Sábado, 04 de Maio de 2024

D’P Política: Sempre os mesmos?

2023-08-27 às 12:57
Foto: Reprodução

Se você tem interesse por política, certamente já ouviu comentários do tipo “em Ponta Grossa são sempre os mesmos candidatos”. Será que isso é verdade? E, caso seja, qual é o impacto dessa mesmice na sociedade? Para tentar descobrir isso, conversamos com pessoas que fazem parte do xadrez político local

por Michelle de Geus

O dicionário Michaelis define “renovação” como o “ato de modificar-se para melhor”. Na política, essa palavra pode ganhar significados ainda mais profundos. A renovação melhora a qualidade do debate público, traz novas ideias, ajuda no combate à corrupção e impulsiona o surgimento de políticas sociais mais alinhadas com as necessidades da população. Nas eleições de 2020, oito vereadores se reelegeram em Ponta Grossa, e a renovação da Câmara Municipal (CMPG) ficou em 58%. Porém, não é raro que até mesmo esses novos nomes sejam oriundos de famílias tradicionais ou de grupos políticos importantes. Desde muito tempo, a população ponta-grossense reclama sobre uma suposta mesmice na política local. Será que isso é verdade? E, se for, o que impede o surgimento de novas lideranças?

Para o vereador e médico ponta-grossense Erick Camargo, a ideia de que são sempre as mesmas pessoas no poder não é apenas uma impressão: é um fato. “A nossa cidade foi construída politicamente através de oligarquias dominantes da alta sociedade que perduram até hoje. Se você buscar o contexto histórico, verá que as mesmas famílias que gerenciavam a cidade há 200 anos, quando Ponta Grossa foi emancipada, ainda são as que estão no comando”, afirma, destacando que, em sua visão, a principal causa desse fenômeno é o fator econômico. “Como tudo no Brasil, tem mais poder quem tem mais dinheiro. As classes mais pobres não têm voz porque são sufocadas pelo sistema”, avalia, citando como exemplo a discrepância entre campanhas políticas locais milionárias – nas quais os candidatos esbanjam dinheiro – e campanhas, digamos, mais simples, em que os candidatos mal têm recursos para produzir material impresso.

“Ponta Grossa foi construída politicamente através de oligarquias dominantes da alta sociedade que perduram até hoje”
Erick Camargo, médico e vereador

O vereador afirma ainda que há na cidade um interesse explícito da parte dos detentores do poder econômico na manutenção do sistema político. “Isso garante aos grandes empresários e fazendeiros as ferramentas necessárias, inclusive com uso da máquina pública, para a manutenção de seus negócios e a multiplicação de seus lucros”, aponta, acrescentando que isso prejudica a cidade por não permitir a construção de novas políticas públicas e não deixar espaço para novas ideias que possam trazer desenvolvimento e qualidade de vida à população. “A renovação política vem para romper esse ciclo, no qual manda quem tem dinheiro e obedece quem não tem. A política precisa, antes de tudo, ser popular e acessível”, argumenta.

Desafio diário

Camargo relata que a principal dificuldade que encontrou para se afirmar como liderança política foi justamente a de se inserir no meio que ele chama “tradicionalista”. “Eu venho de uma família simples, estudei em escola pública e sou o primeiro médico de uma família de mecânicos e pedreiros”, comenta, ressaltando que a sua campanha foi realizada com pouco dinheiro e sem patrocínio. “O meu único compromisso é com a população que me elegeu, diferente de outros, que estão lá para defender quem os financiou, ou seja, a mesma classe que sempre mandou na cidade”, declara, sublinhando que manter a liderança política nesse meio é um desafio diário. “A minha tranquilidade é que eu tenho o povo do meu lado, que é quem me inspira para trabalhar a cada dia. Sinceramente, eu não sinto falta nenhuma de não ser apoiado pelas famílias tradicionais ou por grandes grupos econômicos da cidade”, garante.

Quadro de mesmice

Lançar novos candidatos de fora dos grupos políticos tradicionais é o desafio enfrentando pelo articulador e estrategista José Elizeu Chociai, que atua montando chapas e elegendo vereadores há quase 20 anos. Em 2020, como presidente do Partido Social Democrático (PSD), Chociai organizou a chapa de vereadores mais votada de Ponta Grossa, elegendo Paulo Balansin, Divonsir Pereira Antunes (Divo) e Daniel Milla. Apoiou também a montagem da chapa do Partido Verde (PV), o quarto mais votado, elegendo os vereadores Filipe Chociai, atual presidente da CMPG, e Léo Farmacêutico. “Em Ponta Grossa, a impressão de que são sempre os mesmos é muito forte, pois os principais atores políticos buscam reeleições intermináveis e se revezam na disputa de cargos proporcionais e majoritários, gerando esse quadro de mesmice”, assinala, ressaltando que nas últimas décadas são praticamente os mesmos políticos que disputam, com chances de vitória, a Prefeitura e as vagas para a Câmara Federal e a Assembleia Legislativa.

“Quando o político fica muito tempo no cargo, acaba criando um distanciamento das comunidades, deixando de ouvir as suas reais necessidades”
José Elizeu Chociai, articulador e estrategista político

Chociai observa que o próprio sistema político é que favorece a manutenção dos mesmos grupos no poder e dificulta os processos de renovação. “Os partidos maiores, que têm mais recursos financeiros para investir nas campanhas e maior tempo de televisão, estão sob o comando de quem já tem mandato. Então, a disputa acontece em condições desiguais e desestimula novas lideranças com potencial”, avalia, observando que, embora a população em geral se mostre cansada da “mesmice”, ela muitas vezes não se abre para novas opções. “A votação dessas lideranças políticas [tradicionais] tem diminuído a cada eleição, mas o processo de renovação é lento e, muitas vezes, a própria população resiste em votar em novos nomes”, opina.

Novas lideranças

Apesar dos inúmeros desafios, Chociai defende que é fundamental ocorrer uma renovação na política ponta-grossense. “Quando o político fica muito tempo no cargo, acaba criando um distanciamento das comunidades, deixando de ouvir as suas reais necessidades. A sua atuação passa a ser baseada apenas nas suas impressões e fica mais sujeita a erros”, observa. “Novas lideranças trazem novas ideias, pensamentos e formas de atuação. Elas tendem a dialogar mais com a população em busca de uma compreensão maior dos problemas locais”, compara. Segundo o articulador, Ponta Grossa já tem lideranças com potencial para serem representantes da população. Essas lideranças, porém, seriam “barradas” por grupos políticos consolidados e tradicionais. “Os segmentos organizados da sociedade devem se unir e trabalhar pela renovação, incentivando essas pessoas a se envolverem e manterem um debate constante em busca dessa construção”, sugere.

Feudos familiares

“A política é uma disputa de espaço e, sempre que novas pessoas disputam esse espaço, existe uma renovação”, analisa o deputado federal Aliel Machado. De origem humilde e sem ligação com a política, Machado conquistou uma vaga na Câmara dos Deputados em 2014, com a maior votação da história de Ponta Grossa, sendo reeleito em 2018 e 2022, com quase 95 mil votos. Ele acredita que um dos motivos para a falta de renovação na política é a concentração de poder em pequenos grupos, e afirma que a cidade tem um histórico do que ele chama de “feudos familiares”. “As lideranças que têm o comando partidário concentram o poder nos seus feudos familiares. Quando eles vêm uma ameaça, dificultam a exposição de novas lideranças e fazem com que a pessoa não tenha a oportunidade de mostrar as suas ideias”, aponta, ressaltando que o maior desafio para o surgimento de novas lideranças é o trabalho dentro dos partidos políticos. “É preciso competência para organizar um grupo e força política para ganhar esses espaços, primeiro de maneira interna, depois externa, buscando uma eleição”, indica.

“É preciso competência para organizar um grupo e força política para ganhar espaço, primeiro dentro do partido, depois fora dele”
Aliel Machado, deputado federal

Responsabilidade de ajudar

Na visão do parlamentar, aqueles que já estão no poder têm a responsabilidade de contribuir e abrir espaço para novas lideranças, deixando elas participarem e dando vaga para candidaturas a outros cargos. Ele lembra que, na eleição de 2016, apoiou a candidatura do hoje vereador Geraldo Stocco, que naquela época era desconhecido do ponto de vista político. “Ele se elegeu vereador e, de lá para cá, junto com o nosso grupo, teve diversos espaços políticos importantes. Quando eu assinei uma ação contra o aumento da passagem do transporte coletivo, que é uma luta histórica que eu tenho, convidei o Stocco para assinar junto”, exemplifica.

O conselho de Machado para as novas lideranças que desejam disputar um cargo público é ter coerência. “Eu acredito, particularmente, que a principal virtude para uma pessoa conquistar o apoio da população é a verdade. Quando a pessoa trabalha com a verdade e consegue demonstrar que de fato está ali por um projeto maior, ela ganha espaço e com isso conquista a confiança do eleitor”, opina, defendendo que a trajetória política é algo construído, fruto de esforço e trabalho. “Não é chegar na eleição e se lançar candidato. É claro que existem os ‘outsiders’, mas a maioria deles não representa de fato a construção de um projeto ou ideia”, acrescenta.

Camuflagem eleitoral

Para o cientista político Fábio Anibal Goiris, professor da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) e mestre em Ciência Política pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), a expressão “são sempre os mesmos” talvez não reflita a realidade. “É apenas uma forma de atribuir aos outros a culpa por um problema mais complexo. Houve, sim, ao longo do tempo, muitas modificações de pessoas e de partidos”, avalia, argumentando que, da lista de 23 vereadores eleitos em 2012, apenas sete continuam no cargo, o que representa uma mudança de mais de 70%. “Não há como negar que existe certa renovação, mas a simples mudança de nomes talvez não signifique uma melhora expressiva do andamento da Câmara Municipal”, pondera.

“Existe certa renovação, mas a simples mudança de nomes talvez não signifique uma melhora expressiva”
Fábio Anibal Goiris, cientista político

Apesar de apontar a ocorrência de mudanças no quadro da política municipal, Goiris também reconhece a existência de oligarquias que detêm o controle do processo político. “As relações politicas sempre foram familiares e ligadas a antigos grupos oligárquicos que tentam manter a mesma politica tradicional e não têm interesse em mudanças”, assinala, sublinhando que esses grupos políticos tradicionais só querem renovação dentro do espectro político-ideológico do qual fazem parte. “A renovação aceita seria dentro de seu grupo, e não renovação por elementos estranhos ao seu grupo ideológico. Alguns dizem que não existe uma real renovação política, mas apenas uma camuflagem eleitoral”, explica.

Mudanças para melhor

Entretanto, o cientista político defende que houve evolução das leis eleitorais e que, em 2022, muitas coisas mudaram. Ele cita como exemplo a contagem em dobro de votos dados a mulheres e pessoas negras para a Câmara dos Deputados nas eleições de 2022 a 2030, para fins de distribuição, entre os partidos políticos, dos recursos do Fundo Eleitoral; a fidelidade partidária; a realização de consultas populares simultâneas às eleições municipais; e a formação de coligações. “Pela primeira vez, o TSE [Tribunal Superior Eleitoral] prevê punições para o disparo em massa de mensagens instantâneas sem anuência do destinatário e reforça que fica vedada a realização de propaganda via telemarketing em qualquer horário. Tudo isso, se não for coibido, pode levar à eleição dos mesmos candidatos”, completa.

Goiris comenta ainda que o fato de uma pessoa não pertencer a famílias politicas tradicionais não significa que a sua candidatura esteja automaticamente inviabilizada. Para embasar a sua afirmação, ele lembra que nomes como Jocelito Canto, Sandro Alex, Marcelo Rangel e Ratinho Júnior não pertencem a famílias de políticos, e que eles conseguiram se eleger e reeleger por meio da mídia. “Uma nova candidatura deve unir, se possível, relações familiares de políticos e famílias tradicionais com a mídia, que é cada vez mais importante”, conclui.

Conteúdo publicado originalmente na Revista D’Ponta #296