Sábado, 12 de Outubro de 2024

Coluna Draft: ‘Hashtag: Fale a minha Língua!’, por Edgar Talevi

2022-03-18 às 11:00

Vivemos conectados, quase nunca off-line. Motivos não faltam para isso, com a necessidade de nos mantermos atualizados com os “reclames” televisivos, bem como transmitir e assistir a aulas por meio de ferramentas digitais de diversas plataformas. Enfim, o mundo mudou! Eu, um Millennial, de 1981, considero-me, ou melhor, assumo-me Cringe diante do multifatorial universo digital contemporâneo.

Brincar com as palavras assume um protagonismo para quem trabalha com Língua Portuguesa, ou até mesmo para quem simplesmente vive a leitura do dia a dia, presenciando a multiplicidade de estrangeirismos, a maioria provinda da internet.

Ir ao Shopping fazer compras, tirar uma selfie, deletar o namorado ou a namorada, resetar os aparelhos – opa! Alerta de Cringe aqui! -, enviar emojis, emoticons, criar story, compartilhar status, postar reels passaram a fazer parte de nossas vidas digitais sem que percebamos e, de igual modo, conheçamos uma fuga a isso tudo. A verdade é que nosso mundo tornou-se um Metaverso – realidade virtual -, em que as peças se movem digitalmente, sem que tenhamos livre-arbítrio, mas, ao mesmo tempo, controlamos através dos sentidos.

“Diga o que disserem, o mal do século é a solidão”, disse, uma vez, Renato Russo, em uma época em que as crianças brincavam nas ruas, livremente, com amigos reais, verdadeiros. Mal sabia ele que chegaria o momento em que a solidão faria parte das ruas, pois as pessoas, fechadas em casa, abandonariam este mundo para viver o mundo virtual.

Pois bem! Chega de desabafo! O que há de mal em penetrar o mundo do “internetês?” Nenhum! Mas houve quem – leigo em Linguagem – quisesse impor, por meio de Lei, um impedimento para que os estrangeirismos, naturalmente surgidos, criados, construídos pela fala desimpedida, livre, democrática, cultural, artística e “atualizada” do povo nas escolas, nas redes sociais, seja por smartphone ou notebook, tablet ou microcomputador, e por diversos meios de comunicação fossem usados.

Entendamos o contexto e a história: um projeto de lei, que tramitou em março de 2001, na Câmara dos Deputados, queria restringir o uso de palavras estrangeiras e tornar obrigatório o uso da Língua Portuguesa por brasileiros natos e naturalizados e pelos estrangeiros residentes no Brasil há mais de um ano. O projeto regia o ensino e a aprendizagem, em multifacetadas formas, da Língua Portuguesa, mas causava espanto ao tentar censurar o uso livre e democrático da linguagem, patrimônio imaterial, cultural, artístico, subjetivo, sui generis da humanidade. Tratava-se do PL nº 1676, proposto pelo Deputado Aldo Rebelo (PC do B), de São Paulo.

O projeto foi aprovado na Câmara. Mas, a bem da Língua Portuguesa, de nossos estudantes, de nosso povo, das plataformas digitais, dos nativos digitais, dos Millennials resilientes, dos professores em tempos de Pandemia e da coerência com a vida virtual, digital e moderna, o Senado, após muita discussão, não aprovou o PL.

Não faltaram contestações sobre a iniciativa descabida do então Deputado. O professor Pasquale Cipro Neto, na coleção Ao Pé da Letra, trata do uso de alguns estrangeirismos e sugere, com um tom suave de humor, que não há substituição para palavras como pizza, por exemplo. Ou seria: “um disco de massa com queijo e molho de tomate?”

Outros políticos também tentaram cercear nosso Direito à Livre comunicação, tais como o ocorrido na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, que aprovou, em 2011, por 26 votos a 24, o PL 156/2009, que previa a obrigatoriedade da tradução de expressões ou palavras estrangeiras para a Língua Portuguesa.

Como explicar tamanhos descaminhos ao se tratar de nosso bem imaterial mais precioso? A Língua Portuguesa sofre, mas não pela entrada de estrangeirismos, pois são inevitáveis, assim como o são em todos os países em que há democracia vigente e a internet esteja aberta ao uso da população. Um idioma não é um círculo em si mesmo. Viemos do latim vulgar e iremos até onde nossa comunicação nos impelir.

Ismael de Lima Coutinho, eminente autoridade em Filologia, em sua obra “Gramática Histórica”, afirma: “Linguagem é o conjunto de sinais de que a humanidade intencionalmente se serve para comunicar as suas ideias e pensamentos”. E continua: “A linguagem constitui o apanágio do homem”.

O VOLP (Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa), produzido e editado pela Academia Brasileira de Letras, documento formal e oficial de nosso idioma, sempre atualiza suas bases, implementando a linguagem do povo, o que inclui os estrangeirismos, gírias e o “internetês”. Nada nos deprecia, ao contrário, valoriza nosso amplo espectro comunicativo.

O pensamento de que estamos a desvalorizar a Língua Portuguesa pelo uso de palavras oriundas de outros idiomas ou plataformas digitais, implica restrição – com a devida vênia pelo uso do jargão -, das correlações paradigmáticas de sentido, a que o exímio Linguista Ferdinand de Saussure se referia. Temos o Direito à escolha das palavras a serem usadas por nós como objeto inegociável do processo criativo. E mais: ouso lançar mão da famosa Licença Poética a que todos podemos saudar para fortalecer o argumento pró-liberdade de expressão.

Não existe colonização de um idioma no sentido imperialista. O que sempre houve é a fluência e fluidez com que novos constructos sociais se desenvolvem e se misturam homo e heterogeneamente. A esse sistema, podemos chamar, grosso modo, globalização idiomática.

Enquanto isso, podemos curtir, sem medo de errar, a linguagem da geração nativa digital, que veio para mudar nosso mundo. Estar on-line é imperativo hoje e no futuro. Estagnar não é opção. Talvez, não consigamos – dirijo-me aos Millennials -, acompanhar na mesma velocidade as mudanças e transformações, mas não vamos Flopar!

Enquanto escrevo, estou shippando muitas coisas dentro de mim: ideias mil, crônicas a serem escritas. Resisto! O importante é não virar Meme!

Rindo, despeço-me, tuitando, aqui mesmo, uma frase do nada menos que dono do Meta, Mark Zuckerberg: “A internet é um campo aberto. É preciso arriscar. O espaço aqui é livre”.

Coluna Draft

por Edgar Talevi

Edgar Talevi de Oliveira é licenciado em Letras pela UEPG. Pós-graduado em Linguística, Neuropedagogia e Educação Especial. Bacharel e Mestre em Teologia. Atualmente Professor do Quadro Próprio do Magistério da Rede Pública do Paraná, na disciplina de Língua Portuguesa. Começou carreira como docente em Produção de texto e Gramática, em 2005, em diversos cursos pré-vestibulares da região, bem como possui experiência em docência no Ensino Superior em instituições privadas de Ensino de Ponta Grossa. É revisor de textos e autor do livro “Domine a Língua – o novo acordo ortográfico de um jeito simples”, em parceria com o professor Pablo Alex Laroca Gomes. Também autor do livro "Sintaxe à Vontade: crônicas sobre a Língua Portuguesa". Membro da Academia Ponta-grossense de Letras e Artes. Ao longo de sua carreira no magistério, coordenou inúmeros projetos pedagógicos, tais como Júri Simulado, Semana Literária dentre outros. Como articulista, teve seus textos publicados em jornais impressos e eletrônicos, sempre com posicionamentos relevantes e de caráter democrático, prezando pela ética, pluralidade de ideias e valores republicanos.