Quinta-feira, 26 de Dezembro de 2024

Animais na quarentena: Eles também sentem estresse, nervosismo e ansiedade

2020-07-23 às 19:26

Se você tem cães e gatos em casa, pode ter notado uma mudança de comportamento desde o início do isolamento social causado pelo coronavírus. Talvez os animais estejam mais agitados, mais agressivos ou mais quietos do que normal. Os pets também sentem a pandemia, não da mesma forma que nós, mas percebem que a rotina está diferente e isso modificou substancialmente a vida deles.

“Embora não tenham consciência exata do que está acontecendo, de alguma forma os cães e gatos sentem a pandemia. Eles percebem que o mundo está diferente, pois a rotina deles mudou. Os tutores estão mais presentes em casa, movimentos que antes eram em um único período do dia acabaram se tornando constantes”, enumera a médica veterinária ponta-grossense Cristiane Trentim, sócia-proprietária da Cliniponta.

Mudanças na rotina

Cristiane Trentim Créditos: Paola Antunes

Ela alerta que essas mudanças na rotina e no ambiente também afeta os animais de estimação e pode deixa-los estressados. “Com a presença dos tutores constante em casa, cães e gatos podem ter alterações de comportamento e ficar mais agitados. Eles estavam habituados sozinhos, muitas vezes dormindo na maior parte do tempo, e agora se deparam com movimentos e pessoas que só viam em num período do dia”, destaca.

De acordo com a veterinária, outra mudança importante na rotina dos cães é a redução nos passeios ao ar livre. “Os passeios constantes antes da pandemia e agora os cães acabaram ficando sem essa condição devido ao isolamento. O ideal é estimular o animal com brincadeiras, utilizar brinquedos como bolinhas, ursinhos, fazendo com que gastem energia e se divirtam dentro da nova realidade”, sublinha. 

Os gatos gostam mais de sua individualidade, gostam de ficar em seus espaços e possuem suas rotinas, e tendem a ficar estressados quando elas são alteradas

Cristiane Trentim

Gatos merecem cuidados especiais

Todos os pets podem sofrer com a mudança, mas Cristiane indica que os tutores deem uma atenção especial aos gatos. “Os gatos gostam mais de sua individualidade, gostam de ficar em seus espaços e possuem suas rotinas, e tendem a ficar estressados quando elas são alteradas”, explica. Ela indica realizar brincadeiras nos horários que os gatos estavam acostumados a receber atenção para que possam manter sua rotina.

Ela também orienta que a dieta dos bichanos seja mantida. “Com a presença dos tutores em casa, os gatos tendendo a ficar mais perto ou pedir mais comidas e petiscos, podendo alterar sua dieta. Manter a rotina e respeitar o espaço desses animais e fundamental”, frisa. 

Eles estavam habituados sozinhos, muitas vezes dormindo na maior parte do tempo, e agora se deparam com movimentos e pessoas que só viam em num período do dia

Cristiane Trentim

O isolamento e a saúde mental dos pets

Paulo Roberto de Freitas/Acervo Pessoal

“No início, como todos nós ficamos muito assustados, nós nos fechamos dentro de nossas casas e esquecemos que os animais não pegam e não transmitem o coronavírus. Com medo do contágio também isolamos os nossos amiguinhos. O resultado foi cães estressados, entediados, agressivos e até deprimidos”, avalia o adestrador e especialista em comportamento animal, Paulo Roberto de Freitas, que atende em Ponta Grossa.

Ele conta que, no início da pandemia, alguns clientes suspenderam o adestramento, os passeios e as caminhadas que ele fazia com os animais. “Os cães acabaram ficando isolados junto com os tutores em casa e isso trouxe muito estresse e problemas de nervosismo. Alguns acabaram atacando os donos ou brigando com os outros cães da casa e eu fui chamado novamente para resolver a situação”, lembra.

De acordo com Paulo, os gatos são mais independentes e mais caseiros do que os cães, e, por isso, não sentiram muito as mudanças. “Para os gatos o isolamento dos tutores trouxe mais comidas, carinhos, petiscos e mais brinquedos. Para resumir, a quarentena fez bem para os gatos”, brinca. 

É fundamental dar atenção para o bichinho, fazer com que eles desfrutem do passeio e tenham uma melhor qualidade de vida

Paulo Roberto de Freitas

Como reduzir o estresse dos animais

Fazer caminhadas e passeios em algum parquinho para que os cães possam brincar e interagir com outros animais é uma das principais dicas do adestrador para amenizar o estresse dos pets. Entretanto, ele acredita que isso não deve ser feito em momentos de estresse ou nervosismo. “Eu sempre aconselho os meus clientes a, quando sair caminhar com o cão, procurar passar para ele uma energia boa, alegria, carinho, otimismo. É fundamental dar atenção para o bichinho, fazer com que eles desfrutem do passeio e tenham uma melhor qualidade de vida”, frisa.

Outra forma de aliviar as tensões dos pets, ensina Paulo, é brincando com eles, dando petiscos, ossos de pet, bolas, garrafas pet vazias ou com ração dentro. 

Os cães acabaram ficando isolados junto com os tutores em casa e isso trouxe muito estresse e problemas de nervosismo

Paulo Roberto de Freitas

Alguns sinais de ansiedade e nervosismo

Paulo também aconselha os tutores a observarem atentamente o comportamento do animal e, se sentirem alguma diferença, consultar um médico veterinário para descartar possíveis problemas de saúde e, em último caso, um especialista em comportamento animal.  “O estresse é algo muito perigoso entre os animais, principalmente para os cães. Nessa situação de pandemia, o que mais tem acontecido é de donos e animais estarem estressados”, diz. Ele acrescenta que, se for necessário, o veterinário poderá receitar um calmante ou fitoterápico.

Entre os sinais de estresse dos cães, o adestrador destaca o latido excessivo, brigas entre cães, mudança de comportamento, mudança de apetite, morder o rabo ou a patinha e arranhar o chão. 

O estresse é algo muito perigoso entre os animais, principalmente para os cães e, nessa situação de pandemia, o que mais tem acontecido é de donos e animais estarem estressados

Paulo Roberto de Freitas

Capacidade de empatia

Érica Zanoni Fagundes Cunha/Acervo Pessoal

De acordo com Érica Zanoni Fagundes Cunha, professora do curso de veterinária das Faculdades Cescage, os animais não apenas têm consciência das mudanças que ocorrem no lar, como eles também têm consciência do que o outro sente. “Os animais são criaturas extremamente empáticas, que entram facilmente no sentimento dos outros. O sentimento do grupo é o sentimento deles. Se a maioria das pessoas durante a pandemia têm relatado sintomas de depressão e ansiedade, isso também pode ser contagioso para os pets”, afirma.

Ela relata que, com o estresse dos donos, os animais também acabam ficando estressados. “Normalmente a frustração do líder da matilha, que seria o humano, acaba afetando o animal. A gente chama isso de ressonância empática”, explica

A professora acrescenta que um estudo realizado pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) aponta um aumento de 90,5% nos casos de depressão entre os brasileiros desde o início da quarentena. “Como os animais têm essa ressonância empática, entram facilmente no sentimento do outro e o problema do grupo é o problema deles, provavelmente a gente também tenha um aumento desses comportamentos e desses transtornos mentais em animais”, acredita.

Os animais são criaturas extremamente empáticas, que entram facilmente no sentimento dos outros e sentimento do grupo é o sentimento deles

Érica Zanoni Fagundes Cunha

Parceiros de longa data

Érica explica que os cães acompanham os seres humanos há mais de 15 mil anos e os gatos há cerca de 10 mil anos e, ao longo da evolução, os animais desenvolveram habilidades para aumentar seu sucesso na interação com os humanos. “Os animais necessitaram aprender a responder ao estado emocional do outro, para o sucesso da interação social. As principais características comportamentais selecionadas relatadas em trabalhos incluem falta de medo, curiosidade, brincadeira, redução do territorialismo, aumento de procura de contatos sociais e comportamento menos agressivo”, enumera.

Normalmente a frustração do líder da matilha, que seria o humano, acaba afetando o animal

Érica Zanoni Fagundes Cunha

Apego exagerado

A veterinária Cristiane Trentim nota ainda que alguns tutores estão mais apegados aos animais de estimação, seja porque estão passando mais tempo em casa ou para diminuir a própria ansiedade. “Esse apego exagerado prejudica os animais. Eles podem ficar estressados e poderão sentir falta com essa mudança também quando tudo se normalizar. O ideal e manter as brincadeiras nos horários de costumes”, diz.

O apego exagerado depois de um longo tempo de convívio, explica a professora Érica Zanoni, também pode gerar ansiedade nos animais. “Durante esse período de isolamente, se a pessoa de repente não coloca um limite, deixa o cachorro segui-la o dia todo ou deixa de fazer algumas coisas por ocasião de não deixar o animal sozinho, isso também acaba gerando uma dependência muito forte”, diz. Ela acrescenta ainda que a ansiedade de separação é um transtorno bem difícil de tratar e exige mudança de atitude dos tutores.

Imagem de destaque: Freepik