Domingo, 07 de Setembro de 2025

DEBATE: As redes sociais precisam de regulamentação?

Decisão do STF devolve à tona o dilema e reacende a polêmica sobre a liberdade de expressão
2025-09-06 às 17:14
Foto: Reprodução

REVISTA – A discussão levantada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em torno do entendimento sobre o artigo 19 do Marco Civil da Internet ressuscita a polêmica sobre a liberdade de expressão. Desde o seu estabelecimento, em 2014, o artigo prevê que provedores sejam responsabilizados por conteúdos de terceiros somente quando descumprirem decisões judiciais que exijam sua remoção. A revisão da regra, porém, visa ampliar a responsabilidade das plataformas sobre conteúdos ilegais publicados por seus usuários, como perfis falsos, discursos de ódio ou desinformação.

De um lado, há quem concorde que a autorregulação, através de políticas de privacidade, termos de serviço e padrões da comunidade, sejam insuficientes para controlar a propagação de conteúdos ilegais. Ainda que as redes sociais restrinjam ou derrubem certas publicações, esse filtro é sujeito a equívocos e omissões, seja por denúncias movidas por vingança ou mesmo com os usuários mudando a grafia de termos proibidos para enganar a moderação e a fiscalização – o chamado “algospeak”.

De outro lado, os críticos à medida acusam o STF de tentar preencher uma lacuna do Legislativo ao assumir, de forma ilegítima, atribuições do Congresso, a quem compete elaborar as leis, enquanto o Judiciário se incumbe de garantir a sua aplicação e julgar controvérsias.

Nesse cenário, consultamos quatro autoridades e instituições interessadas no tema, tanto críticas quanto favoráveis e lançamos a elas a seguinte questão: “A regulação das redes sociais no Brasil busca, ao menos na teoria, combater a desinformação, proteger direitos fundamentais, garantir transparência nas plataformas e responsabilizar autores e propagadores de conteúdos ilegais ou prejudiciais. No entanto, a proposta tem gerado polêmicas e debates sobre temas como liberdade de expressão, privacidade, controle das plataformas e eficácia das medidas propostas. Na sua opinião, as redes sociais precisam de regulamentação? Por quê? Em caso contrário, como enfrentar o problema das notícias falsas, exposição de dados privados e crimes de ódio?”

DIFERENTE DE CENSURA

“Com certeza as redes sociais precisam de regulamentação, mas, antes de começar esse debate, é importante deixar claro: regulamentação é uma coisa, e censura é outra. Sou a favor da regulamentação. Aliás, não só os usuários precisam ser responsabilizados, mas principalmente as plataformas, uma vez que lucram bilhões, com promoção de conteúdos produzidos intencionalmente para desinformar, causar instabilidade política e, inclusive, com anúncios criminosos.

A decisão do Supremo Tribunal Federal é, sim, um avanço, pois responsabilizará as gigantes da tecnologia, que até agora têm apenas lucro e nenhuma responsabilidade. A internet não é terra de ninguém. A Constituição Federal é clara ao garantir a liberdade de expressão, porém é negado o anonimato, o que ocorre nas redes sociais com perfis falsos, criados para espalhar ódio, mentira e violência.

Regulação significa conteúdos certificados e pessoas reais, que possam ser responsabilizadas, como ocorre no mundo real. No campo político, inúmeras publicações distorcem a realidade. Um exemplo foi a criminalização das vacinas e do sistema eleitoral. Por isso, é importante, sim, ter regulação, para que possamos ter confiança nas redes sociais”

Foto: Divulgação

Arilson Chiorato é deputado estadual pelo Partido dos Trabalhadores

CONTROLE IDEOLÓGICO

“O Brasil caminha para uma direção muito perigosa, obscura, quanto à liberdade de expressão. Já temos uma legislação bastante interessante, que é o Marco Civil da Internet, aprovado pelo Congresso Nacional. Ali já há as previsões, os crimes, tudo que é base para garantir a liberdade de expressão e também impedir que o abuso, a apologia ou a prática de crimes sejam cometidos de forma impune. Claro que os conteúdos podem ser removidos com autorização judicial, dando segurança ao usuário e garantindo a liberdade de expressão, conforme está previsto na Constituição.

A discussão agora é diferente: fala-se em responsabilizar as plataformas e redes sociais pelo conteúdo que o usuário posta, dando às plataformas uma obrigatoriedade de fazer uma moderação, não no sentido dos valores da comunidade, aos quais o usuário adere ao concordar com os termos de uso, mas para não serem responsabilizadas com multas pesadíssimas. Isso vai tender com que as plataformas, para não serem responsabilizadas, passem a cometer censura o tempo todo, sobre qualquer conteúdo que alguém da mediação das plataformas venha a achar que representa risco. Isso vai implicar, na verdade, numa grande possibilidade de controle ideológico. Isso para as plataformas que permanecerão no Brasil. Outras podem simplesmente achar isso arriscado demais e se retirar daqui.

A legislação ideal, para mim, seria aperfeiçoar a garantia da publicação, para que a plataforma não pudesse removê-la sem autorização judicial, garantindo, assim, o princípio constitucional da liberdade de expressão ao usuário. A discussão no Brasil está indo no sentido absolutamente contrário”.

Foto: Reprodução

Paulo Eduardo Martins é jornalista, ex-deputado federal pelo partido Liberal e atual vice-prefeito de Curitiba

MAIS RESPONSABILIDADE

“Acredito que todos nós podemos nos beneficiar com uma regulamentação equilibrada. As redes sociais possuem cada vez mais impacto na formação de opiniões, nas relações sociais e até nos processos democráticos. Então, é natural que o país discuta a criação de diretrizes mais claras.

Acho importante esclarecer que esses preceitos não significam um cerceamento à liberdade de expressão. A livre manifestação é constitucional. Mas é preciso que, respeitando esse direito, também se promova mais responsabilidade no meio digital, tanto para os usuários quanto para as próprias plataformas.

Na Câmara dos Deputados, eu presido a Comissão de Ciência, Tecnologia e Inovação e também faço parte da Comissão Especial de Inteligência Artificial. Em ambos os espaços, temos conversado sobre a regulamentação com muito cuidado e muita seriedade. Um diálogo amplo e necessário para que o Brasil faça uso mais saudável e seguro das redes, combatendo a desinformação e a violação de direitos”

Foto: Reprodução

Ricardo Barros é deputado federal pelo partido Progressistas e presidente da Comissão de Ciência, Tecnologia e Inovação, na Câmara dos Deputados.

RISCOS DIVERSOS

“As redes sociais precisam de regulamentação. O ambiente digital tem impacto direto na vida das pessoas e não pode funcionar sem limites claros. A forma como essa regulação é construída importa. Decisões pontuais do Judiciário, por mais bem-intencionadas que sejam, não substituem o debate legislativo, plural e democrático. A regulamentação deve contar com participação da sociedade e respeito à liberdade de expressão. Sem isso, há risco de insegurança jurídica e de se criar um modelo de controle que pode restringir vozes e concentrar poder. Precisamos de regras claras e equilibradas, que responsabilizem abusos sem inviabilizar o livre debate, e que fortaleçam, em vez de fragilizar, o Estado de Direito”

Foto: Divulgação

Leticia Menegaço de Camargo é presidente da Comissão de Direito Digital e Proteção de Dados Pessoais da OAB Paraná

Texto publicado originalmente na edição 308 da Revista D’Ponta