há uma hora
Heryvelton Martins

Ponta Grossa consolida, em 2025, um modelo de gestão que transfere uma série de serviços públicos essenciais para o controle da iniciativa privada. As movimentações recentes — desde a concessão do Aeroporto Sant'Ana até a terceirização massiva da segurança e a manutenção do modelo de repasse da Festa Nacional do Chope Escuro — demonstram uma crescente dependência do município de empresas privadas para o funcionamento de sua infraestrutura.
A notícia mais marcante do final de novembro foi a confirmação da concessão do Aeroporto Comandante Antônio Amilton Beraldo (Sant'Ana) à Inframérica, uma das principais operadoras aeroportuárias do país. O acordo, mediado pelo Governo Federal, tira o peso da manutenção diária do cofre municipal, com a promessa de destravar investimentos que a Prefeitura, sozinha, não conseguia realizar, visando ampliar voos e conexões.
A administração municipal defende que o movimento garante o desenvolvimento do aeroporto “sem o município necessitar investir mais um real”. Contudo, a contrapartida é a perda da autonomia direta sobre as decisões estratégicas do terminal.
Outros pilares do serviço público operam em modelo de terceirização, evidenciando a dependência do setor privado.
Unidades de Pronto Atendimento (UPAs): Desde 2022, as UPAs de Ponta Grossa (como a de Uvaranas e Santa Paula) são geridas por Organizações Sociais (OSs) como o INDSH, por meio de Contratos de Gestão. As empresas assumem toda a parte operacional, como o corpo clínico e de apoio, liberando a Prefeitura para focar na fiscalização.
Segurança Patrimonial: O avanço em 2025 da terceirização de segurança patrimonial para prédios e eventos públicos, por meio de editais como o Pregão 90136/2025 de R$ 5,2 milhões, resulta na presença de vigilantes privados em postos de saúde e secretarias, em vez de Guardas Civis Municipais. O foco dos guardas municipais se desloca para o patrulhamento de rua.
Destinação do Lixo: A gestão dos resíduos sólidos confirma a total dependência de infraestrutura privada. A Prefeitura lançou o Edital 27/2025, no valor de R$ 28.916.640,00, para a contratação da “disposição final” (aterro sanitário) do lixo. Com a coleta já operada pela Ponta Grossa Ambiental (PGA), a destinação final por empresa privada garante que a cidade não entre em colapso ambiental, já que não mantém aterros públicos próprios.
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No campo do lazer e eventos, a Festa Nacional do Chope Escuro (34ª Münchenfest) consolida o modelo de negócio no qual a organização integral é repassada para a iniciativa privada, como aconteceu neste ano e vem acontecendo desde 2022.
A empresa paga pelo uso do Centro de Eventos e explora comercialmente a bilheteria e os estandes, enquanto a Prefeitura zera seus custos públicos com shows e estrutura. A crítica ao modelo reside na delegação da gestão cultural do evento (escolha de bandas e preços) à lógica de lucro da permissionária, cabendo ao município somente a fiscalização de normas básicas.
O movimento de privatização se estende a áreas historicamente municipais. A gestão dos cemitérios municipais avança para ser repassada ao setor privado, um desejo que ganhou força com projetos de lei e chamamentos para atualização de dados de concessionários.
Da mesma forma, a regulamentação de espaços comerciais e food trucks em parques (Lei nº 15.472/2025) abre caminho para a exploração econômica formal de áreas públicas de lazer, como o Parque de Olarias, elevando a “comercialização" desses espaços.
Especialistas ouvidos pela Agência Senado dizem que, apesar da divergência entre os dois governantes, a privatização hoje é uma questão bem menos ideológica do que foi no passado. Enquanto a esquerda agora aceita que empresas privadas prestem certos serviços públicos à população, a direita admite que o governo permaneça comandando determinadas empresas.
O doutor em economia Armando Castelar, que já chefiou o Departamento Econômico do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e hoje é professor da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas (FGV) no Rio de Janeiro, lembra que o governo Lula admite a possibilidade de transferir para a iniciativa privada, por exemplo, o Porto de Santos, no estado de São Paulo.
"Privatização, hoje em dia, não é apenas vender os ativos de uma empresa estatal, mas também trazer o investidor privado para fazer coisas que o setor público antes fazia, seja por meio de parcerias público-privadas, seja por meio de concessões. Lula, no passado, concedeu rodovias federais a grupos privados e Dilma concedeu aeroportos", explica.