Há um ano, a rotina é a mesma. Chega às 7h da manhã para trabalhar, faz a higienização, coloca a roupa especial e vai ao encontro do paciente. Seu primeiro objetivo do dia é conhecer quem está no leito, checar sua medicação e verificar os sinais. Para quem trabalha em Unidade de Terapia Intensiva (UTI), pode parecer comum, se não fosse pelo fato de Emerson Jorge Santos, técnico de enfermagem, estar relatando sua rotina na UTI Covid-19. Desde março de 2020, quando a pandemia começou, ele trabalha na linha de frente, atendendo pacientes mais graves na ala UTI Covid do Hospital da Universidade Estadual de Ponta Grossa (HU-UEPG).
Sheik, como é conhecido por todos, trabalha na UTI 4, localizada no terceiro andar do Hospital. Com 37 anos e formado na área desde 2009, começou a trabalhar na instituição em março de 2013.
A escolha da profissão foi “aleatória”, segundo ele. Seu objetivo sempre foi trabalhar como socorrista, desde quando trabalhava na Secretaria de Saúde de Palmeira, sua cidade natal. Chegou até a fazer carteira de motorista classe D. “Um dos requisitos para ser socorrista é fazer o curso técnico em enfermagem e quando surgiu o concurso para o Hospital, comecei a pegar gosto por trabalhar na UTI”, explica.
Apesar do amor por trabalhar em uma unidade de terapia intensiva, ver diariamente pacientes infectados pela Covid-19 deixou marcas em Emerson. “O último ano está sendo um dos momentos mais difíceis que vivi. É algo inédito, que nunca aconteceu em todo esse tempo que eu trabalho, tanto na parte emocional, quanto profissional”, conta.
Mesmo com plantões de 24 horas, marcados de 7h da manhã de um dia para o outro, a imprevisibilidade do trabalho não deixa de aparecer. Sheik conta que já presenciou um caso em que marido e mulher estavam internados em quartos separados, um sem saber a situação de saúde do outro. Quando o marido faleceu, sua esposa ainda estava internada e soube do fato somente no momento da alta hospitalar.
Casos como esse são comuns em tempos de pandemia. Emerson enfatiza que já viu diversos casos semelhantes, como casais, pais e filhos e outros familiares serem internados juntos e um deles falecer sem que o outro soubesse. “Já vi até pessoas mais novas do que eu perdendo a vida para o vírus. Essas situações deixam um trauma profissional. Foi um ano muito difícil para todos que trabalham aqui e também para nossa família, que fica muito preocupada com o que está acontecendo conosco”, conta.
Emerson estava muito positivo no início da pandemia. Ele via na televisão os casos na China e na Itália e tinha esperança de que no Brasil fosse diferente. “Todo mundo que me perguntava e eu dizia que isso não iria acontecer aqui, mas aí veio o primeiro caso. Os números aumentaram cada vez mais, até estourar nesse mês, e infelizmente temos mais de 100 casos todos os dias aqui na cidade”.
Motivação
Apesar da rotina pesada, o que move o técnico de enfermagem a seguir trabalhando na UTI Covid é o orgulho que a família sente por ele e a ajuda dos companheiros de trabalho. “Aqui todo mundo luta junto, somos companheiros mesmo, uma família. Eles ficam comigo quase todos os dias e são muito importantes pra eu conseguir tocar adiante”, ressalta. De acordo com Emerson, os momentos mais leves, com brincadeiras entre os profissionais de plantão também se tornaram primordiais para que ele consiga suportar os momentos de tensão.
Gostar de trabalhar com pacientes internados na UTI foi o que também o levou a não desistir da sua função. “O que me levou a querer ficar aqui é poder viver o desafio de estar na linha de frente do combate à pandemia e por incrível que pareça gostar de trabalhar com pacientes mais graves”, relata.
Expectativa e lições
Apesar de muitos avanços nas técnicas de tratamento de pacientes e a chegada da vacina, o profissional do HU-UEPG não vê previsão de final da pandemia: “Ainda temos muitos meses de batalha. Acho que por enquanto ainda não tem nenhuma perspectiva de melhora no cenário. A gente só vê casos aumentando e eu espero que a aplicação da vacina seja mais rápida para só assim começarmos a vencer essa guerra”.
O cenário difícil e pouco animador ainda deixa lições que Emerson levará para a vida, como manter os cuidados de higiene. “Para fora do Hospital, a lição de vida que levo será aproveitar o momento com minha família, e isso levarei para sempre”, completa.