alberto Fernández e sua vice, Cristina Kirchner, chegaram à Casa Rosada com uma herança econômica “maldita”.
“A Argentina era um dos países ricos e empobreceu, simplesmente, na grande crise, em 2003, desapareceu uma parte importante da classe média. Esses processos sociais, que no mundo inteiro acontece, está acontecendo no Brasil”, avalia.
De acordo com o ex-prefeito de Ponta Grossa, o modelo neoliberal de Jair Bolsonaro (PL) é “muito agressivo, violento e extremamente individualista”. Segundo ele, esse modelo econômico em vigor surgiu enquanto os bolsonaristas apoiaram reformas como a da Previdência e a Trabalhista “e queriam uma mais agressiva ainda”. “Bolsonaro permitiu, como nenhum outro governo na história do Brasil, a destruição da Amazônia, do Pantanal, de povos indígenas e os direitos de comunidades tradicionais, a mineração ilegal. Se associou à chamada lumpen-burguesia, que enriquece destruindo o meio ambiente”, comenta.
Péricles avalia que, no século XXI, essas práticas não são mais possíveis. Da mesma forma, a repressão policial por meio da violência, “setores da polícia que querem e exigem liberdade para matar, não apenas a função de prender e impedir que o crime aconteça”, denuncia. “Uma polícia que tem liberdade para matar também tem liberdade para se corromper. Quando vejo, por exemplo, no Rio de Janeiro, uma ação da polícia que o STF tentou impedir na pandemia, já sei que tem algum problema lá. Provavelmente, o setor do tráfico, aliado a essa parte da polícia está disputando o controle da região com outro setor do tráfico”, opina.
“Para mim, o Brasil de Bolsonaro é o ‘cada um por si, Deus por todos’. É o que melhor define esse modelo, que muitas pessoas aceitam, inclusive, pessoas mais pobres”, analisa. O petista acredita que os mais pobres que se identificam com o bolsonarismo o fazem por terem crescido em uma sociedade que não olhou por eles, que nasceram sem nada e nunca foram protegidos, apesar de avanços sociais observados no governo Lula. “Tem uma camada que não percebe dessa forma as coisas e acredita no individualismo mesmo”, acrescenta.
Péricles afirma não conseguir entender os caminhoneiros sendo a vanguarda do bolsonarismo. “O caminhoneiro, hoje, tem muito mais dificuldade de se aposentar do que tinha quando o Lula era presidente. Bolsonaro apoiou a Reforma da Previdência. Como um caminhoneiro apoia a Reforma da Previdência? Será que ele apoia a Reforma Trabalhista, que o Bolsonaro apoia?”, questiona.
O ex-deputado estadual critica a alegada intenção de Bolsonaro em privatizar a Petrobras. “Toda a riqueza da Petrobras, que acusam o PT de destruir, foi o PT quem criou; porque, ao manter a estatização, acreditamos no Pré-Sal, enquanto ninguém acreditava. E não privatizamos. A Petrobras é o que é hoje por causa do Pré-Sal, se não tivessem destruído as refinarias, teríamos um preço menor da gasolina”, diz.
O petista acusa o governo Bolsonaro aproveita a máquina pública para fazer barganha eleitoral com questões como o preço da gasolina e o Auxílio Brasil. “A população precisa tomar consciência de que ele está fazendo isso por oportunismo eleitoral. Agora, ele promete que vai continuar, mas não foi assim que ele agiu no seu governo, durante os quatro anos. Agiu quando foi pressionado para agir, principalmente, pelas esquerdas, que pediram esse auxílio de R$ 600 e, agora, usa como medida para ganhar voto”, alega. “Se fosse nosso governo que tivesse tomado essas medidas, tinham nos cassado”, compara. Péricles ressalta que o PT é a favor de toda medida que vise beneficiar à população, mas não só em época de eleição.
De outro lado, Péricles aponta uma diferença marcante entre as gestões no que tange à questão cultural: o PT considera que o Brasil possui uma rica diversidade cultural. “Não pode ter uma homogeneização cultural, de cima para baixo. Os povos indígenas, que têm uma antropologia cultural, mas que quiseram permanecer na condição de povos indígenas, têm o direito de permanecer. O papel dos povos indígenas hoje é fundamental porque, ao preservar sua cultura, eles preservam a Amazônia, preservam o meio ambiente”, diz.
A situação da Amazônia é tão inaceitável, na visão de Péricles, que levou a muitos que, antes, eram críticos ao PT, como os economistas liberais do PSDB, declararam voto em Lula, como Fernando Henrique Cardoso. “Fora os setores empresariais mais civilizados, que estão apoiando Lula, sabendo que é uma frente antibolsonarismo, porque, se esse cara ganhar de novo, será uma tragédia como nunca vista antes na história do Brasil”, afirma.
A Frente Popular que apoia o candidato Lula defende a democracia e a transparência. “Questão política, para nós, é democracia radical, aprofundar as liberdades democráticas, é transparência total. Bolsonaro é o que? É segredo por 100 anos, é falta de transparência, é renegar o Ministério Público e escolher alguém que nem está na lista tríplice, que os promotores e procuradores federais apresentam ao presidente. Ele escolheu alguém fora da lista, que é o ‘engavetador da República’. Isso é falta de transparência e a corrupção é escondida, mesmo com transparência. Agora, calcule num governo autoritário, sem democracia, que coloca segredo por 100 anos, escolhe seus apaniguados para ser procurador da República, que quer controlar a Polícia Federal”, critica.
Péricles defende que, nos governos do PT, a Polícia Federal era completamente autônoma e que, nesse período, foram criadas todas as leis anticorrupção. “Corrupção não se vê agora? Está saindo uma empresa agora, lá no Nordeste, que está pegando todas as obras e o TCU [Tribunal de Contas da União] está investigando. Temos um procurador da República [Augusto Aras] que não aceita investigação contra o presidente”, reclama.
De acordo com o ex-deputado estadual, o PT implantou a transparência na gestão, deu poder ao Ministério Público, autonomia à Polícia Federal e criou uma série de leis que permitiram que a corrupção fosse descoberta.
O petista defende que o partido se manifesta como um modelo cultural de respeito às minorias, à diversidade e liberdade religiosa. “Pregamos o diálogo inter-religioso e eu trabalho a cultura de paz. Essa é a diferença cultural que temos com o bolsonarismo”, assinala.
Péricles denuncia a falácia bolsonarista de que “o PT vai fechar igrejas” ao apontar que foi o governo de Lula quem institucionalizou o Dia Nacional da Marcha Para Jesus – comemorado no primeiro sábado subsequente aos 60 dias após a Páscoa – pela lei federal 12.025/2009. “Qual igreja que Lula ou Dilma fecharam?”, indaga.
Ele também desmente a afirmação de opositores que dizem que o PT é favorável ao aborto. “A legalização do aborto é uma questão transversal, está em todos os partidos. A pessoa pode ser de extrema-direita e dizer que é a favor da legalização do aborto. Não é uma questão de esquerda. Pelo contrário. Existem pessoas dentro do PT [favoráveis à legalização], como de qualquer outro partido – com exceção de alguns, que têm como princípio essas questões de costume. Uma grande parte do PT é contra a legalização do aborto, alguns são a favor, mas essa é uma questão transversa. Quem tem que decidir isso é a população do país, não é partido, nem presidente”, argumenta.
Péricles desafia quem pretende votar em Bolsonaro a citar qualquer obra que tenha sido feita em Ponta Grossa, ou programa que tenha atendido ao município durante o atual mandato. “Sei um: o Médicos do Brasil que, em Ponta Grossa, com o plano que nosso governo fez, tinha 61 médicos e caiu para 11”, critica. O petista diz, ainda, que ninguém tem conhecimento de qualquer casa entregue em Ponta Grossa pelo programa de habitação Casa Verde e Amarela, se comparadas às casas entregues para quem ganha até dois salários mínimos, pelo Minha Casa, Minha Vida: 10 mil.
Questionado sobre como Lula administraria a pandemia de covid-19 no Brasil, Péricles responde que “com o mesmo rigor científico” que lidou com a epidemia de H1N1, “quando comprou 60 milhões de vacinas em três meses”. “Teríamos rigor científico para a vacina e seguiríamos o protocolo da ciência, da saúde, o protocolo universal, protegendo as pessoas e ia ter muito mais agilidade para comprar e distribuir a vacina”, alega.
Corrupção
O antipetismo também costuma atribuir ao partido a pecha da corrupção, como se ela jamais tivesse ocorrido, nem antes, nem depois do governo do PT. Péricles aponta que a Folha de S. Paulo fez um levantamento indicando quais seriam os menores patrimônios do Congresso Nacional e o partido cujos deputados têm o menor patrimônio. “Disparado, é o Partido dos Trabalhadores. Se você pegar o PT no Paraná, os deputados são professores, bancários. É o menor índice patrimonial, ou seja, não se enriqueceu na política. Alguns se corromperam, mas é uma minoria muito pequena”, diz.
De acordo com Péricles, o processo de corrupção “é do sistema político brasileiro”. “Lutamos, desde o início do partido, pelo financiamento público, por um motivo muito simples: se não há financiamento público, o rico pode fazer política, o pobre, não. Se o pobre quiser fazer política, vai acabar arrumando dinheiro de alguma forma. O que acontecia no Brasil? Essas empresas, destruídas pela Lava-Jato – e não precisava destruir as empresas, apenas prender quem se corrompeu – financiaram todo o sistema político brasileiro, todos os partidos. O que menos recebeu, inclusive, foi o PT, porque quer distribuir renda e é um partido de esquerda”, diz.
O petista sustenta que, com o crescimento experimentado nos governos de Lula e Dilma, se tornou evidente que o volume de obras e de dinheiro em circulação aumentaria. “O PT teve que governar, numa aliança, como vai ter que governar. Antes, não tinha Lei de Transparência, não tinha autonomia do Ministério Público, como teve no nosso governo, não tinha autonomia da Polícia Federal. Isso permitiu que a corrupção fosse revelada”, defende.
“É importante lembrar que mais corruptos foram presos na Lava-Jato estão apoiando o senhor Bolsonaro: o PP, o seu Valdemar [da Costa Neto, do PL, preso por envolvimento no Mensalão], o seu Eduardo Cunha. Ou seja, a grande maioria dos corruptos presos e condenados apoiam quem nessa eleição? Apoiam Lula? Não. Apoiam Bolsonaro”, enfatiza.
Péricles admite que houve corrupção no PT, mas que os envolvidos foram presos e pagaram por seus crimes. “Lula não cometeu crime nenhum. Quais foram os crimes de Lula? Todos os processos, com exceção de dois, o Lula foi absolvido. Quais processos foram anulados? Dois: um, de um apartamento que o Lula não chegou a comprar, diga-se de passagem. Ele tinha uma cota, estava negociando, já fazia alguns anos que ele tinha deixado a Presidência, e foi recebido pelo presidente da OAS para negociar o apartamento com o proprietário e ele desistiu de comprar. Esse é um processo que ele foi condenado, injustamente, pelo Moro. O Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu que o Moro tinha produzido provas de forma ilegal, que ele tinha sido um juiz parcial, e anulou o processo do apartamento. [O segundo] o sítio que nunca foi de Lula, ele usava o sítio”, argumenta.
Desarmamento
Bolsonaristas costumam acusar o governo do PT de ter desrespeitado a decisão da população quanto ao referendo ocorrido em 2005, porque “desarmou a população, apesar de o povo ter votado contra”. O que o povo votou contra era sobre alteração do artigo 35 do Estatuto do Desarmamento (Lei 10.826/2003), que tornaria proibida a venda de armas e munição em todo o território nacional, salvo exceções previstas em lei.
Péricles sustenta que o PT respeitou a vontade popular expressa no referendo, “mas tem que haver regras para o armamento”. Pessoalmente, ele se diz contra. “Nós, aqui, entendemos a pessoa ter uma chácara e manter um revólver em casa, segundo critérios. Bolsonaro escancarou e pregou o armamentismo”, compara.
“66% das pessoas ocupadas ganham menos de dois mínimos por mês. Quem ganha menos de dois mínimos e pode comprar um revólver?”, questiona.
Trajetória política
Péricles de Holleben Mello é militante de causas populares desde a juventude e filiado ao Partido dos Trabalhadores desde os anos 1980. Foi duas vezes eleito vereador em Ponta Grossa (1988 e 1992, ano em que foi o candidato mais votado). Em 1994, deixou a Câmara de Vereadores e se candidatou a deputado estadual pela primeira vez, cargo para o qual ele foi eleito cinco vezes (1994, 1998, 2006, 2010 e 2014).
Em 2000, ao se candidatar a prefeito pela segunda vez, foi eleito, numa disputa contra Jocelito Canto (PSDB), que concorria à reeleição. Teve um governo marcado pela implantação do Orçamento Participativo. Não se reelegeu em 2004, quando foi vencido por Pedro Wosgrau Filho (PSDB). Em 2012, quando concorreu à Prefeitura de Ponta Grossa pela última vez, travou uma acirrada disputa contra Marcelo Rangel (então no PPS): a diferença entre ambos foi 1,02% dos votos válidos no 1º turno (1.822 votos) e de 0,96% no 2º (1.682 votos).
Confira a íntegra da entrevista de Péricles Mello: