Com produção de vinhos orgânicos e biodinâmicos, a portuguesa Filipa Pato visita o Brasil e nos conta sobre sua dedicação e resultados no mercado internacional
Curitiba teve a satisfação de receber, mais uma vez, uma grande profissional do vinho, a dinâmica enóloga portuguesa Filipa Pato. Ela participou de eventos pela capital divulgando seus vinhos e sua visão no modo de produção que, atualmente, é focado em vinhos orgânicos e biodinâmicos.
Nascida na Bairrada, em Portugal, Filipa é filha do também conceituado enólogo Luis Pato. A família produz vinhos há várias gerações e, mesmo com toda essa bagagem familiar, ela quis trilhar seu próprio caminho: viajou pelo mundo aprendendo, conhecendo outros produtores, estudou na França, na Austrália e esteve também pela América do Sul, na Argentina, agregando conhecimentos e experiências. Foram mais de 20 anos de trabalho junto com o marido belga, William Wouters, e agora, juntos, colhem os frutos dessa dedicação. Os rótulos Filipa Pato são comercializados em 50 países e comentados no New York Times, na Wine Advocate, Wine Spectator, Forbes Internacional entre outros órgãos conceituados no mundo do vinho.
Em entrevista exclusiva para Patrícia Ecave, ela nos conta um pouco da sua trajetória no fascinante mundo do vinho. Confira:
Várias gerações da sua família já trabalharam com vinho. Conte um pouco da sua história, isso influenciou sua carreira desde sua infância?
Sem dúvidas. Eu tenho contato com as vinhas desde cedo, adorava andar na natureza, tinha uma paixão por andar no campo e perceber toda a biodiversidade que existe na Bairrada. O fato de ter tido contato desde cedo influenciou determinantemente minha profissão, quer seja com meus avós ou com meus pais, mas tentei fazer tudo com minha própria visão, com meu próprio cunho pessoal. Comecei meu projeto em 2001, com 25 anos. Comecei bem jovem, mas arrisquei, haviam muitas vinhas velhas sendo abandonadas em locais fantásticos e achei que eram grandes oportunidades para começar o meu próprio caminho e comecei por aí, descobrindo vinhas centenárias incríveis de Baga (uva).
Como foi trilhar seu caminho tendo como pai o conceituado enólogo Luís Pato? Qual foi o momento em que você começou a seguir seus próprios passos?
Foi bom ter o contato com minha família, mas o fato de ter encontrado essas vinhas velhas que citei anteriormente, foi um desafio para ter me tornado independente, foi uma oportunidade para me desenvolver e um grande sucesso internacional, principalmente no mercado americano, inglês e no Brasil também. Foi aí que comecei meu caminho independente. Nunca tive as mesmas importadoras que meu pai, por exemplo, por que foi de fato uma forma de me tornar independente e ter meus próprios negócios. Foi ótimo olhar para trás e ter criado uma marca junto com meu marido porque trabalhamos, investimos juntos e o vinho é nossa família, nossa paixão. Estamos com grandes resultados, num caminho fantástico que nos enche de orgulho.
Você tem um currículo notável. Estudou na França, Austrália, Argentina, seus vinhos foram comentados no New York Times, Wine Spectator, Wine Advocate, Forbes Internacional, tem várias premiações. O que tudo isso representa para você?
É um grande orgulho e resultado de muito trabalho. Isso não veio do nada, foi um trabalho de 20 anos em conjunto com meu marido Willian, foram muitas viagens, muita dedicação junto às vinhas. Quando estamos na Bairrada, estamos obcecados em trabalho e trabalhamos muito no sentido de evolução do ecossistema, trabalhamos com muitos animais, trabalhamos com muitas plantas da região, investigamos muito todos esses pontos que nos fazem evoluir. E essa comunicação da evolução que estamos fazendo reflete-se também no vinho, temos alcançado muita comunicação positiva que nos enche de orgulho, quer seja inglesa, americana – que depois repercute na procura de outros mercados que surgem. Hoje em dia já não estamos em feiras de vinhos, os clientes vêm a nossa procura e isso é super incrível. Os novos clientes que surgem têm que esperar até janeiro para entrar na lista de reservas, porque nossa produção é limitada e tem que estar dividida entre todos. Além disso, queremos sempre dar valor a quem apostou em nosso trabalho desde o início, clientes que nos apoiaram desde o começo. É importante destacar ainda que temos vinhos em mais de 50 países.
O seu projeto “Vinhos Autênticos Sem Maquiagem” está ligado diretamente à produção de vinhos orgânicos e biodinâmicos?
Sim. Vinhos biodinâmicos estão um passo à frente de vinhos orgânicos. Uma vinha biodinâmica tem que estar certificada como orgânica e depois ter mais dois anos de transição, ou seja, no total de cinco anos de transição o que permite uma energização fantástica dos solos que ficam mais vivos, com mais plantas, são vinhas mais vivas e, claro, são necessários mais investimentos. A Bairrada não é uma região fácil para implantação de vinhas biodinâmicas porque é muito úmida na primavera, mas fizemos muita investigação e conseguimos ter uma transição que a videira agradece. Estamos certificados pela Demeter (certificação destinada a produtos agrícolas biodinâmicos) e somente dois produtores em Portugal possuem essa certificação. Foi um trabalho árduo, além de muita burocracia, mas é isso que queremos oferecer aos nossos clientes, vinhos autênticos, sem maquiagem, que espelham de forma fiel a sua origem, com a mínima intervenção e com o foco apenas nas castas tradicionais da Bairrada.
Você se define como ‘Baga-Terrorista’. O que significa este termo?
É um amante da uva/casta Baga, é alguém que entende sobre ela, a Baga é originária da Bairrada em Portugal. A uva Baga esteve um pouco abandonada na região e minha família e eu discordamos com esse abandono, inclusive meu pai sempre foi um grande divulgador da Baga e, portanto, focamos nessa uva. Eu uso só Baga e acreditamos que focando nela podemos melhorar o conhecimento dessa uva. Ela se adapta completamente na região da Bairrada, está ali há muitos séculos, muito antes da filoxera, e se adaptou ao clima. Nós que trabalhamos com vinhos biodinâmicos queremos castas adaptadas àquele local, como a baga, e por isso somos baga-terroristas.
Enquanto mulher, você teve dificuldades ou algum tipo de preconceito durante sua trajetória no mundo do vinho?
Eu não foquei no mercado português, se tivesse feito isso desde o início, aí sim, talvez, tivesse dificuldades, mas quando comecei a fazer vinhos, meu desafio era vender fora da Bairrada, era uma forma de sair de lá no inverno, eu não gostava de estar lá nesta estação, é uma região muito úmida e fria; para mim era importante viajar, conhecer o mundo, outros produtores, outras realidades. Foi superimportante para mim poder exportar vinhos. Quando se exporta não se sente esse machismo que há em Portugal. Agora há menos, mas quando comecei, há mais de 20 anos, havia machismo. Hoje em dia noto que o mercado está mais aberto às mulheres, acho que esta geração criou uma onda feminina muito forte. Eu lembro-me que minha avó e minha mãe estavam sempre na retaguarda, era sempre os homens na frente, mas elas foram importantes também, só que estavam sempre atrás. Em uma vinícola é importante ter tanto o lado masculino, como o feminino, valorizar os dois lados, manter o respeito entre ambos é muito importante e criar uma evolução profissional. Eu não gosto de fazer vinhos sozinha, não gosto que se torne um monólogo, eu e meu marido estamos sempre em contato, pensando, discutindo ideias, isso conjuga muito bem, cria mais evolução.
A Bairrada é famosa por produzir espumantes de excelente qualidade, inclusive você tem em seu portfólio, mas não gosta do termo “espumantes”. Por quê?
A Bairrada é uma região tão rica, um microclima fantástico, vinhas incríveis, solo calcário, com influência marítima atlântica, com um potencial tão grande para fazer espumantes de alta qualidade que não devia se chamar espumante. É um método tradicional, trabalhamos com castas locais, faria todo sentido usar um nome próprio da região, um nome que caracterize a região da Bairrada. Estamos cada vez mais tentando influenciar os demais produtores e a Comissão da Bairrada em criar um nome em consenso com todos que realmente valorize ainda mais os métodos tradicionais da Bairrada. Eu me recuso a falar ‘espumantes’, há várias sugestões de nomes de rios, montanhas da região, o que penso é que deveríamos valorizar mais e pensar em um nome próprio que identifique a Bairrada.
A rolha utilizada nos rótulos Filipa Pato é biológica natural. Qual é a vantagem deste material?
A rolha de cortiça pode trazer riscos por causa do TCA (substância química liberada pelas rolhas atacadas por alguns fungos) e uma grande parte das vinícolas passaram a usar outros sistemas de vedação como screw cap, microgranulado, plástico e outras opções a fim de evitar esses problemas. Mas, quando se trata de um vinho que vai evoluir, o ideal é mesmo a rolha, não há ainda outra alternativa para uma boa rolha. Então apostamos no conhecimento de ter uma rolha eficiente e encontramos produtores de rolhas certificadas de cortiça natural, com cor natural e de florestas biológicas. É uma rolha que vai conseguir estar em contato com o vinho por 20, 30 anos facilmente. A baga é uma casta que tem uma capacidade de envelhecimento única em Portugal, mais uma razão para investir em uma boa rolha, sabemos quando trabalhamos em biodinâmica que é importante termos uma rolha que não transmita resíduos, que não haja contaminação e não prejudique a evolução do vinho, por isso escolhemos esse tipo de rolha natural.
Que características podemos encontrar nos vinhos Filipa Pato provenientes do terroir da Bairrada?
É um terroir específico com vinhos diferentes, tem um toque de brisa atlântica, os brancos sempre trazem muita salinidade, frescor e ao mesmo tempo cremosidade, por causa dos solos argilosos-calcários, isso dá um toque muito especial aos vinhos brancos. Aos vinhos tintos a adaptação da Baga em cada região é incrível, traz notas de ameixa, cereja, há muita floresta em volta das vinhas, com pinheiros, oliveiras, que no fundo são importantes e influenciam esse ecossistema. Nós preservamos todo esse ecossistema porque consideramos crucial manter um vínculo, nós queremos fazer um vinho com identidade, não é para todos os consumidores. É um vinho com grande caráter, é um nicho de mercado e isso é importante no mundo do vinho, que tenham rótulos com identidades fortes, se não passamos todos a beber vinhos iguais e não teria graça. Para nós também é importante abrir a garrafa, sentir e dizer: isto é baga da Bairrada!
Os seus vinhos são comercializados no Brasil desde 2006. Como é a sua relação com o país?
É um país muito especial para mim, os brasileiros conhecem nossos vinhos, vão nos visitar em Portugal. Estamos no Brasil desde 2006 e foi aqui que eu e meu marido começamos a namorar, o vinho ‘Nossa’ vem desse período e da expressão brasileira que exprime admiração e nossa paixão pelo vinho.