há 5 horas
Giovanni Cardoso

A repercussão da pesquisa Quaest, divulgada na manhã desta quarta-feira, concentra-se em dois quadros: a avaliação do governo Lula - que teria parado de subir, permanecendo estável - e a crescente preocupação da população com a segurança pública. São, sem dúvida, aspectos relevantes do levantamento. Mas gostaria de puxar o foco para outro ponto.
Quase a totalidade dos entrevistados tomou conhecimento da desastrosa operação conduzida pelo governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro: 97%, segundo os dados. E, apesar de tudo o que já se sabe sobre esse episódio, 67% dos respondentes aprovaram a medida. Nas regiões Sul e Centro-Oeste, os índices são ainda maiores; entre os que se autodeclaram bolsonaristas, a aprovação chega a 84%.
Mais: 67% afirmaram que a polícia não exagerou na força empregada. Em outras palavras, para a maioria, tudo teria transcorrido “dentro da normalidade” nesta operação, que pelo que aparenta, também tenha servido para proteger áreas dominadas por milícias diante da ameaça de avanço do tráfico. O Estado, nesse roteiro, aparece como guardião de reserva de mercado de organizações criminosas. E a velha tese do “bandido bom é bandido morto” segue vitoriosa, mesmo quando isso inclui a morte de inocentes - entre eles, policiais - tratados como meros “efeitos colaterais”.
O que me chama mais atenção, porém, não é a aprovação em si, mas o cinismo embutido nela, que a pesquisa revela algumas perguntas adiante. Quando questionados se gostariam de ver uma operação igual em seus próprios estados, 55% responderam não. Ou seja: defende-se o massacre - desde que longe de suas casas. A operação violenta vale como um espetáculo televisivo; desde que longe de mim.
Esse descompasso evidencia o quanto o debate público está contaminado pela estética do confronto. A “sensação” de segurança pesa mais do que segurança de fato. Qualquer estudioso minimamente sério sabe: ações desse tipo são enxugar gelo. Têm impacto midiático, criam a imagem de que “algo está sendo feito”, mas pouco alteram a capacidade logística e financeira das facções. Em linguagem simples: queima-se muita pólvora para pouca eficácia.
Ainda assim, não considero o jogo perdido. Se o confronto de posições for conduzido com método, dados e consistência, é possível reordenar a percepção social. O caminho passa por comunicação clara, exposição dos resultados reais (ou da ausência deles) e por mostrar, com exemplos, o que funciona: inteligência, cooperação federativa, asfixia econômica e controle de território pelo Estado - não por milícias.
Basta olhar o retrospecto. O Rio de Janeiro é laboratório de décadas dessa mesma política espetacular, e o saldo é conhecido: avanço das milícias e do narcotráfico, normalização da violência, comunidades sob disputa armada. Em São Paulo, a principal organização criminosa expandiu seus braços para várias áreas econômicas - combustíveis, logística, “serviços” - e mantém capilaridade inclusive dentro de estruturas governamentais. Se o método fosse bom, os resultados seriam outros.
A pesquisa, portanto, não fala apenas de preferências; expõe um impasse civilizatório. Entre a pirotecnia e a política pública, parte expressiva da sociedade ainda escolhe a primeira - desde que não bata à sua porta. Nosso desafio é inverter a lógica: substituir a catarse da violência por resultado mensurável, proteger vidas (todas) e recuperar o monopólio do Estado sobre o território. Segurança pública não é palco; é política. E política eficaz nasce do que não aparece em vídeo: planejamento, cooperação e inteligência.
Oliveiros Marques é sociólogo, publicitário e comunicador político
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