há um dia
Rafael Guedes

A desaceleração, ou crise do luxo (a primeira desde a Grande Recessão de 2008 e excluindo a COVID-19, segundo o Vogue Business), deve afetar as grandes “labels” com mais força nos próximos dois anos. Esse momento é movido por três fatores: a situação socioeconômica do globo, o enfraquecimento de fortes mercados como a China e a “fadiga do luxo”, ou seja, o cansaço dos clientes que se sentem ludibriados pelo segmento.
Historicamente, em tempos difíceis, a moda tende a se refugiar no escapismo, uma tendência que reflete o desejo de fuga da realidade por meio da imaginação e da fantasia. Em tempos de turbulência, a moda se torna uma forma de buscar alívio de situações cotidianas desagradáveis, oferecendo uma distração mental através de roupas, acessórios e estéticas que transportam para outros universos.

Hoje muitas pessoas procuram formas de se desconectar temporariamente da realidade e mergulhar em um universo de fantasia, sonho e nostalgia: peças artesanais, como crochê, trazendo aquela nostalgia do tempo das avós; tecidos naturais trazendo a sensação de conforto e leveza; o consumo de bonecos como “La Bubus” representando uma sensação de conforto e nostalgia; contrastando também a uma alta costura teatral resgatando a opulência da era barroca e peças futurísticas representando um futuro pós apocalíptico.

Em tempos de guerra, como um mecanismo de alívio e esperança, o escapismo na moda oferecia uma fuga visual da dura realidade do cotidiano. Enquanto a necessidade e a austeridade impulsionavam a praticidade, o escapismo se manifestava em pequenos detalhes e na manutenção de uma aparência digna, servindo como uma forma de resistência e otimismo.

NA PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL (1914–1918)
Abandono do luxo: O período de guerra colocou fim à era extravagante e restritiva da Belle Époque, impulsionando uma moda mais prática e funcional. A silhueta reta e menos justa se popularizou, facilitando a movimentação das mulheres que assumiam trabalhos antes ocupados por homens.
Sobrevivência do estilo: Apesar das restrições e do luto, a moda não morreu. O escapismo se manifestava na criação de peças menos austeras, como chapéus ornamentados e detalhes que contrastavam com a simplicidade das roupas diárias.
Influência militar: Elementos dos uniformes militares, como casacos retos e cinturões, foram incorporados à moda feminina, refletindo o contexto de guerra, mas com um toque de estilo.

NA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL (1939–1945)
Racionamento e criatividade: As restrições de tecido e outros materiais levaram ao racionamento e à criação de soluções inteligentes. O escapismo funcionava como uma força criativa para superar as limitações.
Destaque nos acessórios: Com menos tecido disponível, o foco se moveu para acessórios. Chapéus, joias e maquiagem se tornaram uma forma acessível de adicionar personalidade e alegria aos trajes utilitários.
Maquiagem como moral: O batom vermelho, em particular, se tornou um símbolo de resiliência e patriotismo, representando coragem e otimismo em meio à adversidade. Marcas de cosméticos lançaram tons como “Victory Red” para reforçar essa ideia.

Inovação na funcionalidade: O “siren suit” era um traje prático que podia ser vestido rapidamente para ir a um abrigo antiaéreo, mas era desenhado com toques de estilo, como ombros bufantes e cintos, misturando funcionalidade com escapismo.
Glamour de Hollywood: A indústria do cinema proporcionava um escapismo essencial, e o estilo das atrizes de Hollywood influenciou a moda prática, porém elegante, do dia com calças largas e blusas estilosas, mostrando que era possível ser funcional e elegante.

Reuso e reforma: A moda do “making do” (faça você mesma) incentivava a reforma e o reaproveitamento de roupas e tecidos, como a confecção de vestidos a partir de cortinas, uma forma criativa e prática de manter a esperança.
Diferente do que estamos vivendo agora, durante os períodos de guerra o escapismo não se manifestou na extravagância, mas sim em formas sutis de resistência e manutenção da dignidade. A moda se tornou um refúgio visual, onde detalhes, cores e a busca por um pouco de beleza contrastavam com a severidade do conflito, refletindo a esperança e a criatividade humana em tempos difíceis.
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Conteúdo publicado originalmente na edição 310 (novembro) da revista D'Ponta