Sábado, 04 de Maio de 2024

Enfoque D’P: Motorhome – Casa sobre rodas

2023-09-28 às 11:13
Foto: Divulgação

Eles fizeram do mundo o seu quintal e decidiram experimentar um modo diferente de conhecer novos lugares. Três ponta-grossenses contam as aventuras que viveram com a família e amigos viajando de trailers ou motorhomes

por Michelle de Geus

A liberdade de pegar a estrada sem muito planejamento, tendo apenas um objetivo – o destino – em mente, é o que impulsiona o segmento de trailers e motorhomes. E, se um dia esses veículos foram sinônimo de falta de conforto, hoje contam com todas as comodidades de uma casa moderna. Em Ponta Grossa, já existem diversas pessoas adeptas desse estilo de vida que, seja em veículos próprios ou alugados, partem em busca de aventuras, viajando sem pressa e curtindo a paisagem. Além do aspecto contemplativo da empreitada, elas garantem que as longas horas passadas juntos na estrada aumentam a interação e a sintonia entre a família ou os amigos. Independente do destino escolhido, a viagem sempre gera momentos inesquecíveis e histórias divertidas.

Criando memórias

O designer Rafael Zem, ponta-grossense como os demais personagens desta matéria, conta que o seu interesse por motorhomes surgiu por causa dos filhos. “Nós queríamos viver uma aventura e criar uma memória divertida para eles”, conta. Em setembro de 2022, Zem alugou um motorhome para ir até Campos do Jordão (SP). Ele e a esposa Flávia, que têm dois filhos, Pedro e Marina, uniram-se ao amigo Thiago, pai da Manuela, para a empreitada. “A Marina e a Manuela são muito amigas, e nós achamos que seria uma boa ideia pegar a estrada de motorhome para as crianças conviverem mais conosco e entre elas”, explica. Para planejar o passeio, o grupo contou com a ajuda de uma empresa especializada que alugou o veículo e forneceu opções de itinerário com lugares seguros para paradas, postos de gasolina e os principais pontos turísticos ao longo do trajeto. No caminho, eles aproveitaram para visitar amigos em São Paulo e conhecer o parque de diversões Hopi Hari, em Vinhedo (SP).

O motorhome escolhido pelo grupo tinha uma tenda e um tapete que podiam ser estendidos, formando uma pequena varanda, inclusive com churrasqueira. “Fazer café da manhã em contato com a natureza, vendo o sol nascer naquele friozinho de Campos do Jordão, com as crianças já correndo e brincando, foi muito gostoso. Não teve preço mesmo”, declara Zem, acrescentando, que, em sua visão, a estrada é a parte principal da experiência. “O destino final não é o mais importante, mas a viagem em si. Você viaja durante o dia e vai parando nos postos de gasolina, nos ‘campings’, curtindo a estrada e vendo as paisagens”, observa, mencionando ainda, como outra vantagem, a interação entre as pessoas que estão a bordo. “Esse senso de equipe, de você estar em uma viagem e precisar resolver os problemas juntos, é muito legal”, afirma.

“O destino final não é o mais importante, mas a viagem em si”, conta o designer Rafael Zem (na foto, com a esposa, Flávia, os filhos Pedro e Marina, e o amigo Thiago com a filha Manuela)

Mas, como toda aventura, a viagem de Zem e companhia também teve os seus perrengues. O designer lembra que, no último dia de viagem, o veículo estragou e eles precisaram passar a noite em um posto de gasolina, enquanto aguardavam o resgate. “Foi um problema na marcha. Até dava para continuar dirigindo, mas nós optamos por não voltar dirigindo. Ficamos com medo de que, se desse algum problema, poderia ser em algum lugar sem sinal de celular ou posto de gasolina, e não quisemos colocar as crianças em risco”, conta, ressaltando que o imprevisto não tirou o bom humor do grupo e que o revés se transformou em uma aventura. “Tive que dar banho nas meninas ali mesmo posto de gasolina. Elas, que são acostumadas a só tomar banho quentinho em casa, tiveram que tomar banho em um lugar mais ‘raiz’”, lembra, aos risos.

Admitindo que hoje escolheria um motorhome mais novo e um pouco menor para ter mais mobilidade, Zem não descarta a possibilidade de reviver uma aventura semelhante. “Eu viajaria de motorhome novamente, sim, mas eu acho que esperaria o meu filho mais novo crescer um pouco mais”, afirma, revelando que o grupo já cogita ir para o Uruguai. Um dos motivos para a escolha do destino é o fato de, segundo ele, a cultura de motorhomes ser mais difundida nos estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul. “Eu já fiquei impressionado com a qualidade dos lugares onde nós ficamos e de ter tanto lugar para parar. Dizem que na região sul a estrutura é melhor ainda”, aponta, destacando que o segmento está crescendo e que nos próximos anos haverá mais segurança para quem viaja com a casa sobre rodas.

Destino incerto

O engenheiro agrônomo Bruno Stracheuski Gorte apaixonou-se por esse estilo de vida quando estava procurando uma alternativa para ter mais conforto na fazenda em épocas de safra. “Comprei o motorhome para usar na fazenda, mas resolvemos usar o veículo também para passear e conhecer novos lugares”, explica. Até hoje, já foram quatro viagens, a primeira delas para o Balneário Alemôa, que fica à beira de uma represa em Siqueira Campos. “Ainda fazemos viagens convencionais, mas, sempre que podemos, estamos com o motorhome na estrada. Não temos um destino traçado para o próximo passeio, mas é gostoso tomar as decisões em cima da hora para curtir sempre uma viagem diferente”, afirma.

Gorte observa que os motorhomes ainda têm o benefício de transformarem o mundo todo em quintal. “O mais engraçado, durante as viagens, é quando paramos em um congestionamento na estrada e temos tudo ao nosso alcance, sem preocupação com o tempo em que ficaremos parados. Todos ao redor ficam observando”, diverte-se ele, acrescentando que o veículo torna a viagem mais tranquila, rápida e confortável, pois qualquer coisa que seja necessária na ocasião está ali à disposição de todos. “Outra vantagem é a praticidade de poder parar para descansar em qualquer lugar”, aponta.

“É gostoso tomar as decisões em cima da hora para curtir sempre uma viagem diferente”, opina o engenheiro agrônomo Bruno Stracheuski Gorte (na foto, com a esposa, Franciellen, e os filhos Benício e Manoel)

O engenheiro lembra ainda que, durante muito tempo, os motorhomes foram conhecidos pela falta de conforto, mas que hoje em dia esses veículos contam com todas as comodidades de uma casa. “Apesar do espaço limitado, hoje os motorhomes têm camas confortáveis, ar-condicionado, smart TVs, banheiros com chuveiros aquecidos a gás, cozinha completa, com geladeira e micro-ondas… Os veículos mais modernos oferecem um conforto maravilhoso”, reforça, lembrando que considerar o uso e o número de pessoas que viajarão no trailer é fundamental para definir o tamanho do veículo e garantir o máximo de conforto para todos.

Apesar de todas as vantagens materiais e não materiais, Gorte observa que a segurança ainda é um ponto problemático em algumas rodovias, já que a maioria das estradas, na visão dele, não está preparada para receber esse tipo de veículo. Embora ele reconheça que atualmente seja mais fácil encontrar locais para parar e que existam muitos “campings” e até mesmo redes de postos de combustível que oferecem ótimas condições, ainda é preciso mais. “Falta muita estrutura ainda para podermos aproveitar mais as viagens, como pontos de apoio com rede elétrica, ponto de água e ponto de esgoto. Há muitos lugares lindos no Brasil para conhecermos com a nossa casa sobre rodas, mas que ainda não têm infraestrutura”, lamenta, acrescentando que, para evitar problemas, é preciso manter a manutenção do veículo em dia, especialmente dos freios e rolamentos.

Sempre uma aventura

A casa sobre rodas apareceu na vida do contador Rafael José Borto Minini quase por acaso. “Desde que eu e a minha esposa Marielle éramos namorados, nós tínhamos a vontade de ter um trailer. Logo depois que tivemos a nossa filha Maria Eduarda, a vida nos presenteou com um”, conta ele, que há 13 anos recebeu um trailer Karmann Ghia 540 de 11 metros como forma de pagamento de uma dívida de um cliente. “Nós resolvemos reformar o veículo e encarar o sonho da família de conhecer Gramado, no Rio Grande do Sul”, comenta. Desde então, o trailer, que começou puxado por uma Chevrolet Silverado e agora é conduzido por uma Dodge RAM, já fez aproximadamente 100 viagens, passando por todo o Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás e chegando até o Paraguai.

Se hoje a família Minini já tem mais experiência nesse tipo de viagem, no início a coisa era bem diferente. A primeira viagem realizada por eles ocorreu em 2009 e colocou à prova a paixão por esse estilo de vida. “Nós não tínhamos nem ideia de como funcionava um trailer e, sem pensar muito, resolvemos pegar a estrada apenas pesquisando sobre os lugares onde poderíamos parar”, recorda Rafael. A família trocou o carro pela Silverado, para puxar o trailer, e partiu rumo a Gramado. “Logo na primeira parada, todos os móveis estavam fora do lugar. Nós tínhamos reformado o trailer em uma empresa que fabrica móveis para residências, pois não tínhamos noção de que teríamos que ter levado em uma empresa especializada”, relata ele, que optou por não falar nada para a esposa naquele momento e seguir viagem. “Rodei mais uns 100 quilômetros e, quando parei novamente para olhar, era impossível saber onde era o quarto e onde era a cozinha. Eu, que nunca tinha pegado um martelo na vida, tive que montar todo o trailer novamente”, relembra, aos risos.

“Viajar de trailer ou motorhome é sempre uma aventura. Isso é o que encanta as pessoas”, diz o contador Rafael José Borto Minini (na foto, com a esposa, Marielle, e a filha, Maria Eduarda)

Depois de resolver os problemas com o veículo, Rafael e a família decidiram parar em um “camping” no litoral de Santa Catarina. Ele conta que foram muito bem recebidos pelo irmão do proprietário, que prontamente disponibilizou um espaço de fácil manobra. “No momento em que eu estava estacionando, o proprietário apareceu muito bravo, dizendo que eu não poderia parar ali e que a minha vaga era entre duas árvores. Tentei explicar a minha dificuldade de dar ré com o trailer, mas ele não me entendeu. Ao final da nossa conversa, ele falou que era para eu sair e aproveitar para fechar o portão”, conta, bem-humorado. Por sorte, quando a família estava saindo em busca de um novo local para passar a noite, o irmão do proprietário apareceu novamente e ajudou os ponta-grossenses a estacionarem em outro lugar.

Pensa que os perrengues acabaram aí? A família parou o trailer e, quando todos se preparavam para dormir, começou uma tempestade. “Caiu uma chuva de pedras como eu nunca tinha visto na vida. Falei para a minha esposa que, se a tempestade não parasse, nós largaríamos essa loucura de trailer e iríamos para um hotel, mas acabamos dormindo de cansados”, recorda. Para a surpresa da família, amanheceu um dia lindo na beira da praia e até o proprietário do “camping” foi se desculpar. “Tivemos problemas com os móveis, discutimos com o proprietário do ‘camping’ e dormimos debaixo de pedradas, mas adoramos cada segundo. No fim, tivemos só momentos felizes, e foi umas das melhores experiências de nossas vidas”, garante.

Até hoje, todos os anos, Rafael e a família repetem a viagem para Gramado no mês de julho. No ano que vem, eles pretendem alugar um motorhome e fazer a lendária Rota 66, nos Estados Unidos. “É sempre uma aventura, e acho que é isso que deixa as pessoas encantadas”, defende.

Como começar?

Uma das opções mais à mão para quem quer pegar a estrada a bordo de um trailer ou motorhome é contratar os serviços da Trailemar, fabricante e locadora localizada em Campo Largo, com diversos clientes em Ponta Grossa e região. Diretor comercial da empresa, Marcelo de Castro Carvalho reforça a qualidade e o conforto dos motorhomes atuais. “Hoje os motorhomes que montamos não devem nada, em termos de conforto, a uma casa”, afirma, observando que, assim como uma casa, um motorhome pode ter vários formatos. A classe A se divide em ônibus de até dez metros e acima dessa medida; a classe B se refere a veículos com tamanhos de vans; e a classe C se refere a vans com a cama em cima da cabine. “Cada um tem um projeto e um formato diferente. É como pegar um apartamento ou um aparthotel”, compara.

Outros serviços da Trailemar que também atraem os ponta-grossenses são a venda de trailers americanos e a locação de motorhomes. Carvalho explica que a locação de um motorhome funciona como a de um veículo comum, com diárias começando a partir de R$ 700 e a cada sete dias existe um desconto. “A pessoa recebe o motorhome com o tanque cheio, seguro incluso no valor, e não precisa se preocupar com a limpeza, porque eu já cobro uma taxa para esse serviço”, detalha. Entre dezembro e fevereiro, o mínimo é de 14 dias para locação, e, em julho, dez dias. “No restante do ano, na baixa temporada, o mínimo é de três diárias e sem limite máximo de dias”, explica o diretor comercial, acrescentando que, se o veículo não ultrapassar 6 mil quilos, basta uma Carteira Nacional de Habilitação (CNH) comum para dirigi-lo.

Carvalho destaca que essa modalidade de viagem está em evidência e chamando a atenção de um número cada vez maior de pessoas. “Esse tipo de veículo virou moda durante a pandemia e agora vão começar a aparecer diversos motorhomes para venda, não por causa do segmento em si, mas pela situação econômica complicada”, avalia. Apesar dos inúmeros desafios do mercado e dos perrengues enfrentados pelos adeptos desse estilo de vida, ele garante que no final da viagem tudo vale a pena. “Mais vale um mal dia de motorhome do que um bom dia de trabalho”, conclui.

Conteúdo publicado originalmente na Revista D’Ponta #296