No Brasil, 4,8 milhões de crianças e adolescentes, na faixa de 9 a 17 anos, não têm acesso à internet em casa. Eles correspondem a 17% de todos os brasileiros nessa faixa etária. Os dados, divulgados na semana passada semana pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), fazem parte da pesquisa TIC Kids Online 2019, que será lançada na íntegra em junho.
O levantamento é feito pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br) do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br). Os dados foram solicitados pelo Unicef para medir, em meio à pandemia do novo coronavírus, causador da covid-19, quantas crianças e adolescentes estão sem acesso a aulas online e a outros conteúdos da internet que garantam a continuidade do aprendizado.
“A gente está em um momento de crise, uma crise aguda em função da pandemia, que vai ter impacto na vida das crianças e adolescentes, como um todo. Do ponto de vista da educação, a gente está com uma questão séria: o que é preciso fazer para que essas crianças e adolescentes tenham acesso a algum tipo de aprendizagem”, diz o chefe de Educação do Unicef, Ítalo Dutra.
Segundo Dutra, a pandemia evidencia desigualdades que já são enfrentadas no cotidiano em todo o país. Há escolas que têm infraestrutura adequada e de qualidade, e outras que não, o que já impacta o aprendizado das crianças.
“Com a pandemia, com as escolas fechadas, temos, obviamente, uma situação que é ainda mais aguda. Vemos com preocupação a situação em que nos encontramos e, principalmente, entendemos a necessidade de olhar para uma maneira de garantir o acesso de crianças, adolescentes e suas famílias à internet.” É parte da garantia de direitos de crianças e adolescentes, afirmou.
A pesquisa mostra que, entre aqueles que não têm acesso à internet em casa, alguns conseguem acessar a rede em outros locais, como escolas, telecentros ou outros espaços. Isso antes da adoção de medidas de isolamento social no país. As informações foram coletadas entre outubro de 2019 e março de 2020.
Aqueles que não acessam a internet de nenhuma forma, no entanto, chegam a 11% da população nessa faixa etária. A exclusão é maior entre crianças e adolescentes que vivem em áreas rurais, onde a porcentagem daqueles que não acessam a rede chega a 25%. Nas regiões Norte e Nordeste, o percentual é 21% e, entre os domicílios das classes D e E, 20%.
Em ter os gerais, o acesso cresceu em relação ao último levantamento, de 2018, quando 14% das crianças e adolescentes não navegavam pela rede. As desigualdades regionais e de renda, no entanto, permanecem, diz o coordenador de Projetos de Pesquisas do Cetic.br, Fábio Senne. “Os não usuários estão mais presentes nas regiões Norte e Nordeste e têm vulnerabilidade socioeconômica maior. Essas dimensões permanecem nas pesquisas, nos últimos anos, apesar do aumento constante de usuários.”
Mesmo entre aqueles que têm acesso à internet e contam com a rede em casa, a qualidade da conexão não é a mesma. “A gente nota que, mesmo entre os que têm acesso, há diferença em relação à posse de um pacote de dados 3G ou acesso a wi-fi, o que limita o tipo de conteúdo que pode ser acessado”, diz Senne, que acrescenta: “Há variações do ponto de vista da estrutura por regiões, principalmente na região Norte e em áreas rurais, onde é mais difícil, mesmo que se tenha acesso à internet, acessar conteúdos de streaming, que demandam muita quantidade de banda.”
Junto com os colegas, a professora do 2º ano do ensino fundamental Neila Marinho, que leciona em uma escola particular da cidade do Rio de Janeiro, fez um treinamento para ministrar aulas online e passou a oferecer aos alunos atividades por meio de uma plataforma digital.
Mesmo com todo o preparo, nem tudo sai como o esperado e a conexão, às vezes é uma barreira. Um dos estudantes, por exemplo, está em um local que tem baixa qualidade da internet. “Quando ele entra na sala, a gente tem muita dificuldade para ouvi-lo. Ele fala, e as falas picotam, [a internet] cai e não consegue voltar. Preciso enviar as atividades por mensagem para os avós”, conta Neila.
Sem wi-fi em casa, a trabalhadora autônoma Letícia Gomes, moradora do Complexo do Alemão, no Rio, divide com o filho, Marcos, que está no 3º ano do ensino fundamental, o pacote de dados do próprio celular. “Ter um computador ia ser muito melhor, principalmente por conta da leitura. Ler no celular é muito ruim”, diz.
Cumprindo as regras de isolamento social e ficando em casa, Letícia reserva um momento do dia para fazer as tarefas com o filho. “A professora envia matérias via Whatsapp e publica no Facebook. A gente tem que auxiliar a criança a fazer. Alguns conteúdos são difíceis de entender”, diz. Letícia conta que fica disponível para tirar dúvidas por mensagem.
No final do mês passado, o Conselho Nacional de Educação (CNE) autorizou, em parecer, a oferta de atividades não presenciais em todas as etapas de ensino, da educação infantil até o ensino superior.
Pelo parecer, as atividades não presenciais podem ser ofertadas por meios digitais, ou não. Podem ser ministradas, por exemplo, por meio de videoaulas, de conteúdos organizados em plataformas virtuais de ensino e aprendizagem e pelas redes sociais, entre outros. As atividades podem também ser oferecidas por meio de programas de televisão ou rádio; pela adoção de materiais didáticos impressos e distribuídos aos alunos, pais ou responsáveis; e pela orientação de leituras, projetos, pesquisas, atividades e exercícios indicados em materiais didáticos.
O CNE diz que é preciso, em cada localidade, observar a realidade das redes de ensino e os limites de acesso dos estabelecimentos de ensino e dos estudantes às diversas tecnologias disponíveis, na hora de definir as estratégias educacionais para o período da pandemia.
Da Agência Brasil