Quinta-feira, 14 de Novembro de 2024

Emoções que adoecem: entenda o que são as doenças psicossomáticas

2021-02-21 às 10:48

Emoções que adoecem

“Quando a boca se cala, o corpo fala”, diz o ditado. Sentimentos negativos, relações tóxicas, relacionamentos abusivos, rotina rígida, luto e insatisfação estão na origem de muitas doenças, que só podem ser curadas quando o paciente aceita enfrentar a verdadeira causa de seu sofrimento: as emoções reprimidas.

            Várias consultas com especialistas diferentes, muitos exames e uma lista quase interminável de medicamentos, mas nada parece aliviar o sofrimento do paciente. Todos os médicos consultados ficam em um impasse, pois não conseguem encontrar uma explicação para a doença. Quando isso acontece, é comum que o paciente seja diagnosticado com uma doença psicossomática, ou seja, os sintomas que se manifestam no corpo não têm origem orgânica, mas, sim, emocional. Entre os fatores que diferenciam essas doenças das demais, está o fato de que não são encontradas explicações biológicas para os sintomas por meio de exames clínicos convencionais.

“O corpo fala, e fica cada vez mais clara a estreita relação entre o corpo e as emoções”, afirma a médica psiquiatra Angeli Cristine Kaiser, que atende em Ponta Grossa. Segundo ela, emoções negativas, relações tóxicas, relacionamentos abusivos, rotina rígida, luto, descontentamento e insatisfação podem estar na origem de muitas doenças. “O corpo tenta sinalizar esse desconforto emocional, que acaba se manifestando na forma de doenças médicas mais objetivas. Elas só desaparecem quando o paciente se permite buscar e tratar a causa dos sintomas”, observa.

Angeli Cristine Kaiser (foto: arquivo pessoal)

De acordo com a psiquiatra, o nome técnico do fenômeno é Transtorno de Sintomas Somáticos e ele se refere a quaisquer queixas físicas – dor, fadiga, coceira, problemas gástricos, enxaqueca etc – que têm causa emocional e afetam a vida do paciente. Ela destaca que o sofrimento causado pelas doenças psicossomáticas costuma ser persistente e desproporcional em relação aos próprios sintomas. “São pacientes que têm níveis de ansiedade e preocupação extremamente elevados em relação à própria saúde e aos sintomas, e que dedicam muito tempo e energia ao que estão sentindo”, aponta. De acordo com a psiquiatra, as doenças psicossomáticas são mais frequentes em mulheres e em idosos. O estresse e os baixos níveis socioeconômicos são alguns dos principais fatores que contribuem para aumentar a incidência do transtorno.

 

Diagnóstico

Angeli ressalta que, muitas vezes, são necessárias inúmeras consultas, com diversos especialistas e vários exames, para que uma doença psicossomática seja corretamente diagnosticada e tratada. “Quando o diagnóstico clínico e os exames complementares não conseguem explicar os sintomas sentidos pelo paciente, e o tratamento convencional se mostra ineficaz, deve-se considerar uma abordagem mais ampla envolvendo uma causa emocional. O sofrimento do indivíduo é autêntico, seja  explicado em termos médicos ou não”, frisa. Nesses casos, o tratamento deve ser feito em conjunto com um psicólogo ou psiquiatra, usando uma abordagem multidisciplinar que vai tratar as causas e não apenas os sintomas da doença.

 

            Emoções negativas

A farmacêutica ponta-grossense Juliana Menezes Ribeiro, da Farmácia Eficácia Brasil, afirma que todas as emoções negativas podem fazer o corpo adoecer. “As emoções e os sentimentos desencadeiam processos bioquímicos no organismo, como a produção de neurotransmissores e hormônios, de medo e fuga ou de aceitação e alegria, levando o indivíduo à doença ou à saúde”, explica.

Juliana Menezes Ribeiro (foto: arquivo pessoal)

De acordo com ela, não é possível prever, com exatidão, quais sintomas as emoções vão originar, mas é possível identificar algumas predominâncias. “A medicina chinesa costuma relacionar a raiva ao fígado, o medo aos rins e a tristeza aos pulmões, por exemplo. Ou seja, existe uma maior probabilidade de esses sentimentos causarem doenças nesses órgãos”, aponta. Mas isso, ressalta ela, não significa que a tristeza sempre vai causar problemas pulmonares ou que a doença renal crônica de um paciente sempre vai ter origem no medo.

 

            Jornada de cura

A farmacêutica reforça que as emoções costumam desencadear doenças crônicas ou autoimunes, e que é comum o paciente conviver por muitos anos com os sintomas sem encontrar a cura. “Às vezes, os sentimentos negativos que a pessoa está sentindo continuam os mesmos por dias, anos ou até mesmo décadas, e o organismo reconhece aquilo como se fosse uma rota, enfraquecendo determinadas glândulas ou órgãos, fazendo o paciente envelhecer e adoecer sempre naquele mesmo ponto”, observa. O maior desafio, segundo ela, é tirar o paciente desse “caminho destrutivo” e fazer com que ele mude os pensamentos e a forma de enxergar o mundo, e venha a descobrir novas respostas para a vida e aliviar o corpo.

 

Abordagem integrativa

Na visão de Juliana, no tratamento de doenças psicossomáticas é preciso olhar o paciente como um todo e adotar uma abordagem mais integrativa. “Tudo o que é psicossomático está relacionado ao estado mental. Sendo assim, o medicamento, sozinho, não vai conseguir tratar – o que não significa que não seja necessário”, orienta. Ela cita como exemplo o tratamento da depressão. “O fármaco vai ajudar na produção de serotonina, que é um neurotransmissor importantíssimo para o bem-estar e o humor, deixando o paciente mais motivado. Mas o que levou o paciente à depressão? Isso o medicamento não vai resolver”, ilustra.

 

Emoções que podem adoecer

* Estresse

* Ansiedade

* Medo

* Tensão

* Insegurança

* Raiva

* Irritabilidade

* Dificuldade em interpretar as próprias emoções

            Estresse e imunidade

            A psicóloga Dayane Machado, que também atende em Ponta Grossa, menciona que já na antiguidade as emoções eram relacionadas com a origem ou agravamento de doenças físicas. De acordo com ela, há pesquisas que apontam o estresse como o principal fator para o surgimento ou agravamento de doenças psicossomáticas. “Porém, o estímulo que desencadeia o estresse é decodificado e interpretado segundo cada indivíduo, ou seja, o mesmo estímulo não representa necessariamente um estresse para todas as pessoas”, pondera. A psicóloca acrescenta que a ansiedade, o medo, a tensão, a insegurança, a raiva, a irritabilidade e a dificuldade em interpretar as próprias emoções também podem causar doenças de origem emocional.

Dayane Machado (foto: arquivo pessoal)

Dayane observa ainda que o estado psicológico do paciente pode ser responsável pela diminuição da imunidade, facilitando o surgimento de doenças infecciosas. “Nessa perspectiva, praticamente todas as doenças podem ser consideradas como doenças psicossomáticas, afetando diferentes regiões do corpo”, avalia, acrescentando que os sintomas variam de acordo com o organismo.

 

            Prevenção

A psicóloga explica que todos os hábitos que minimizem os impactos do estresse e colaborem para o bem-estar e a qualidade de vida podem ajudar a prevenir as doenças psicossomáticas. Ela cita, como exemplo, alimentação equilibrada, tempo adequado de descanso, sono de qualidade, atividades físicas e de lazer, meditação, yoga e o desenvolvimento de melhores relações humanas. “Conhecer-se a si mesmo, os seus limites, as suas preferências e as suas motivações, e aprimorar a habilidade de regular as próprias emoções, é fundamental para a saúde do corpo e da mente”, indica.

 

Apoio profissional

O papel do psicólogo no tratamento de doenças psicossomáticas, de acordo com Dayane, consiste em dar ao paciente a possibilidade de expressar as suas emoções e de aumentar a capacidade de enfrentar os problemas. “A psicoterapia traz à tona pensamentos automáticos que, muitas vezes, regem os nossos sentimentos e atitudes, além de reestruturar crenças disfuncionais que possam estar na origem de todo esse sofrimento”, detalha. Ela lembra ainda que muitas das doenças psicossomáticas surgem após uma perda importante, acompanhada de sentimentos de desamparo e desespero, e que o apoio profissional pode ajudar o paciente a enfrentar o luto.

 

            Na pele

O médico dermatologista Paulo Schrega, que atende em Ponta Grossa, lembra que é comum as doenças psicossomáticas se manifestarem na pele em forma de lesões, coceira, irritação, suor excessivo, inchaço, vermelhidão ou feridas. “A pele é o maior órgão do corpo e a principal interface de contato do organismo com o ambiente externo. Só isso justifica porque são tão comuns as manifestações dermatológicas causadas pelo estado psicológico da pessoa”, elucida. Ele cita que dermatite, psoríase, rosácea, urticária, hiperidrose e acne são apenas algumas das doenças de pele causadas ou agravadas pelo estado emocional.

Paulo Schrega (foto: arquivo pessoal)

De acordo com ele, é relativamente fácil identificar quando o paciente tem uma doença psicossomática e, assim, iniciar imediatamente o tratamento. “Geralmente, esses sintomas são causados pela ansiedade, e, nas primeiras frases que o paciente fala, já é possível perceber que ele está em um estado ansioso”, afirma. As pessoas ansiosas, segundo o médico, sentem a necessidade de fazer alguma coisa para aliviar a tensão, o que pode levar a vários tipos de lesões na pele. “É muito comum pessoas ansiosas desenvolverem tipos de coceira. A manifestação pode ser tão intensa que alguns pacientes chegam até a supor que existam parasitas ou insetos na pele e duvidam que o sintoma seja causado pelo aspecto emocional.”

 

            A dor da perda

O dermatologista afirma que um dos exemplos mais dramáticos de doenças dermatológicas causadas pelo estado emocional é a alopecia areata, caracterizada por uma grande queda de cabelo em áreas específicas do couro cabeludo. “A doença está ligada unica e exclusivamente a um fator psicológico, geralmente a sensação de perda, mesmo que essa perda tenha ocorrido há muitos anos”, detalha.

A alopecia areata, segundo Schrega, pode se manifestar após a morte de uma pessoa querida, o término de um relacionamento amoroso ou a mudança de cidade ou trabalho. “Eu atendi o caso de uma senhora que desenvolveu alopecia areata e, durante a consulta, ela contou que era professora, amava a profissão, e havia se aposentado. Ou seja, ela perdeu a profissão que tanto adorava.”

 

Doenças que podem ter origem emocional

* Psoríase

* Urticária crônica

* Calvície

* Síndrome do intestino irritado

* Impotência sexual

* Fibromialgia

* Alguns casos de alergias respiratórias, de pele e alimentares

Texto original publicado na Revista D’Ponta # ed. 286 / Dezembro/2020 – texto: Michelle de Geus / Edição: Rafael Guedes / foto: ilustrativa