REVISTA – Em 2019, a vida do professor de boxe Marcelo Martins passou por uma reviravolta. Na época, ele atuava como jornalista e, como sempre gostou de praticar atividades físicas, estava se preparando para uma prova de triátlon, uma competição composta por natação, ciclismo e corrida. Foi durante o treinamento de ciclismo que ele sentiu muita falta de ar, e, uma semana depois, decidiu buscar ajuda médica. Aos 49 anos, ele foi diagnosticado com um câncer na garganta, que ficou alojado atrás das cordas vocais.
Marcelo foi encaminhado para a Santa Casa de Ponta Grossa, referência no tratamento de câncer no estado do Paraná, onde são realizadas atualmente cerca de 1,6 mil consultas mensais na área de oncologia. “É uma equipe muito bacana, muito profissional e muito preparada para isso. Fui muito bem acolhido pelos médicos, pelos enfermeiros, psicólogos e assistentes sociais”, afirma. Naquele momento, ainda pairavam dúvidas quanto ao fato de o tumor ser maligno ou benigno, o que definiria as melhores alternativas de tratamento. “Sabendo da batalha que eu teria pela frente, procuramos fazer todos os exames para que o diagnóstico fosse feito o quanto antes”, acrescenta.
Após diversos exames, Marcelo descobriu que o câncer já estava no nível 4, considerado um estágio bastante avançado da doença. Com o diagnóstico em mãos, ele imediatamente começou o tratamento na Santa Casa e precisou passar por nove sessões de quimioterapia e 38 de radioterapia. “Foi um tratamento muito doloroso e muito difícil. Eu passei de 90 quilos para 55”, lembra.
“Os médicos falaram que todo o tempo que eu pratiquei atividade física foi o que me deu condições para vencer o câncer. O grande propósito da Upper Boxe é levar essa qualidade de vida para as pessoas” (Marcelo Martins) / Foto: Reprodução
Garra de atleta
Marcelo enfrentou a luta contra o câncer com “garra de atleta”, como ele mesmo diz. “Foi com muita fé e com muita vontade de viver, sempre colocando a fé em primeiro lugar e procurando mostrar para a minha família que eu estava muito forte”, observa. Naquele período, uma de suas maiores preocupações era com os filhos Ana Flávia e Gustavo, que hoje têm 32 e 30 anos, respectivamente. “Eu tinha que mostrar para eles que eu estava bem e que eu ia vencer, até para poder tranquilizá-los”, explica. Além do apoio dos filhos, Marcelo também contou com a ajuda dos pais e do irmão durante essa batalha.
Após um ano trocando golpes com a doença, foi em maio de 2020 que Marcelo tocou o sino da vitória na Santa Casa, um símbolo da superação daqueles que vencem o câncer. “Tocar o sino foi um momento de muita alegria, pois marcou a conclusão do meu tratamento e levou um pouco de esperança para aqueles que ainda combatiam a doença”, comenta. Atualmente, ele está realizando o último ano de acompanhamento com a equipe de oncologistas, e a expectativa é que, em breve, seja liberado. “Graças a Deus, hoje estou curado. É uma vida nova, é um nascer novo, é um nocaute no câncer”, comemora.
“Enfrentei a luta contra o câncer com muita fé e vontade de viver, sempre colocando a fé em primeiro lugar” / Foto: Reprodução
Nasce o professor Marcelo
No mesmo ano, Marcelo decidiu abandonar o jornalismo e se dedicar integralmente ao esporte, que sempre estivera presente em sua vida. A paixão pelas artes marciais falou mais alto e ele fundou o Centro de Treinamento Upper Boxe, que atualmente conta com uma das melhores estruturas para a prática de boxe em Ponta Grossa. Para se transformar no professor Marcelo, foram necessários diversos cursos até que estivesse habilitado para dar aulas. Em Curitiba, ele treinou com o campeão mundial Macaris do Livramento e se formou pela Federação Paranaense de Boxe. No Conselho Nacional de Boxe, o treinamento foi com o cubano Paco García, atual treinador da Seleção Brasileira de Boxe Olímpico.
Para Marcelo, a grande inspiração para o surgimento da Upper Boxe foi a percepção de que, além do tratamento, o esporte foi um dos grandes responsáveis por salvar a sua vida. “Os médicos falaram que todo esse tempo que eu pratiquei atividade física, as provas de triátlon e as corridas rústicas de que eu participei, foi o que me trouxe condições para vencer o câncer. O grande propósito da Upper Boxe é levar essa qualidade de vida para as pessoas”, aponta.
Aprendizado
Hoje, a Upper Boxe completa cinco anos e conta com mais de 200 alunos. Marcelo faz questão de dividir com cada pessoa que entra no centro de treinamento a sua história e tudo o que aprendeu durante a sua luta contra o câncer. “O primeiro ensinamento é que Deus governa o tempo das pessoas e o tempo Dele é diferente do nosso. Eu acredito que Deus me colocou nessa batalha para que eu pudesse vencer e mudar a minha personalidade, me tornando uma pessoa melhor”, observa. O outro aprendizado é a importância da família nos momentos mais difíceis. “Eu não acreditava nisso, mas, quando você está numa dificuldade, é só a família e pouquíssimos amigos. É só a família e mais ninguém”, frisa.
Marcelo acredita que a luta contra o câncer mudou não apenas a sua personalidade, mas também a sua forma de ver o mundo. “O ensinamento que eu deixo para todo mundo é que a maioria das coisas que nós consideramos um grande problema são apenas dificuldades ou desafios”, explica. “Problema de verdade é você estar sentado recebendo quimioterapia, é estar tão debilitado que não consegue nem sair da cama. Isso, sim, é um problema. Agora, se você está passando por uma situação desconfortável no trabalho ou uma crise familiar, troque a palavra problema por desafio”, aconselha.
Agradecer e retribuir
Como forma de agradecer e retribuir a vitória que teve, Marcelo criou o projeto Boxe para Todos, que oferece a adultos e crianças com necessidades especiais a oportunidade de treinar boxe. As aulas são gratuitas e acontecem toda terça e quinta-feira, das 9h30 às 10h30. “É onde eu consigo lavar a minha alma e devolver para Deus toda essa glória que eu estou tendo, com a empresa cada vez maior e a minha saúde cada vez melhor”, destaca. O acolhimento, a paciência e o respeito ao tempo de cada aluno são os principais diferenciais da Upper Boxe.
A bancária Lorena Bahnert Timossi é aluna da Upper Boxe desde 2023: “Logo na primeira conversa com professor Marcelo, eu percebi que ali era o meu lugar. Apesar de o boxe ser visto como uma atividade masculina, eu me senti muito confortável e respeitada” / Foto: Reprodução
Aliado contra o estresse
Em novembro de 2023, a bancária Lorena Bahnert Timossi conheceu a Upper Boxe por indicação de um aluno, que já treinava com o professor Marcelo e sempre falava muito bem das aulas. “A empolgação dele quando contava as suas experiências despertou em mim uma grande curiosidade pelo boxe, até porque nunca consegui me adaptar às academias tradicionais. Além disso, eu buscava algo novo, que me desafiasse e ao mesmo tempo me fortalecesse, me tirando da zona de conforto”, conta.
Lorena decidiu fazer uma aula experimental na Upper Boxe e imediatamente se apaixonou pelo esporte. “Logo na primeira conversa com professor Marcelo, eu percebi que ali era o meu lugar. Apesar de o boxe ser visto como uma atividade masculina, eu me senti muito confortável e respeitada”, lembra. Um exemplo desse cuidado é a preocupação em adaptar os treinos para todos os níveis, de acordo com os limites de cada um. “O professor Marcelo faz questão de corrigir os detalhes de forma construtiva, mostrando que realmente se importa com o desenvolvimento dos alunos dentro e fora do ringue”, aponta.
Hoje, o boxe representa uma forma de canalizar o estresse do dia a dia para Lorena. “O treinamento constante me ensina a ter paciência, a respeitar o processo, e ajuda a manter a concentração. Além disso, é uma forma de me reconectar comigo mesma, me dando força, resistência, disciplina e autocuidado”, detalha.
Bom para o corpo e para a mente
A cuidadora de idosos Clanise Agnes Porn conta que o filho Felipe, portador de Síndrome de Down participa do projeto Boxe para Todos desde o começo. Atualmente, ele está com 23 anos e não abre mão dos treinos semanais. “Quando o Felipe começou a treinar boxe, ele estava acima do peso e com os níveis de colesterol e de triglicerídeos elevados. Hoje em dia, a saúde dele está perfeita, ele perdeu peso e o seu condicionamento físico está muito melhor do que três anos atrás”, compara.
Clanise não poupa elogios ao professor. “O Marcelo, como professor, é excelente. Os nossos filhos gostam dele, porque ele ensina bem e dá tempo para eles, principalmente para os mais debilitados. Ele respeita o tempo de cada um e tem muita paciência. E, como ser humano, é extraordinário. É alguém em quem nós confiamos, que sabe conversar e ouvir”, afirma.
Com o tempo, Marcelo convidou as mães do projeto a fazerem esteira ou exercícios de musculação enquanto esperam os filhos, mas Clanise decidiu que queria experimentar o boxe também. “Nós colocamos as luvas, fomos lá para os sacos dar uns socos e eu adorei”, brinca. “Você sua muito e trabalha o corpo todo, principalmente os braços e as pernas. O boxe é um esporte maravilhoso para mente e faz muito bem para o ego”, afirma, destacando que se encantou pela modalidade através das aulas do professor Marcelo.
Para conhecer a Upper Boxe, acesse o Instagram: @upperboxeprofmarcelo.
Texto publicado originalmente na edição 308 da Revista D’Ponta