Quinta-feira, 09 de Maio de 2024

Fiéis apontam homofobia em declaração de padre de PG sobre relação entre pessoas do mesmo sexo

2024-04-08 às 13:34
Foto: Arquivo AssCom Diocese de Ponta Grossa

“Será que você tem amado aquela pessoa que convive com você? Não esse amor banalizado que o mundo apresenta, esse amor que junta pessoas de qualquer jeito para viver uma sexualidade desregrada e diz que é amor. Junta dois homens, duas mulheres ou poliamores e diz que é amor. Isso nunca vai ter a benção de Deus, isso não é amor de verdade, isso é meramente coisa humana”. As frases foram proferidas pelo padre Wagner Oliveira da Silva, no dia 5 de janeiro de 2024, em missa celebrada na Paróquia São João Paulo II. A declaração foi considerada homofóbica por um casal de mulheres que acompanhava o rito e pediu para não ser identificado.

Diante da fala, foi formalizada uma denúncia à Cúria Diocesana de Ponta Grossa. “Estávamos sentadas como qualquer outro participante. Nós duas somos criadas dentro da Igreja, apesar da nossa orientação sexual, e não somos respeitadas por isso. Nós respeitamos a religião em que fomos educadas, mas isso não dá o direito de um padre dizer o que pensa e nos desrespeitar”, conta uma das denunciantes. “Ele sabia que estávamos lá; em outra oportunidade ele já agiu com preconceito. Só que dessa vez não vou me calar. Isso é propagação de ódio, de uma fala que não pode existir”, complementa.

“A situação foi lamentável porque aonde deveríamos nos sentir bem e acolhido é na igreja, porque sabemos que o lado de fora é tudo complicado, as pessoas julgam, mas quando é apontado dentro da igreja, dói muito”, afirma a outra denunciante. Ela relembra o dia em que o sacerdote proferiu a declaração. “Começou a missa e na hora da homilia foi o momento em que ele falou. Do nada ele soltou aquilo sem necessidade. E o que mais me entristece é que parecia que ele estava falando para mim. Aquela hora meu mundo caiu, a vergonha, porque eu estava no meio da igreja. A minha sorte é que a gente estava na frente da porta do lateral e a gente saiu no meio da missa. Para mim foi horrível, porque o meu Deus não é assim, o meu Deus não julga. Eu nunca saí em missa nenhuma no meio, mas eu também sou humana, eu não preciso suportar isso. Me doeu muito, mas assim, onde eu mais deveria ser acolhida, foi onde eu menos me senti acolhida”, afirma.

Elas apontam que denúncias foram registradas para a Cúria Diocesana e no Ministério Público. Formalizado através do serviço Fale Conosco disponível no site da instituição religiosa, o pedido por um posicionamento não foi respondido. Diante do silêncio dos representantes da Igreja, as mulheres se dirigiram até o Ministério Público, que arquivou o caso no dia 24 de janeiro, mas outro processo ainda está em andamento.

A missa na qual a declaração é proferida pode ser conferida clicando aqui, a partir dos 59 minutos. O trecho da declaração pode ser conferido no player abaixo:

O que diz a Igreja?

A Cúria Diocesana e o padre Wagner foram procurados pela reportagem do D’Ponta News sobre um posicionamento sobre a situação. A instituição afirmou que irá averiguar com o responsável pelo site a questão da denúncia. Já o padre Wagner afirmou que o trecho em questão foi retirado de contexto. “Dentro do contexto referente à orientação pastoral sobre a benção, que eu trazia à minha comunidade paroquial a partir da declaração Fiducia Supplicans do papa Francisco, de 18 de dezembro de 2023, de modo que quando eu digo ali da questão do amor banalizado, eu estou falando não apenas das situações de uniões homoafetivas, mas estou falando de toda forma de desregramento da sexualidade. Ao mesmo tempo que eu falo isso, eu estou trazendo a compreensão de que mesmo dentro de um relacionamento homoafetivo deve haver uma harmonia no significado do amor”, afirma. Em complemento, o padre aponta que “o amor não pode fazer do outro um objeto seu, mas o amor precisa partilhar vida, acolher a ferida do outro, precisa amparar outro, de modo que em nenhum momento houve qualquer discurso homofóbico. Se formos procurar outras homílias de outras épocas, nessas homílias eu digo que, assim como o papa Francisco recorda, nós precisamos ser uma igreja acolhedora, e o acolhimento é a todos”.

Como citado por Wagner durante a entrevista, o posicionamento referente ao acolhimento vai de encontro com o que tem sido proposto pela autoridade máxima da Igreja Católica. Em dezembro do ano passado, Francisco permitiu que sacerdotes abençoassem casais homossexuais. “Contemplamos a possibilidade de acolher também aqueles que não vivem de acordo com as normas da doutrina moral cristã, mas pedem humildemente para serem abençoados”, diz trecho do texto.

Um mês depois, em resposta aos críticos da medida, o papa afirmou que via hipocrisia naqueles que são contrários às graças concedidas. Em entrevista à revista católica italiana Credere, Francisco afirmou que “ninguém se escandaliza se eu der minhas bênçãos a um empresário que talvez explore pessoas, e isso é um pecado muito grave. Mas eles se escandalizam se eu as dou a um homossexual”.

“Agora, o que não é possível, e isso está claro na declaração do papa, é a bênção à união que não está em conformidade da lei natural ou com aquilo que a igreja apresenta a nós como referência do sacramento do matrimônio. Em síntese, como está na Amoris laetitia, que foi uma exortação belíssima também de papa Francisco, do ano de 2016, o grande problema está em viver uma sexualidade desregrada ou ao mesmo tempo querer equiparar outras uniões ao sacramento, ao matrimônio propriamente”, aponta padre Wagner.

Ao fim de sua declaração, o sacerdote afirma: “Se a pessoa se sentiu ofendida de alguma forma, eu peço perdão e peço que venha falar diretamente comigo para que a gente possa conversar claramente e então sim, ouvindo o padre Wagner, perceba onde está a verdade, aonde está o real contexto, e ali eu vou poder falar todos os testemunhos bonitos que eu tenho, e que nós fiquemos na paz”.

Como a Justiça encara crime de homofobia?

Em 2023, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu que atos ofensivos praticados contra pessoas da comunidade LGBTQIAPN+ podem ser enquadrados como injúria racial. A decisão foi tomada na sessão virtual concluída em 21 de agosto, no julgamento de recurso (embargos de declaração) apresentado pela Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos (ABGLT) contra acórdão no Mandado de Injunção (MI) 4733. Assim sendo, responsáveis por crimes dessa natureza não têm direito à fiança. A pena é de reclusão de um a três anos e multa. Com a decisão do STF, o Brasil se tornou o 43º país a criminalizar a homofobia, segundo o relatório “Homofobia Patrocinada pelo Estado”, elaborado pela Associação Internacional de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais e Intersexuais (Ilga). No entanto, mesmo com as medidas legais sendo aprofundadas, o Brasil continua sendo o país que mais mata LGBTQIAPN+ no mundo.

Para a advogada especialista em Processo e Prática Penal e atuante da causa, Thaís Boamorte, “por mais que exista a liberdade de culto, ao falar que a relação de ambas é algo desregrado demonstra claramente o preconceito. Por mais que o dogma da igreja católica seja relacionamentos heteroafetivos, Jesus ensina que deve se amar ao próximo independente de sua raça, cor, religião e até mesmo sua orientação sexual. Então configura sim um crime de homofobia e como elas como casal sentiram-se ofendidas, uma injúria racial também”.