Se você não sabe como conseguiu parar e ler esta matéria, saiba que não está sozinha. Nos últimos anos, vem crescendo o número de mulheres que se queixam de estar sobrecarregadas com a rotina da casa e o cuidado dos filhos. Para essas mães, 24 horas parecem não ser suficientes para dar conta de tudo, e a sensação de cansaço extremo ao final do dia é inevitável. Essa síndrome recebeu o nome de esgotamento parental.
Uma dessas mulheres é a ponta-grossense Gabriela Farago, mãe de três filhos com idades bem diferentes. O Gustavo está na adolescência, prestes a fazer 14 anos; o Eduardo está na fase da aprendizagem, com nove anos; e o Leonardo é um bebê de um ano e sete meses. “Sim, eu estou sobrecarregada. Não consigo resumir o meu dia em poucas palavras, porque abro o olho quando acordo e não paro até a hora de dormir, isso quando não levanto várias vezes durante a noite para atender o bebê”, afirma.
Entre as principais queixas de Gabriela, estão a falta de tempo para si mesma e administrar a diferença de idade entre os filhos. “Eu preciso avisar que vou tomar banho, por exemplo. Ir ao salão de beleza virou um evento quase impossível. O meu celular fica no mudo e eu não recebo ligações ou mensagens no WhatsApp, senão algum filho não toma o café da manhã direito, não fez a tarefa escolar ou eu atraso o almoço”, descreve.
A vida social e os filmes que ela tanto gosta de assistir foram ficando em segundo plano. “Eu amo ver um bom filme. Agora já nem precisa ser bom. Conseguir assistir a um filme inteiro já é uma grande conquista. Ultimamente, eu levo cinco dias para assistir a um filme, porque não dá tempo ou porque eu durmo, de tão cansada”, conta.
Para lidar com a sobrecarga da vida de mãe, Gabriela buscou ajuda com psicólogos e psiquiatras. “Se eu me sobrecarrego demais durante o dia, já fico irritada, estressa da, brava, impaciente”, confessa. Mas, apesar de tudo, ela garante que não se arrepende de nada. “No final das contas, é isso que torna a minha vida mais feliz”, afirma.
“As mulheres se sentem insuficientes e incapazes por, muitas vezes, não dar conta de todas as tarefas” – Bianca Gomes, psicóloga (Foto: Divulgação)
Reflexos no lar e na psique
De acordo com a psicóloga Bianca Gomes, que atende em Ponta Grossa, o número de mulheres que se queixam de esgotamento vem aumentando. “As mulheres relatam que se sentem insuficientes e incapazes por, muitas vezes, não dar conta de todas as tarefas do dia a dia”, revela. Ela observa que os deveres da casa e o cuidado com os filhos nem sempre são vistos como trabalho e, na maioria das vezes, são delegados apenas às mulheres. “Outra reclamação comum é a falta de participação ativa dos homens ou de não ter ajuda na jornada, mesmo que existam outras pessoas fisicamente presentes em casa”, aponta.
A sobrecarga no trabalho doméstico não causa apenas cansaço físico, mas também pode afetar o aspecto psicológico. “As mulheres já têm um risco maior para transtornos de ansiedade e depressão, e esse risco pode aumentar quando fatores estressantes e responsabilidades extras são somadas à vivência delas”, explica. Entre os danos para a saúde mental, a psicóloga cita ainda estresse, angústia, insônia, culpa, dificuldade de concentração e crises de choro.
A divisão desigual das tarefas, segundo Bianca, também reflete diretamente na dinâmica familiar. “As mulheres sofrem por ter tantas tarefas, por muitas vezes falhar na realização delas e também por não ter uma divisão igualitária no trabalho doméstico e no cuidado com os filhos. A falta de colaboração e a sobrecarga sempre resultam em estresse e impaciência, prejudicando a comunicação familiar e a resolução do problema”, observa.
Para a psicóloga, o diálogo é uma das formas de se reduzir os impactos na saúde mental. “É importante colocar limites, seja nas situações ou nas pessoas. Quando ultrapassamos o nosso limite, fica muito fácil nos perder de nós mesmos, deixar as nossas prioridades de lado e prejudicar a nossa saúde mental”, afirma.
“As mães não precisam dar conta de tudo sempre. Definir prioridades significa focar naquilo que é mais importante” – Josiane Carbonare, personal organizer (Foto: Divulgação)
Organização e prioridades
“Não precisamos ter mais que 24 horas no dia, precisamos de prioridades”, ensina a personal organizer ponta-grossense Josiane Carbonare. Ela sugere a criação de listas diárias de tarefas para quem precisa otimizar o tempo. “As listas são uma ferramenta válida para qualquer pessoa, mas, como a maternidade faz com que as responsabilidades aumentem muito, eu diria que é essencial para nós, mães”, indica.
Ela frisa que, para reduzir a corrida contra o relógio, é necessário definir prioridades. “As mães não precisam dar conta de tudo sempre. Definir prioridades significa que você vai concentrar a sua atenção e energia naquilo que realmente é mais importante. Organizar muito bem as suas tarefas vai diminuir a pressão e a sensação de corda no pescoço que muitas vezes sentimos”, comenta.
Aprender a dizer “não” e aceitar que algumas tarefas ficarão para o dia seguinte é outro ponto importante para aliviar a carga de estresse emocional. “Todas as noites, antes de dormir, as mães devem avaliar as suas listas e observar se os itens que não foram cumpridos deveriam mesmo estar ali”, aconselha.
“Os resquícios de machismo fazem com que os maridos e até os filhos não ajudem nas tarefas domésticas” – Georgiane Vázquez, professora (Foto: Divulgação)
Machismo e pressão
Professora do curso de História da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) e coordenadora do Laboratório de Estudos de Gênero, Diversidade, Infância e Subjetividades (Lagedis), Georgiane Garabely Heil Vázquez observa que as mulheres sempre trabalharam muito, uma vez que, historicamente, as tarefas da casa e o cuidado com os filhos sempre foram delegados a elas.
Além dos deveres domésticos e maternos, uma nova tarefa foi acrescentada à vida de muitas mulheres: o trabalho profissional. Mas isso ocorreu sem que houvesse uma redistribuição das demais tarefas. “O modelo de sociedade que a gente vem construindo nos últimos anos coloca a mulher diante da necessidade de excelência no mercado de trabalho, no gerenciamento da casa e no cuidado com os filhos. Isso faz com que muitas assumam mais funções excessivas e se dediquem demais a cada uma. Por isso a sobrecarga”, explica.
Na visão da professora, o esgotamento também é causado pela pressão por produtividade e competência no trabalho e na vida doméstica. “As mulheres passam a competir de igual para igual no mercado de trabalho e estão corretas em fazer isso. Porém, se a mulher se dedica à profissão como um homem se dedica, muitas vezes, ela é acusada de ser uma mãe relapsa ou alguém que não dá tanto valor para as coisas da casa”, compara.
Uma das saídas para isso, segundo ela, reside na cooperação dos maridos e dos filhos. “A gente ainda vem de uma educação e de tradições familiares com resquícios de machismo. Isso faz com que boa parte dos maridos não se veja na obrigação de ajudar nas tarefas domésticas, e até mesmo os filhos, muitas vezes, resistem em participar dos cuidados com a casa”, conclui.
Como evitar o esgotamento parental
• Divida tarefas e responsabilidades;
• Passe mais tempo de qualidade em família;
• Cultive hobbies;
• Não dispense brincadeiras e conversas;
• Saia regularmente com os amigos;
• Cuide de si mesma (o).
Por Michelle de Geus | Foto: Reprodução